Robôs e Império – Isaac Asimov
Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph
Ano de Lançamento: 1985 – Minha Edição: 2022 – 543 páginas
Séculos adiante, a figura de Elijah Baley tornou-se algo mítico; os terráqueos voltaram a colonizar novos mundos, e seu primeiro e mais importante novo planeta leva seu nome. Entretanto, seus algozes siderais, com vidas muito mais longevas que os humanos comuns, ainda têm assuntos inacabados de Os Robôs da Alvorada; em especial o diretor do instituto de robótica de Aurora; Kelden Amadiro, que deseja vingança contra a memória de Baley, legado que se mantém vivo atualmente através de Gladia e seus robôs, Daneel e Giskard.
Com a recente morte de Han Fastolfe, o mais influente líder do planeta, e decididamente pró-Terra, uma oportunidade política nova se abriu em Aurora e o diretor quer se aproveitar para mudar os rumos da humanidade novamente. Para isso, ele terá a “ajuda” de Levular Mandamus, um ambicioso “jovem” – para os padrões siderais – membro do instituto, para articular um plano ardiloso com objetivos obscuros; e tudo começa com o encontro de Gladia com um descendente do investigador.
Se, no livro anterior era possível perceber que o objetivo de Asimov com suas novas obras da série era o de realizar a conexão entre os seus diversos universos ficcionais; neste aqui atinge um patamar que, até mesmo, inviabiliza a leitura se você não tem o desejo de ir atrás de todas as demais histórias.
O texto tem uma estrutura e ritmo muito “anormais”, para o que conhecemos de Asimov. Há algumas divisões em partes e, especialmente, alguns flashbacks, recursos que raramente são vistos em seus escritos; saindo de uma linearidade característica – especialmente na série robôs, com sua pegada de romance policial – através de algumas rememorações de Giskard e Daniel sobre Elijah; que nunca convencem como algo “natural”. Fica explícito como o trecho é enfiado a força no livro para ter, de fato, a presença do antigo protagonista no último episódio de sua própria série – e nem é uma reconstituição muito boa; a forma como ele reage a Daneel é muito diferente de todas as vezes em que houve o reencontro entre os velhos parceiros (diriam os jovens que foi fanservice).
Da mesma forma, não trata-se de uma novela policial. Não há crime para ser desvendado. Há, sim, o mistério por trás dos eventos desencadeados por Amadiro e Mandamus, mas, se comparados aos demais livros, que conseguem tão bem reproduzir a mesma essência investigativa original em várias formas, sempre inovadoras e intrigantes a cada nova edição, é uma grande decepção tratar-se de algo totalmente diferente.
Não por isso trata-se de um livro ruim – será que um dia Asimov escreveu algo ruim? Mesmo eu já sabendo mais ou menos como seria o final por conta das demais obras, mistério tem fôlego até a última página e não é força de expressão. Até mesmo pela fatalidade do que estamos esperando acontecer; a escrita é extremamente competente e te deixar sempre querendo que cheguemos, então, logo ao desfecho – comecei até a fazer leitura dinâmica em alguns pontos para avançar logo de tanta ânsia em ver os eventos se desenrolando e precisei me acalmar.
Também, apesar da mudança de protagonista, Asimov consegue imprimir sentimentos de empatia pelos dois robôs, que se tornam os personagens principais da obra – há algumas passagens memoráveis dos dois conversando e buscando entender um ao outro e a humanidade. Não é a mesma coisa, mas torna-se ainda muito interessante ver como Daneel vai se transformando no mais humano dos robôs – até conseguir, milhares de anos depois, se passar um um tão facialmente, com perdão do spoiler. Na outra ponta, é sempre intrigante Giskard tentar racionalizar os eventos e falas de seu companheiro e de outros personagens; embora sua onipotência parece ser algo que Asimov busque o tempo todo tentar remediar. São gastos inúmeros diálogos para ele explicar que só deu um empurrãozinho e as coisas iriam acontecer mais ou menos daquele mesmo jeito.
Há vários pontos decisivos nos quais parecemos ver muito do autor forçando para certos eventos acontecerem (e o papel de Giskard muitas vezes é o de Asimov agindo dentro de seu universo); como a transformação de Gladia em protagonista, e uma grande líder, assim como seu romance com DG, o novo “terráqueo” da vez. DG e amigos que não encantam muito, a oposição aos siderais ficou caricata demais: os terrestres eram civilizados a sua maneira, com burocracia e ambientes fechados, e o siderais tornavam-se antipáticos por não entenderem que eram pequenas diferenças entre os dois grupos de humanos e não justificariam a sua síndrome de superioridade; agora os exploradores são um bando de marinheiros selvagens que agridem donzelas – essa passagem é uma bola fora.
