Apesar de ser uma das séries literárias mais consagradas da ficção científica, e até de emplacar em outras mídias, como vídeo games, Duna não conseguiu conquistar um público mais popular. A adaptação cinematográfica de 1984 tem seus fãs, com boas e ousadas ideias e visuais para a época, mas ficou longe de ser um sucesso. Uma minissérie, mais modesta, do canal Syfy fora ao ar no início dos anos 2000 e foi bem recebida pelos fãs, mas, naturalmente, não conseguiu de furar a bolha ao ser exibida na TV a Cabo estadunidense.
A cena mudou quando o badalado diretor canadense Denis Villeneuve entrou no barco; ele produziu e dirigiu Duna e Duna: Parte 2 em 2021 e 2024, que foram sucessos de crítica e público. A explosão de popularidade levou a produção, quem diria, de uma série em spin-off, contando a estória da fundação da irmandade Bene-Gesserit, milhares de anos antes do enredo dos filmes.
O resultado foi muito bom. A série mantém a mesma identidade visual dos filmes ao mesmo tempo que consegue bastante liberdade ao contar uma estória original – mas baseada em contexto de alguns livros escritos por Brian Herbert, filho do autor original. Com poucos mas longos episódios, consegue nos cativar com protagonistas intensos e um belo worldbuilding – mas escorrega em alguns momentos por ser uma obra um pouco pretensiosa.
Agradou: visuais, versões jovens e ritmo.
A série é muito fiel ao visual estabelecido pelos filmes atuais de Duna; ao ver qualquer cena mais importante o expectador sabe que estamos dentro daquele universo. Acho que o principal é opulência oca dos ambiente; cenários grandiosos, áridos e vazios – mesmo em planetas, como a capital, muito bem hidratados. É, de longe, o melhor aspecto – e que, aliado com os filmes, acabaram por certa medida monopolizar essa estética da grandiosidade vazia. Quando a desastrosa adaptação de Fundação tenta utilizar isso, parece uma cópia sem identidade; algo que fica nítido aqui, ao vermos um seriado usar isso de forma legítima.

Duna, a Profecia consegue manter um ritmo muito sempre muito bom e regular. Há uma pequena quebra em um capítulo quase totalmente dedicado a um longo flashback, mas de resto são todos episódios longos mas com uma boa estrutura; sempre conseguindo passar muito enredo e informações. Acabei dando uma pausa maior entre assistir um capítulo e outro e havia me impressionado que estava ainda no terceiro episódio.
Apesar do capítulo de flashback ser o mais fraco da temporada, as versões jovens das atrizes são ótimas. Todas parecem serem exatamente a mesma pessoa – as coadjuvantes nem tanto – e tem uma energia condizente com suas encarnações mais velhas. Nos visuais, a passagem do tempo também é muito competente, a sede da irmandade é o mesmo local mas nitidamente com objetivos diferentes. A qualidade técnica, aliás, é impecável.
Não agradou: pretensiosidade.
Não é a primeira vez que falei ou vou falar neste texto, mas Duna: a Profecia se acha muito mais inteligente do que realmente é. Não me entendam mal, há grandes momentos, e, como universo ficcional, Duna é um dos mais complexos e profundos. Entretanto, nesta série em especial, temos uma premissa muito pretenciosa e que ficaria difícil se mostrar a altura; em algumas décadas uma irmandade, da qual não fica exatamente claro – nesta obra – de onde vem a legitimidade, consegue dominar todas a galáxia através de algumas poucas pessoas posicionadas estrategicamente.

