O Expresso Berlim-Bagdá

O Expresso Berlim-Bagdá: O Império Otomano e a Tentativa da Alemanha de conquistar o poder mundial (1898-1918) – Sean McMeekin

Tradução: Maria Silvia Mourão Netto – Editora Globo

Lançamento: 2010 – Minha Edição: 2011 – 495 páginas


A maior comunidade de imigrantes na Alemanha ainda hoje se compõe de Turcos, entre 2,5 a 7 milhões de pessoas em 80 milhões de habitantes; inclusive são vítimas de forte preconceito, pois são associados a imigrantes pobres – análogo aos mexicanos nos Estados Unidos, por exemplo. Mas se os países não são vizinhos, pelo contrário, distantes mais de mil quilômetros, e atravessando menos fronteiras o possível, seriam 5; como explicar?

Bom, antes de tudo, nem sempre foram tão distantes, haviam menos fronteiras a se cruzar até a Primeira Guerra Mundial, e também é a potência mais próxima da Turquia. Todavia, esses motivos mais simples não dão conta de explicar completamente o laço entre esses países.

O Velho Doente da Europa, o Império Otomano, era a principal aposta das potências européias para abocanharem futuras colônias e protetorados. Depois da Guerra da Criméia, quando o Reino Unido e a França precisaram impedir que ele, e seus estratégicos e valiosos territórios, fossem conquistados pela Rússia, todo mundo passou a apostar em sua desintegração. Enquanto isso, uma nova potência surgiu: a Alemanha recém unificada, que chegou balançando a política internacional ao também desejar possessões coloniais.

“O Doente da Europa” – Turquia: Estou saindo desta cama. Guilherme [imperador alemão], porque não se deita no meu lugar?

Também interessados em conquistar o Império Otomano, mas certos que não conseguiriam a mesma boquinha junto das demais potências, os alemães tentaram uma abordagem completamente diferente: fortalecer aquele país. Isso através de financiamento político e econômico e, mais importante, seu consequente endividamento perante os alemães. Uma das principais empreitadas disso seria a construção de uma rede ferroviária que atravessasse todo o grande e diverso reino, e, eventualmente, conectasse Berlim a Bagdá (e Basra).

Apesar de remeter ao sedutor Expresso do Oriente (a ferrovia entre Paris e Constantinopla); e observarmos o hercúleo esforço de colocar em operação uma ferrovia de mais 4 mil quilômetros de extensão; foi uma empreitada bem menos heroica do que parece. A maior parte do serviço era concentrado na construção da conexão e ampliação de vias férreas já existentes.

O problema é que essas linhas anteriores eram interrompidas justamente em locais de construção muito difíceis ou regiões muito instáveis do Império, de grande presença de oposição ou minorias étnicas. Apesar do financiamento, essas dificuldades se tornavam ainda mais graves com o envolvimento alemão, tanto pela incompreensão das particularidades da região, como dos diferentes interesses de cada um desses povos e das demais potências sobre eles.

Por exemplo, a Rússia sabotava o projeto para que nem armênios e nem curdos fossem atendidos (pois eram etnias que também habitavam seu império e poderiam sair fortalecidas da conexão férrea). Enquanto isso, o Reino Unido financiava levantes de outros povos e províncias subordinados aos otomanos, como o Hejaz ou Kuwait – ameaçados pelo fortalecimento do poder central, patrocinado pelos alemães.

É um contexto muito complexo que, inclusive, pode ser entendido como um dos principais motivos que levaram à Grande Guerra. E tudo isso você não vai encontrar neste livro. É uma daquelas obras que é tudo o que qualquer estudante de primeiro ano já sabe que não é História; prepare-se para ler páginas e páginas da “história dos grandes homens“, com detalhes minuciosos de expedições, uniformes, armas, militares, veículos… e nem relacionados à ferrovia!

Se ainda fosse história técnica dos trens e trilhos, eu me interessaria mais, todavia, na realidade o livro é um extenso resumo das relações internacionais entre Império Alemão e Império Otomano, através dessa abordagem século XIX de historiografia; falando pouco da ferrovia em comparação. É uma narrativa tão enfadonha que você está lendo, lendo, lendo e de repente já nem se lembra mais porque estamos falando daquele assunto. Foi dos poucos livros que cheguei muito perto de abandonar.