Nada é ruim e as coisas vão se encaixando relativamente bem, mas numa obra do tamanho como a de Asimov, que parece existir por si só, em um universo próprio, assim como por sua genialidade na escrita, conseguimos perceber quando os personagens parecem não agir por vontade própria – com todos os contrassensos que essa frase desperta.
Assim como no antecessor, há algumas linhas narrativas que surgem no começo da obra que são abandonadas depois e parecem servir apenas para inflar o texto; especialmente as envolvendo as questões de descendência e hereditariedade entre Mandamus e Gladia que servem tão somente para apimentar o início do livro. Há uma inversão sensível; no demais volumes da série, a trama política era o pano de fundo do mistério policial, mas neste aqui ela está no foco e os personagens ficam em segundo plano.
Novamente, não é uma obra ruim. É boa, divertida e fico extremamente feliz com a iniciativa de Asimov em conectar suas diversas situações; ainda bem que o fez. Entretanto, isso tem seus efeitos colaterais; que ficam muito evidentes nesta última parte da empreitada – e nem citei o mistério enorme em torno do destino dos Solarianos, cuja resposta deliberadamente deve ser procurada em outro texto. Em alguns momentos o livro parece ser um prólogo a série Impérios, em outros, tem mais cara de um epílogo a Robôs – eu ficaria com este último – e esse dilema de não saber onde podemos encaixar a obra escancara seus principais problemas.
Bom (3,5/5)
Um livro com o propósito tão específico e que escapa a todo momento ao leitor; unificar as obras de asimov em um mesmo “cânon”. Não só não é ruim como é uma leitura divertida, entretanto, por todo o texto sentimos efeitos colaterais do foco exclusivo nesse objetivo.
Lei Zero da Robótica – as três leis da robótica, que previnem os robôs de ferirem os humanos – ou deixar que eles se firam – ao mesmo tempo que mantenham seu instinto de auto-preservação, são as principais contribuições de Asimov para a literatura e ficção científica. Quase todas as obras posteriores envolvendo a vida artificial trabalham com esse paradoxo, nem que seja para subvertê-lo.
Menos conhecida é a sua Lei Zero; na qual o autor faz justamente uma contradição das demais. Em outros textos Asimov já havia dado algumas pistas dessa condição; em especial em “Conflito Evitável“, último conto de Eu, Robô. No qual supercomputadores induzem os humanos a erros administrativos como forma de manter a civilização estável. A Lei Zero prevê que um robô não deve prejudicar ou ferir não a seres humanos, e sim à humanidade.
Essa lei permitiria que os robôs tomassem algumas ações que causassem sofrimento ou dor aos humanos, desde que fossem justificadas pelo bem da raça humana. Dentro do universo de Asimov, o único personagem capaz de utilizá-la é Daneel; ficando tudo bem delimitado. Entretanto, ao mesmo tempo, é um conceito demasiado aberto. Isto pois a humanidade, e seu bem, são conceitos extremamente abstratos e passíveis de uma série de manipulações. O ferimento a humanidade refere-se a termos numéricos brutos de quantos serão mortos ou sofrerão? Seu “bem”, como é o caso neste livro, refere-se o seu desenvolvimento civilizacional? Aos indicadores socioeconômicos? À felicidade das pessoas? Todos os regimes e políticas da História são baseadas em um desejo do “bem” da humanidade ou de um grupo. Definitivamente, essa não é das ideias mais bem acabadas de Asimov.
Capas: Quando da publicação dos três primeiros volumes da série Robôs pela Aleph, no início dos anos 2010, a editora optou por um estilo muito elegante de capas minimalistas em preto com os dizeres em letras brilhantes (as que eu tenho e utilizei nas fotos). Entretanto, Robôs e Império não foi trazida para cá, sendo apenas editada já nesta década; quando a Aleph implementou um novo estilo de capas, com ilustrações do artista britânico Stephen Youll, renomado desenhista ligado à ficção científica e fantasia.

Eu particularmente não gostei dessas novas capas por uma série de razões, pelo estilo mais vintage, atompunk, e, especialmente por acabar dando contornos oficiais aos personagens – no caso da capa deste livro, temos um aperto de mãos entre Daneel e Giskard. Felizmente, a Aleph pensou nos fãs antigos, que haviam comprado quando dos lançamentos na década passada e fez um lançamento com uma capa igual as demais.
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