Para contar essa estória seria necessária muita sutileza, o que o seriado não tem. As cenas nas quais irmãs ficam conversando em linguagem de sinais em ambientes abertos e com outras pessoas são quase uma comédia involuntária. Não necessariamente daria para entender o que elas dizem, mas ninguém pescar que elas estão se comunicando é inacreditável. Mas o ponto alto desse absurdo acaba sendo no arco no qual um grupo de nobres quer manipular uma questão no parlamento; são aconselhados por suas veravidentes separadamente, mas todos chegam na mesma conclusão do que e com quem fazer sem suspeitar de nada. É preciso muita boa vontade nossa em aceitar e muita pretensão do seriado em supor isso.
Esse mesmo cenário se manifesta em alguns momentos cruciais ao manifestar um dos clichês mais velhos e irritantes: diálogos lacunares. Os personagens deliberadamente deixam de falar informações cruciais para criar suspense – e parecer que todo os demais (exceto nós) são extremamente inteligentes de poderem conversar dizendo o que queriam sem nem precisar falar. Irrita mais que prejudica, mas é um recurso surrado que começa a pesar a mão ao final da temporada.
Episódios
S01E01: The Hidden Hand – Cerca de 10 mil anos antes dos eventos iniciados pelos livros de Duna, acompanhamos a estória da fundação e do desenvolvimento da irmandade Bene Gesserit; um prólogo nos situa sobre a guerra contra as máquinas pensantes e uma disputa, um século depois, sobre a sucessão da irmandade, entre Valya Harkonnen e Dortea, neta de Raquella, a grande idealizadora da instituição. Novamente damos um salto temporal, e Valya lidera as irmãs com um objetivo muito específico; infiltrar-se nas principais casas reais e controlar, especialmente, seus casamentos e reproduções em busca de um líder perfeito para o Império.
Meus conhecimentos de Duna são básicos; li os três livros originais e vi os filmes, mas consegui acompanhar bem. Pode ser que perdi algumas referências, todavia é possível digerir bem todas as informações e contextualizações deste episódios – que não são poucas. Mas o episódio não fica apenas na introdução; a trama já começa a andar com várias peças já se movimentando, personagens importantes agindo, mortes e reviravoltas.
O comecinho acaba empolgando menos, não pelo, necessário worldbuilding, e sim por uma narração muitas vezes dispensáveis em repetir ou descrever coisas óbvias que vemos na exibição. Mas, após o avanço no tempo, engrena melhor – e é um avanço bastante significativo. A sede da irmandade tem uma cara totalmente diferente mesmo mudando muito pouco; especialmente na postura das irmãs, menos freiras e mais femme-fatales.

Mas o principal acaba sendo sempre o ambiente palaciano – que parece que será uma constante da temporada – onde as tramas se desenrolam com mais vigor. Apesar de precisar muito da nossa boa vontade em acreditar que ninguém perceberia as irmãs falando em linguagem de sinais; e de contar com clichês muito surrados, que nos fazem revirar os olhos, como os príncipes que gostam de vida noturna e a princesa que se apaixona pelo seu guarda-costas; ficamos interessados por todos os personagens e pelos próximos passos da estória.
Muito Bom (4,5/5)
S01E02: Two Wolves – Após as duas aterrorizantes mortes por “combustão instantânea”, os planos de todas as partes interessadas no casamento real entram em colapso e os personagens precisam recalcular a rota. A própria líder da irmandade, Valya, decide ir até a corte e garantir que seus interesses – e suspostamente os da sua instituição e do Império – sejam garantidos. Ao mesmo tempo, o misterioso sobrevivente de Arakis, Desmond, trabalha pelo exatamente oposto.

Algo muito impressionante nestes dois primeiros capítulos é a densidade de ambos, acontece muita coisa nos dois. Quando fui assistir ao próximo me surpreendi que ainda seria o terceiro, tamanhos eventos que se passaram desde o começo da série. O que é muito bom, tendo em vista que serão apenas 6 episódios, entretanto aqui acredito que pesou um pouco a mão quantidade de mudanças e reviravoltas; especialmente envolvendo Desmond e sua relação com o imperador. Não temos um “vai-e-vem” de enrolação, mas uma real disputa de poder e lealdade; o problema é que tudo é muito rápido e intenso na mesma medida.
Isso porque ainda temos a trama paralela correndo no “convento”, que usa de temática similar; intrigas palacianas, espionagens, agentes duplos… não me entendam mal, as coisas são didáticas e não se atropelam, mas a “digestão” fica um pouco difícil – há um rolo compressor de eventos narrativos. O que até banaliza a sequência de revelações – quando um determinado personagem se apresenta, com naturalidade, como traidor, eu não acreditei de imediato, por exemplo.
Ainda assim, a coisa é muito boa. A série começa com um muito fôlego.
Muito Bom (4,5/5)
S01E03: Sisterhood above all – Quase que totalmente composto por flashbacks, aqui vamos acompanhar a juventude das protagonistas, as irmãs Valya e Tula Harkonen, enquanto ambas ainda viviam em conjunto com sua família em um remoto e pobre planeta glacial, como negociantes de produtos derivados de “baleias”. Ainda sofrendo as consequências da reputação ferida da sua casa após a guerra, Valya está inconformada como os demais familiares aceitam esse triste destino, especialmente após a morte seu irmão Griffin, supostamente assassinado por um Atreides.

