Pedra no Céu – Isaac Asimov
Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph
Ano de Lançamento: 1950 – Minha Edição: 2016 – 310 páginas
Na ficção científica futurista, normalmente encontramos duas projeções para o nosso planeta; ou a Terra é o centro de uma grande civilização humana, ou ela foi devastada (destruída ou não). Raras são as obras que simplesmente deslocam a atenção da humanidade para outro lugar, e nosso lar deixou de ter importância. A pedra no céu do título desde livro é, exatamente, o terceiro mundo do sistema solar; perdida no meio de uma gigantesca civilização que se estende por milhares de sistemas estelares.
Essa é a premissa do livro – o título é uma tradução boa do original em inglês; Pebble in the Sky – e a inclusive há uma citação específica sobre isso no corpo do texto. Entretanto, não é exatamente essa a real condição do planeta no livro: a Terra tem uma importância central na humanidade, mas totalmente inversa, sendo odiada por todos os demais entes do Império Galáctico e conhecida como o pior lugar da civilização. Um local destruído pela alta radiação e habitado por bárbaros, distribuídos em vilarejos, sinônimo de selvageria e insulto.
Em um futuro muito distante, acompanhamos como uma família de agricultores está tentando fazer com que seu patriarca seja passado desapercebido pelas autoridades. Ele está com restrição de mobilidade e pelas leis dessa Terra desolada deve praticar um suicídio voluntário – necessário para manter a população total pequena, estável e economicamente ativa, diante da dificuldade de produção de alimentos. Para ajudar nesse esquema, o genro do idoso encontra um homem perdido, sem identidade e sequer capaz de falar qualquer palavra compreensível; com essa mão de obra a mais, poderia fingir que o sogro ainda era um trabalhador pleno em números brutos.
Por sua vez, esse indigente, na verdade, é um viajante no tempo do século XX, que acidentalmente foi transportado, ao tropeçar na rua em Chicago ao mesmo tempo que uma experiência era feita num laboratório próximo, para milhares de anos no futuro. Ao mesmo tempo; um jovem e ambicioso arqueólogo, do rico planeta Sirius, deseja fortalecer a tese – repudiada pela academia – de que a Terra teria sido o local de origem de toda a humanidade, e viaja para o planeta. Algo considerado extremamente repulsivo; além de ser considerado o pior lugar da Galáxia, o planeta se rebelou pelo menos três vezes contra o Império.
São várias estórias paralelas, mas todas são suficientemente bem conectadas; não temos a sensação de ficar perdido entre uma coisa e outra – há ainda adição de novas tramas políticas, mas a transição é sempre suave. Há intrigas palacianas entre as autoridades imperiais que representam o poder central e os governantes autóctones da Terra, adicionadas paulatinamente, com personagens apresentados gradativamente mas que, quando nos damos conta, são o principal motor da estória.
Tudo é didático e muito bem introduzido. O que não quer dizer que sejam todas as tramas igualmente ricas ou relevantes; a família que encontra o viajante no tempo é totalmente dispensável (e fica ausente por quase todo o livro) e, justamente, essa origem do “protagonista” faz pouca diferença para as ações do livro. Ele é a prova viva da tese do arqueólogo, e o final dá a entender que ele seria usado para esse fim na comunidade científica. Entretanto, para a aventura específica de Pedra no Céu; poderia ser qualquer outra pessoa, desde que fosse submetida à cirurgia – outra trama adicionada posteriormente, aliás – e, o principal, nós sabemos que a teoria é verdadeira independente de sua presença.
É o primeiro livro publicado por Asimov, ainda que alguns contos que posteriormente foram transformados em Fundação foram escritos ao longo da década de 40, este foi o primeiro trabalho com o formato de livro do soviético e podemos perceber. Em um bom sentido; muitas ideias diferentes perpassam todo o enredo, algumas desnecessárias, mas demonstra como a cabeça de Asimov estava a pleno vapor, fervilhando de ideias e, ao mesmo tempo, demonstrando todo o seu talento; ao conseguir que todas as tramas conversem e construam uma boa aventura.
Bom (3,5/5)
com a mente fervilhando de ideias, asimov coloca uma série tramas e premissas diferentes – nem todas necessárias ou importantes – numa aventura que funciona bem para entreter e engajar ao leitor.
Retcon – Quando, nos anos 1980, Issac Asimov decidiu unificar suas principais obras em um único cânon, conectando as séries Robôs, Império e Fundação, uma das principais complicações seria explicar a transformação da Terra nesse deserto nuclear. Neste livro não está explícito, mas, concebido na década de 1940, o texto imagina um planeta devastado por armas atômicas.
O autor até colocou no livro um post scriptum, a partir de 1983, e presente nesta edição, desculpando-se sobre esse cenário todo; explicando que época não eram exatamente conhecidos os efeitos da radiação sobre à vida e acabou ficando inconcebível que a humanidade sobrevivesse dessa forma a um holocausto nuclear. Não a toa, duas de suas principais empreitadas da unificação de seu universo mitológico foram os novos volumes da série robôs.
Neles, Asimov cria uma explicação bem criativa para não cair no lugar-comum do holocausto nuclear. Com o final de Robôs e Império, ele desenha um novo caminho para chegarmos a essa Terra existindo como um local parcialmente devastado por radiação.
Revolta dos Zelotes: A analogia original da obra era com os Zelotes; um grupo político formado por judeus, de meados do século I, que se opunha ao domínio romano sobre a Judeia; e muitas vezes por métodos violentos, praticando atos de agressão sobre autoridades e populações de origens romana e gregas. Existia um grupo ainda mais radical, chamado de Sicarii, que praticava também atos contra populações de judeus considerados colaboracionistas.

O escalonamento das atividades deles levou a uma intensa guerra entre os hebreus e o Império durante 8 anos, buscando o fim do domínio romano, ocasionando a destruição do templo de Jerusalém. Apesar da reivindicação legítima, “zelote” ao longo dos séculos acabou tendo um significado pejorativo devido à narrativa predominantemente romana dos eventos – atualmente com conotação de alguém que “finge ter zelo” de algo em português brasileiro. Originalmente, eventos da revolta, como o cerco de Masada, foram revividos pelos israelenses como parte do mito de fundação do Estado de Israel; mas ao longo do tempo, eles procuraram se distanciar daquele grupo que buscava a independência da região da Palestina. Por que será?
Na obra de Asimov, a alegoria acabou sendo bastante interessante – embora corrobore a versão de que o movimento era composto por fanáticos e irracionais – porque justamente conectou-se muito bem com a série Fundação, inspirada na queda do Império Romano.
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3 comentários em “Pedra no Céu”