Os Robôs da Alvorada – Isaac Asimov
Tradução: Aline Storto Pereira – Editora Aleph
Ano de Lançamento: 1982 – Minha Edição: 2015 – 542 páginas
Três décadas depois os talentos investigativos de Elijah Baley e Daneel Olivaw são novamente requisitados… bom, 30 anos depois em nosso mundo real o soviético Isaac Asimov publicou a sequência de O Sol Desvelado, mas dentro da continuidade do livro, três anos se passaram – e as mudanças já são palatáveis. Baley lidera um grupo de terráqueos que deseja se reconectar com a “área externa”, a vida fora das cidades; e periodicamente faz excursões e trabalhos na natureza.
Apesar de continuar como um investigador de nível intermediário, seu nome se tornou conhecido por todos os planetas próximos; suas aventuras em Solaria foram transformadas numa “holo-novela” e ele se tornou um espécie de herói intergaláctico. Exatamente por isso, ele foi requisitado novamente para desvendar um crime; desta vez em Aurora – o principal e mais poderoso dos planetas siderais. Entretanto, o assassinato desta vez é um pouco peculiar; a vítima foi R. Jander Panell, o único outro robô humaniforme já construído – tal como Daneel – que subitamente teve uma espécie de “paralisia cerebral” e parou de funcionar.
Isso só poderia ser causado por uma série de ordens ou diálogos contraditórios, que forçassem o cérebro positrônico de Jander ao limite de processamento a ponto dele parar de funcionar. Entretanto, uma situação extrema como essa só poderia ser feita por um roboticista extremamente experiente; e no caso, o único suspeito seria o Dr. Han Fastolfe – o criador de Jander (e de Daneel, em um retcon). A mesma pessoa responsável por chamar Elijah para a investigação.
Os Robôs da Alvorada é uma obra extremamente ambígua em sua composição – e testemunho da genialidade de seu autor. A todo momento temos a sensação de estarmos lendo à sequência contemporânea aos livros originais da série Robôs, através do estilo de escrita, situações e personagens; quem não sabe que se passaram décadas entre um e outro não imaginaria essa condição, com certeza. É como se Asimov conseguisse virar uma chavinha para voltar a ser o autor de sua juventude.
Entretanto, ao mesmo tempo, fica sempre claro que os objetivos deste livro – e sua continuação, Robôs e Império – são precisamente pontuais: conectar seus diversos universos ficcionais; uma empreitada que ele se esforçou muito nos anos 80, o que viria a ser o final de sua carreira, já que falecera em 1992. Diversas citações à Psico-História ou ao Império Galáctico, além de outras lembranças de Eu, Robô ou outros contos, pipocam o tempo todo no texto. Não me entendam mal; isso é maravilhoso e uma das coisas que mais me atrai na leitura de qualquer autor é seu esforço em construir um complexo mundo.
Por outro lado, se Cavernas de Aço e Sol Desvelado eram obras que poderiam ser lidas individualmente, isso já se torna impensável aqui – e menos ainda nas próximas leituras. Como em nosso atual contexto de marvelização do entretenimento de massa, com filmes e seriados sendo feitos apenas para levar a outros, acaba gerando um preconceito para o esforço pioneiro de Asimov.
Um preconceito totalmente equivocado, com certeza, pois, em primeiro lugar, o desejo do soviético era conectar obras já existentes; e, em seguida, todas esses novos textos são ótimos – ricos por si só, ainda que só possam ser compreendidos em conjunto. Aprofundam os personagens e inserem inflexões novas naquele universo. O maior exemplo é o foco em duas novas figuras fundamentais; uma antiga, o retorno de Gladia, a viúva da vítima do livro anterior, agora vivendo em Aurora e novamente conectada ao crime; e a introdução de Giskard, um antigo e leal robô de Fastolfe.
Algo que me pegou, por outro lado, é o ritmo. Com quase o dobro de páginas dos livros anteriores, Robôs da Alvorada acaba perdendo tempo com algumas situações e descrições que já não parecem tão orgânicas como os anteriores. Por exemplo, do início da obra até a chegada de Elijah ao planeta Solaria anteriormente havia cerca de 20 páginas; aqui temos quase 80 para a aterrisagem em Aurora. E há, de fato, alguns desperdícios nesse passagem de tempo; tais como a apresentação dos novos chefes de Bailey, em especial a oficial que explica a missão, uma personagem que desperta muito interesse, mas serve tão somente para aquele diálogo.
