Eu, robô

Eu, robô – Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph

Ano de Lançamento: 1950 – Minha Edição: 2014 (3º rein) – 315 páginas


Uma das mais fundamentais obras do gênero da Ficção Científica, embora sua autora não soubesse disso, foi Frankenstein, ou o prometeu moderno, da britânica, Mary Shelley, lançado em 1818. Ela poderia ser considerada a primeira obra contemporânea do gênero ao contar a conhecida história da criação de uma vida artificial. As críticas da escritora à modernidade são profundas e conectadas ao contexto do século XIX; entretanto, dentro do gênero, as suas obras acabaram por criar um legado que ligava à ficção científica ao terror e ao medo da tecnologia – em especial de formas de vida artificiais.

O sucesso dos livros de H. G. Wells, na virada do século XIX para o XX, mantiveram uma associação entre ficção especulativa e resultados não muito positivos para a humanidade. Muita da inspiração de Isaac Asimov, o escritor soviético radicado nos Estados Unidos, era justamente contrapor este senso comum e mostrar a possibilidade de futuros em que a tecnologia permitisse uma vida genuinamente melhor aos seres humanos, em especial, o advento dos robôs.

Nesta obra estão reunidos 9 contos escritos pelo autor durante a década de 1940 que paulatinamente vão desenvolvendo a sua versão do que seria a vida artificial, e, em especial, as 3 leis da robótica. Elas se tornaram pilares da imaginação de diversos autores no uso dos robôs na ficção mais pra frente – um legado equivalente ao mundo ficcional de Tolkien para as obras de fantasia.

Devagarzinho, em cada uma dessas pequenas histórias, Asimov vai desenvolvendo o funcionamento destas leis, como se cada um deles fosse um teste; para o autor, para as leis da robótica, para os robôs e para nós mesmos. A seleção de contos é muito boa, e realmente cria uma narrativa coesa que mostra o avanço daquele tipo de vida artificial. Originalmente escritos de forma independente, para esta coletânea Asimov fez algumas alterações nos textos, inseriu alguns prólogos para cada, e criou uma nova narrativa: Eu, Robô é uma seqüência de histórias contadas pela Dra. Susan Calvin em uma entrevista a uma repórter que deseja escrever uma biografia sobre a renomada roboticista. Praticante de uma ciência nova, um estudioso da vida robótica em todos sentidos da.

Este aspecto é extremamente interessante. A protagonista – ainda que ela não seja, verdadeiramente, a personagem principal, em todos os contos, conforme falaremos a seguir – é uma cientista envolvida com a vida robótica, mas não é uma “mecânica” ou “engenheira”, e sim uma psicóloga de robôs. O seu grande trabalho e desafio é entender como os androides e seus cérebros positrônicos pensam, em especial quando eles passam a se comportar de forma inesperada. É uma abordagem muito única e particular da obra de Asimov – traços que se estenderão ao final da trilogia da Fundação.

Novamente, os contos (veja abaixo) estão em uma sequência cronológica coesa que consegue demonstrar muito bem a evolução da robótica naquele universo; a cada nova estorinha temos um elemento novo adicionado. Entretanto, ainda assim fica nítido como algumas coisas foram forçadas para costurar conexões entre os textos: vários dos eventos a dr. Calvin apenas ouviu falar, e, especialmente, na reta final, um dos textos é dedicado integralmente a descobrir se um personagem é ou não um robô; no texto seguinte ele reaparece e o assunto é sequer mencionado.

  1. Robbie – A ideia que iniciou tudo; um robô babá que sofre rejeição da mãe da criança e seus vizinhos e amigos. Mas é um dos menos interessantes, não explora quase nada da psicologia robótica e foca mais no preconceito da humanidade contra essa nova forma de vida.
  2. Andando em círculos – Na colônia de mineração em Mercúrio, dois cientistas precisam entender e resolver o mau funcionamento de um robô antes que o suporte de vida do local acabe. É o primeiro lugar em que as três leis da robótica são apresentadas; bem interessante.
  3. Razão – Meu favorito da antologia; um robô tenta racionalizar sua estadia numa estação espacial e chega a conclusão que ele é um líder religioso e o gerador de energia do local é um profeta. Pena que o cientistas são figuras muito estúpidas.
  4. É preciso pegar o coelho – Novamente, os mesmos cientistas precisam resolver outro mau funcionamento robótico; quando alguns param de trabalhar e começam a dançar. É o mais fraquinho e o que menos contribui com a evolução dos robôs.
  5. Mentiroso! – Já alguns anos no futuro, empregados em funções domésticas, os robôs passam a conviver mais com os humanos – e um deles começa a dizer é capaz de ler mentes de seus criadores. É o primeiro com a dra. Susan Calvin como protagonista real; é muito previsível para quem já conhece o trabalho de Asimov, mas tem importantes novas abordagens.
  6. Um robozinho sumido – Talvez o mais sombrio da coletânea, conta a história de um robô que tem sua primeira lei relativizada, permitindo que ele deixe humanos se ferirem, para que ele possa deixar homens trabalharem em áreas de risco. Toda a ideia é interessante, e é o que tem o maior suspense envolvido.
  7. Evasão – As grandes empresas de robótica da Terra estão em uma corrida pelo desenvolvimento do Hyperdrive. A concorrente da US Robots, local de trabalho de nossos protagonistas, tem seu principal computador danificado permanentemente ao tentar projetar uma nave capaz de viajar mais rápido que a luz. Cabe a dra. Calvin convencer O Cérebro, um supercomputador senciente da sua empresa, de que é possível fazer esse tipo de viagem sem colocar em risco seus tripulantes. O dilema é legal, entretanto, a pseudo-ciência por trás de tudo não convence e solapa o conto.
  8. Evidência – Numa acirrada disputa eleitoral, um candidato acusa o favorito do pleito de ser, na realidade um robô. Esse conto nunca chega “lá” e só entrega meias respostas, além de não encaixar bem com cânone geral da série Robôs/Fundação.
  9. Conflito Evitável – Já caminhando ao final do século XXI, a Terra é dividida em 4 mega-Estados governados com auxílio de supercomputadores; e mesmo assim estão sendo detectados algumas deficiências administrativas que sugerem erros de processamento dessas máquinas. Outra ideia interessante, mas o conto gasta muito tempo no worldbuilding desse futuro – que nunca mais aparecerá no cânone.