Há uma importante contribuição: conforme o autor aponta, a Alemanha, ao tentar fortalecer o contestado poder imperial Otomano, através de uma espécie de “pan-islamismo” às avessas – unificação dos islâmicos, não por independência, mas por submissão ao poder turco – lançou muitas das sementes das crises contemporâneas entre Oriente Médio e Ocidente. Promovendo ideais bastante retrógrados e conservadores, relativos à uma suposta liderança divina turca sobre os muçulmanos, justamente em um período de tentativa de modernização. O resultado foi um processo ainda mais violento de reorganização após a queda da monarquia.

Mas isso sou eu tentando dar sentido ao que ele apresenta, porque, no fundo, o autor está tentando encontrar uma espécie de raiz para o ódio dos muçulmanos aos ocidentais, e aponta que poderia ter sido culpa dos alemães. Ele chama a propaganda de guerra contrária à Entente (Reino Unido, França e Rússia) de “jihad turco-alemã“, por exemplo, um termo estranho ao período e muito mais preocupado em atingir o público atual – há vários capítulos dedicados a como “pregavam o ódio aos cristãos” durante a Guerra Mundial.

Pensem numa amostra pura de historiografia americana dos anos 2000.

Ruim (2/5)

Apesar de extenso, trata a história da ferrovia marginalmente. É um longo e enfadonho resumo das relações internacionais entre Alemanha e Império Otomano no período espeCIFicado, numa abordagem ultrapassada, centrada nos “grandes homens” e eventos; e quase metade é dedicado A acontecimentos da Primeira Guerra Mundial não relacionados ao tema do livro.

Construção inacabada: A ferrovia não foi concluída; o início da Primeira Guerra Mundial impediu a continuação das obras, que já vinham em ritmo muito lento – seja pelas dificuldades geográficas e geopolíticas encontradas no Império Otomano, como também incompetência dos Alemães, que desejavam sugar cada centavo e gastar o mínimo o possível.

No início do conflito, já haviam 2 mil km de trilhos construídos (ou reaproveitados de ferrovias anteriores), que praticamente boa parte extensão desejada no Império Otomano. Entretanto, estavam fracionados em quatro sessões diferentes, interrompidas justamente nos pontos mais críticos. Durante a Guerra, uma viagem de Bagdá até Constantinopla, por quase esses 2.000km, levava 22 dias com as travessias a barco e animais quando necessárias.

Apenas na década seguinte a construção foi retomada, parcialmente, na, agora Turquia, e, nos anos 30 no Iraque, e em protetorados britânicos e franceses. Em 1940, já durante a II Guerra Mundial, todo o trajeto original (com mudanças, claro) foi concluído, embora houve linhas apenas entre Istambul e Bagdá; por razões óbvias, nenhuma locomotiva foi até Berlim.

Jovens Turcos: Este grupo de reformadores Otomanos recebeu muita atenção da Europa pois simbolizavam uma última tentativa de curar o velho doente. Relativamente democratas para o período e contexto, advogavam por um parlamento soberano e diversas liberdades civis, coisas ainda pouco difundidas no antigo Império. Além disso, e mais importante, se consideravam turcos e não otomanos, dando contornos nacionalistas a suas reinvidicações.

Eles chegaram a realizar uma bem sucedida revolta em 1908, esse grupo – bastante heterogêneo em certos aspectos – passa a governar o país, mas precisa comer na mão dos alemães e numa posição bastante complicada. Necessitavam do capital deles para desenvolver o país, mas, ao mesmo tempo, se submeter às políticas de fortalecimento do poder central e religioso promovidos pelos estrangeiros; as quais, exatamente, eles desejavam superar.

As contradições estouraram durante a I Guerra Mundial: uma série de políticas de homogeneização cultural, para atender às aspirações nacionalistas, rendeu levantes, revoltas e genocídios contra os diversos povos que faziam parte do antigo Império.

Entretanto, por conta da cobertura europeia de tudo isso, essa expressão se tornou um sinônimo de “grupos políticos modernizantes”, inclusive no Brasil. Entre 1906 e 1912, um convênio militar entre nosso país e a Alemanha levava militares nacionais para se formar e especializar por lá, ao retornarem, os oficiais passaram a empreender diversas reformas das forças armadas brasileiras e foram apelidados também dessa forma.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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