Depois de episódios muito intensos e densos, repletos de informações e reviravoltas, aqui temos uma calmaria. Algo que seria bem vindo, se fosse mais interessante. Achava que a introdução das personagens principais já estava mais ou bem consolidada; não me pareceu, pelo menos até o momento, que fosse necessária a introdução desses novos elementos – não, pelo menos, com tantos os detalhes. A novidade é o arco de Tula; ela é retratada como a boazinha da dupla, parecendo sempre estar a reboque da irmã, mas aqui vemos que não é bem assim.
Há alguns pontos interessantes, como saber que Valya passou pela Agonia e como a madre Raquella já tinha uma noção dos poderes da protagonista – e, de fato, havia sido escolhida como sua sucessora. Entretanto, o resultado final é um capítulo muito longo, parado (ainda mais se comparado com os adjacentes), escuro e com pouca coisa nova a oferecer.
Mediano (2,5/5)
S01E04: Twice Born – Voltamos ao presente, e Valya realiza uma reaproximação com a própria família, tornando-se a Veravidente da casa Harkonnen. Tudo faz parte de uma complexa trama para reaver seu local de prestígio na corte; aproveitando-se da reunião do Landsraad, o parlamento galáctico. Enquanto isso, no convento, Tula tem em mãos uma crise quando todas as noviças começam a sofrer com o mesmo pesadelo.
As intrigas palacianas retornam a pleno vapor; todos querem estar ao lado do Imperador – não necessariamente para ajudá-lo. A figura de Javicco é uma das mais interessantes do seriado; genuinamente não é um tirano, mas gostaria de sê-lo e por isso não sabe exatamente a quem ter ao seu lado; e todos querem se aproveitar disso. É a sua postura hesitante que acaba fazendo a estória girar, no limite.

Novamente, algo que incomoda é como há uma verdadeira conspiração da burrice em torno da presença das irmãs nas diversas cortes. É tão óbvio que elas agem de forma coordenada, que está exigindo mais que boa vontade do espectador para aceitar que ninguém percebeu a entrada dos Harkonnen no parlamento é algo com motivos escusos. Sem contar com o fato da própria Valya, a mais poderosa do pedaço, se apresentando como a acompanhante do jovem nobre de sua família; os nobres não desconfiam que os conselhos delas sempre convergem nas mesmas ações?
Além disso, temos alguns pontos que deixaram o capítulo meio manco; alguns diálogos mal escritos, como entre Keiran Atreides e a Princesa Ynez sobre o que fazer; e as duas sequências finais, também mal escritas e mal dirigidas, sobre sonhos e ilusões, que beiram o incompreensível com Tula e Valya. Felizmente, toda a cena com reviravoltas e revelações no parlamento funcionam como um ótimo clímax antes desse fim em baixo tom.
Bom (3,5/5)
S01E05: In Blood, Truth – Após a execução pública de todos os envolvidos na tentativa de atentado ao parlamento; o Imperador Javicco goza de poder e autoridade… ao menos na aparência. Ele nomeia o misterioso Desmond como líder de um regimento de elite que sai em busca de qualquer um que tenha ligações com os conspiradores. Enquanto isso, na sede da irmandade, Tula tenta lidar com a irmã Lila “renascida”.
O principal motor para fazer a roda girar é a Irmã Lila, que aparece agora como uma personagem bastante importante – e gostei muito dessa surpresa, são momentos engraçados ver a pequena noviça agindo com tanta segurança e experiência. Na capital, o principal atrativo, além de presença de Francesca, seria o jogo de gato-e-rato até o último conspirador ser preso; mas achei uma oportunidade perdida.
Apesar de boas coreografadas sequências de lutas; temos cenas e diálogos fracos nos momentos mais “cerebrais” da questão, a tensão que poderia ser criada a partir dessa perseguição é desperdiçada. Desmond gritando o nome de Keiran, e depois oportunamente esquecendo a peça que revela tudo no armário aberto, e a discussão boba dele com o príncipe… uma porção de clichês. Ao mesmo tempo, outras conversas se acham inteligentes demais com os personagens não falando exatamente o que querem dizer; mas que na prática são apenas diálogos deliberadamente lacunares.