Um dos grandes atrativos, por outro lado, é o “futuro-retrô” que Asimov acabou criando sem querer. Escrito em 1939 e revisado em 1950, o primeiro dos contos se passa no muito distante 1998 com um robô-babá, e o último, quando a Terra está dividida em 4 gigantescos países e computadores cuidam de todos os aspectos da vida, em 2052. Há algumas coisas óbvias, como a capacidade da humanidade viajar entre os planetas do sistema solar em 2015, mas também umas sutilezas muito divertidas. No conto sobre a criação de uma nave capaz de viajar mais rápido que a luz, os computadores que auxiliam o projeto precisam ser alimentados de dados através de papéis inseridos neles.

Particularmente adoro este aspecto de ver como se imaginava a tecnologia do futuro; um dos meus aspectos favoritos da ficção científica. Isso demonstra como esse tipo de obra, com comentamos frequentemente, não fala sobre o futuro, mas sim sobre o presente e suas aspirações para o futuro.

E nesse sentido que a obra de Asimov bilha, e Eu, Robô, mais que todas as suas demais envolvendo o mesmo universo ficcional. Gradativamente, vemos como os robôs, recebidos com todo o tipo de preconceito e maus tratos – mesmos os roboticistas são extremamente grossos e estúpidos com as máquinas – nos libertam da exploração pelo trabalho e genuinamente possibilitam uma vida melhor à humanidade e se preocupam conosco.

No estado atual da exploração capitalista, a imensa maioria dos avanços tecnológicos envolvendo o trabalho acabam por resultar na degradação das nossas condições laborais: telecomunicações permitem que a cobrança seja feita fora do seu turno; aplicativos pagam menos que funcionários devidamente registrados e exigem jornadas maiores; e a Inteligência Artificial vai se ocupar de trabalhos “criativos” enquanto usurpa ilustrações ou textos criados por humanos. Esta obra de Isaac Asimov serve, 75 anos depois de sua publicação, para mostrar que já existiu um contexto em que o avanço da tecnologia no trabalho significaria esperança de um futuro melhor para a humanidade.

Muito Bom (4,5/5)

O clássico dos clássicos no que se refere ao subgênero “robôs” dentro da ficção científica e suas idéias acabaram se fundindo aos conceitos e aspirações de todos os autores que trabalharam o tema posteriormente. entretanto, como toda coletânea, nem todo seu conteúdo mantém o mesmo padrão de qualidade ou diversão.

Homônimo: o desejo de Asimov era que esta coletânea tivesse um outro título, isto porque ele teve a ideia de Robbie, o primeiro dos contos escritos, ao ler um texto também chamado de Eu, Robô, de 1939 e de autoria de Eando Binder – pseudônimo de dois irmãos americanos, autores muito prolíficos do gênero nos anos 30. Neste conto, um cientista chamado Dr. Link cria um robô em seu porão, e passa a ensiná-lo a viver, recebendo nome de Adam Link. A máquina acaba criando um laço afetivo grande com o cão de estimação da casa – mas despertando desconfiança de outros seres humanos.

Um acidente doméstico acaba por levar o cientista a morte; Adam Link é erroneamente acusado pelo assassinato e é caçado pela polícia. No desespero, em sua fuga, ele acaba levando a outra morte acidental, a de seu amigo canino. Desolado, ele retorna à casa e encontra uma edição de Frankenstein, a qual seu criador havia escondido dele. Ao ler o clássico da ficção, ele entende o porquê da rejeição dos humanos pelas formas de vida artificial; se sente culpado e decide entregar-se à polícia e o conto, na realidade, é sua confissão por escrito sobre as mortes de seu criador e seu cãozinho, começando com “Eu, Robô…

Asimov ficou comovido pela história de Adam Link e decidiu elaborar a ideia dos cérebros positrônicos e empáticos aos humanos: nasceu a Série Robôs. Apesar de suas objeções, os editores decidiram usar o mesmo título para a coletânea por motivos de publicidade e mercado, e o autor, assim, incluiu em vários pré e posfácios – que, inclusive, está presente nesta edição brasileira – essa observação e o devido crédito aos autores originais.

Filme – lançado em 2004, Eu, Robô tem uma adaptação cinematográfica estrelada por Will Smith. Não tão bem recebido pela crítica, com avaliações medianas para bom, mas sucesso de público, com grandes bilheterias. Normalmente é considerado um blockbuster de ação acima da média. Entretanto, o livro guarda muita pouca inspiração com os contos aqui compilados.

Algumas poucas cenas e ideias são retiradas de momentos dos textos, como o robô rebelde se escondendo no meio de outros idênticos, e os cálculos de computadores sobre as necessidades da humanidade comparados ao dos indivíduos. Todavia, há muito mais discordâncias que semelhanças, especialmente no gênero – o filme é policial – e no comportamento dos robôs – que atacam os humanos. Erro cometido 20 anos depois pela horripilante adaptação de Fundação; impressionante como ninguém é capaz de adaptar a obra de Asimov no que se refere, justamente, à sua principal ideia: a sinceridade dos robôs em melhorarem nossa vida.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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