Nosso protagonista agora precisa dividir mais espaço. Além de Daneel, temos Gladia, Giskard, Fastolfe, Vasilia ou Amadiro, que são outros seres que têm destaque e aprofundamento; e acabam se tornando mais importantes que ele próprio para os eventos – uma triste constatação. Ainda assim, nosso investigador é uma pessoa carismática diante de sua excelente combinação de dificuldades simples e determinação em superá-las (a sequência da Chuva é uma das passagens mais marcantes da literatura da Ficção Científica).
Continuamos com um pano de fundo político muito interessante relativo ao futuro da humanidade; se em Cavernas de Aço haviam os medievalistas lutando uma Terra retrógrada e em O Sol Desvelado os solarianos que desejavam um mundo cada vez mais inumano; em Os Robôs da Alvorada os há grupos políticos que discutem nada menos que o pioneirismo dos homens em nossa própria história; não seria mais fácil deixar os robôs construírem o futuro? A disputa travada em Aurora divide-se em aqueles que desejam que os humanos voltem a colonizar a Galáxia, o que beneficiaria à Terra, devido sua grande população; e outros que acreditam que o mais eficiente é que robôs como Daneel e Jander fizessem esse trabalho e deixasse tudo pronto para quando a humanidade quisesse.
O principal questionamento, não só da Série Robôs, como praticamente de todas os textos de Asimov, fica muito claro aqui: o papel da humanidade diante do seu futuro; da construção de sua própria história – e a batalha para desvendar o assassinato de Jander é decisiva para isso, apesar de parecer marginal. Como nos demais romances, essa discussão é presente por toda a obra, mas de forma subterrânea; mas acaba tendo que competir com algumas reflexões sobre sexualidade – algo que se repete muito nessas obras do final de carreira de Asimov – que, não por puritanismo de minha parte, acredito que pesou um pouco (ainda mais que há incesto dentro do debate); muito embora pensando em futuro da raça humana, a filosofia por trás da atividade reprodutiva é importante.
Outra uma excelente continuação, mais e menos ambiciosa, ao mesmo tempo, em diferentes aspectos que nos dá mais uma amostra da genialidade de Asimov: conseguindo escrever, três décadas demais, com o mesmo espírito, energia e intenções mais um episódio dessa série.
Muito Bom (4,5/5)
Mesmo escrito 30 anos depois, Asimov consegue manter a mesma forma e essência dos livros anteriores – e ampliar ainda mais os questionamentos sobre a humanidade. Entretanto, tem alguns problemas de ritmo, especialmente no começo, e se torna um texto um pouco maior do que deveria ser.
Vídeo Game: supreendentemente, há uma adaptação em forma de game deste livro – ou quase isso. Lançado em 1984 para o Commodore 64 e Apple II, The Robots of Dawn (título original em inglês do livro) é um text-adventure. Uma espécie de livro interativo, no qual o jogo apenas dispõe textos na tela e o jogador consegue explorar o mundo através de comandos (leste, oeste, abrir, fechar) e conduzir diálogos com os personagens. No caso de Robôs da Alvorada, devemos controlar Elijah e conduzir perguntas aos principais suspeitos e testemunhas – assim como no livro. O interessante é que a programação e escrita no game fazem com que existam diferentes finais – com diferentes responsáveis pela morte de Jander Panell.

Almighty Janitor – O “faxineiro todo-poderoso”, em tradução livre, é um dos principais clichês da Ficção e Fantasia; e Isaac Asimov não está imune. O autor soviético provavelmente foi um dos criadores de muitas coisas tão influentes no gênero que vieram a se tornar clichês, como os robôs lutando contra instintos de proteger humanos, ou a pareceria entre humanos emocionais e robôs lógicos; entretanto desse aqui ele não escapou.
Este clichê se trata de criar um personagem numa posição hierárquica extremamente baixa e não condizente com sua real função; para passar desapercebido e menosprezado pelos demais por toda a obra – e subitamente revelar-se uma força motriz e poderosa dentro daquela estória. E, ainda assim, manter uma certa independência nas ações e decisões por continuar numa posição medíocre. Alguns exemplos são o Sr. Miyagi que trabalha como camareiro em um hotel, em Karatê Kid; o “cozinheiro” de Steven Seagle de Força em Alerta; ou mesmo o Whis do recente Dragon Ball Super, que é um faz tudo de Beerus.
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2 comentários em “Os Robôs da Alvorada”