Encaminhando-se para o final dessa temporada; o episódio consegue, ao mesmo tempo, introduzir novos elementos e começar a fornecer respostas para os mistérios. Neste caso, a introdução de Francesca (uma das mais importantes peças da irmandade, e mãe de Constantine) ao mesmo tempo que começa a explicar quem é Desmond – e é a imprevisível reviravolta final! Particularmente não comprei muito bem a estória teria como tem um vírus envolvido, mas houve muitos passos importantes.
Bom (3/5)
S01E06: The High-Handed Enemy – Todos serão confrontados no último episódio da temporada. Enquanto vimos mais do passado de Tula e Valya, e sabemos mais sobre os frutos de seu romance com um Artreides; no presente, a irmandade tentará sua cartada final para recuperar sua influência junto à corte, uma vez que a rainha se aliou ao misterioso Desmond e o imperador está totalmente acuado.
Um longo e intenso capítulo final, com uma série de boas reviravoltas. Acontece tanta coisa que é até difícil escrever a resenha. Em um primeiro momento, fica clara a competência da escrita no seriado em posicionar todo mundo para estes últimos momentos; nenhuma das trajetórias parece ficar mal explicada. E, especialmente, agora que não há necessidade de ficar guardando mistérios: os personagens falam o que precisa ser dito – algo que não vinha acontecendo ultimamente.

Nesse sentido, as reviravoltas são todas críveis, especialmente porque os planos dos protagonistas não saem bem como eles querem, mas as explicações nem tanto. O básico dos poderes de Desmond eu até entendi, mas achei muito estravagante – da mesma forma, nunca fica claro a fonte de poder e legitimidade das irmãs, se há algo sobrenatural, de fé, ou apenas “técnica”, no sentido de mágica, delas; algo importante para entender a relação entre o tal sonho compartilhado e os responsáveis pela abdução do vilão.
O que rouba a cena, novamente, e pedindo desculpas por spoilers, é como os planos das protagonistas quase que naufragam totalmente. Claro que elas precisam sobreviver para as próximas temporadas, mas não esperava realmente que tudo desse tão errado – mesmo porque, bem no estilo das produções da HBO, elas estão longe de serem mocinhas da estória. Essa combinação que cria um fôlego invejável para uma eventual segunda temporada ao aliar, na medida certa, resoluções e respostas a novos mistérios e problemas.
Excelente (5/5)
Melhor Episódio
The High-Handed Enemy – Um final repleto de reviravoltas e revelações que se mantém todas coerentes é algo sempre elogiável. Com a duração de um filme, este último episódio consegue manter o fôlego do começo ao fim – exceto no momento precisa deixar ganchos para a próxima temporada, quando assume tom de epílogo, mas algo do qual não tem muito como escapar. E isso tudo com o charme de ver os protagonistas falhando.

Pior Episódio
Sisterhood above all – É o episódio que mais quebra o bom ritmo da série ao se dedicar quase que exclusivamente a um flashback, que, por sua vez, também é muito parado. Seria mais interessante ter diluído um pouco mais essas informações aqui ao longo de outros capítulos – e, naquele momento, não acho que ofereceu grandes informações para nós. Há uma informação chave, como veremos ao final da temporada, mas algumas coisas, tal como Valya passar pelo ritual, foi puramente “cosmético”.
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