As Correntes do Espaço

As Correntes do Espaço – Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph

Ano de Lançamento: 1952 – Minha Edição: 2022 – 297 páginas


Isaac Asimov estava doido por escrever ficção científica com base em analogias históricas no início da sua carreira – talvez explique por que gosto tanto dele. Com a trilogia da Fundação, a alegoria era sobre a queda do Império Romano; em Pedra no Céu, com a rebelião dos zelotes; em Poeira de Estrelas, relativo a invasão mongol da Europa; já por aqui, talvez a mais aguda delas, com a estória de Florina, um planeta duramente explorado pelo vizinho Sark. Ambos habitados por humanos, tais como nós, oriundos da Terra.

Um espaçoanalista – algo próximo de um astrônomo – está desaparecido. Isso imediatamente depois de ele ter avisado as autoridades locais de que Florina estava em uma ameaça iminente de total destruição, sem conseguir explicar exatamente sua natureza. Este planeta é o único local no universo conhecido em que a misteriosa substância chamada kyrt pode ser extraída. Trata-se de uma espécie de celulose, sendo usada para uma série de variedades, mas especialmente roupas, e se tornou uma das mercadorias mais valiosas da galáxia e rendem uma fortuna aos sarkitas.

Característicos por sua pele mais escura, eles são habitantes de Sark, o planeta mais próximo e que, após algumas tentativas frustradas de criar grandes Impérios, conseguiu apenas estabelecer um domínio com mão de ferro sobre Florina, centrado na comercialização do tal Kirt. Em Florina, por sua vez, temos uma população com uma pele pálida e cabelos loiros. Sua vida é restringida exclusivamente ao trabalho e a uma educação muito rudimentar, suficiente apenas para assinar o próprio nome e trabalhar na extração da substância valiosa.

As alegorias históricas são bastante claras; temos uma situação invertida do sul dos Estados Unidos no cultivo do algodão. Um material análogo para confecção de roupas luxuosas que é extraído pela população de pele diferente uma da outra – alguns elementos bem específicos do racismo estadunidense estão presentes, como a questão dos tipos de cabelo, por exemplo. Apesar de serem apenas espécies humanas em planetas diferentes, para os sarkitas os habitantes de Florina são sub-humanos, burros, indolentes, selvagens…

As situações que Asimov vai criando para demonstrar este profundo racismo são cada vez mais ultrajantes; cenas que parecem ter sido retiradas diretamente filmes sobre o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. Por exemplo, os homens sequer podem olhar para uma mulher de Sark, muito menos dirigi-las a palavra; ou o médico sarkita que atende pessoas de Florina é tido por seus colegas como alguém em busca do exótico. O que torna muito interessante é que a obra, publicada em 1952, era exatamente contemporânea a esse tipo de conduta no país no qual Asimov residia. Não é apenas uma alegoria histórica, mas também uma denúncia ao que ele mesmo estava assistindo.

O enredo de Correntes do Espaço movimenta-se quando alguém que poderia ser o espaçoanalista perdido é “adotado” por uma mulher de Florina, Valona, após ter sido encontrado com amnésia. Com o passar dos meses, ele vai recuperando algumas memórias e tenta descobrir mais sobre quem era e o que fazia; nessa empreitada ele acaba sendo ajudado por Terens, o citadino de sua comunidade – uma espécie de governante colonial recrutado da própria população nativa (outra excelente referência histórica de Asimov).

Enquanto tudo isso acontece, outras autoridades buscam o destino do astrônomo perdido; em especial o embaixador de Trantor – a capital do futuro Império Galáctico da série Fundação – que tem sério interesse em quebrar o monopólio de kirt e romper, ainda que não com as mais nobres das intenções, o domínio sobre Florina. Os governantes de Sark, um grupo de soberbos aristocratas que têm autoridade absoluta sobre seus reinos, sequer compreendem exatamente a situação e são personagens particularmente repugnantes; mas suas participações, concentradas em conferências entre eles, são momentos dos mais interessantes do texto.

A estória começa de forma relativamente despropositada, com os personagens agindo isoladamente, e fica difícil enxergar onde poderiam se conectar. Confesso que eu estava até com uma grande impaciência, diante nível baixo dos volumes anteriores da coleção Império, para com esse começo aparentemente desorientado. Mas, rapidamente, os eventos começam a andar e todos os núcleos acabam se conectando. O ritmo dos eventos tem um belo crescendo e uma reviravolta final que faz jus ao mistério a tudo que se passara antes; aqui já lembra a forma que vemos do autor em Cavernas de Aço, que seria publicado no seguinte. Definitivamente, este é o melhor livro desta série de Asimov.

Bom (3,5/5)

Depois de um começo aparentemente despropositado, a obra engrena bem e já lembra asimov em seu auge. Mas o interessante é o contexto da obra, fazendo alegorias históricas que funcionavam como denúncia contemporânea à segregação racial nos estados unidos.

Gravitomagnetismo – o que Isaac Asimov chama de correntes do Espaço neste romance é o estudo da relação entre, como o próprio nome entrega, equações da gravidade dos corpos celestes e seu eletromagnetismo. No caso, especificamente sobre a energia cinética liberada durante as movimentações gravitacionais dos planetas e estrelas – ou algo assim, realmente fiquei bastante confuso ao pesquisar.

A questão é que, conforme o autor mesmo se explica e se desculpa no posfácio da edição de 1983 – quando ele unificou todas as obras no cânone da Fundação – esse fenômeno, em pouco tempo depois da escrita deste livro, provou-se não ter absolutamente nada a ver com o que ele imaginava na época. E, não só isso, o conceito científico central da obra e elemento chave do enredo, que explicaria a destruição de Florina, simplesmente tornou-se totalmente falso. De forma irônica, ele comenta que a explicação que ele pensava para determinado evento espacial era tão boa, que ela deveria ser a verdade.

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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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