R.U.R.

R.U.R. (Os Robôs universais de Rossum) – Karel Capek

Tradução: Erick Fishuk – Editora: Aleph

Ano da Lançamento: 1920 – Minha Edição: 2024 – 253 páginas


A origem das palavras é o campo de estudo da etimologia, normalmente traçando suas raízes em idiomas como grego e latim, no caso do português, por exemplo. Recentemente, com o advento da tecnologias de mídia e informática, as palavras de origem inglesa fazem parte do nosso vocabulário – e por sua vez de seus ancestrais nas línguas germânicas e nórdicas. Uma dessas palavras seria “robô“, associado à trabalhadores mecânicos ou processos automatizados. O curioso é que, na realidade, sua origem é tcheca e remete a este livro.

R.U.R., na realidade, é uma peça teatral. Ela conta a estória da fábrica de mesmo nome, construída em uma grande ilha, sem local identificado, e que tem a fórmula mágica para criar vida artificial. A partir desse trunfo industrial, ela passa a fornecer a países do mundo todo os “robôs”. Com aparência e textura de humanos, feitos de matéria orgânica, mas “sem alma”, uma vez que são apenas corpos criados em linha de montagem. Todavia, na prática, se tornaram nada diferente do que escravos dos humanos. A palavra vem de radical eslavo, e em tcheco, robota é associado a trabalhos forçados.

O enredo começa quando o conselho administrativo da fábrica recebe a visita de Helena, filha de um outro grande industrial, com o objetivo de conhecê-la e propor uma parceria. Não dura muito e ela se revela como uma representante de uma liga organizada para libertar os robôs de sua escravidão e eleva-los aos mesmos direitos que os humanos. Apesar de suas intenções, rapidamente ela é demovida dessa ideia e é forçada a permanecer na ilha para casar com um dos diretores; e o número de novos seres robóticos continuará em crescimento apesar da tragédia anunciada.

A obra, na realidade, te causará muito estranhamento. Começando pelo próprio formato de peça teatral, mas, especialmente, porque aqui os robôs não são seres mecânicos, e sim orgânicos. O autor não entra muito em detalhe no seu funcionamento – e nem mesmo na sua origem – apenas descreve que Rossun, o irmão do dono original da fábrica, teria descoberto a fórmula para construir corpos humanos; e o outro teve a ideia de construir esses trabalhadores artificias; e a coisa pára por ai. As tradicionais questões, por exemplo, referente à programação e aprimoramento tecnológico dos androides sequer foram concebidas por Capek.

É tudo muito antiquado. A personagem principal, Helena, é uma donzela indefesa que simplesmente aceita ser sequestrada e se casar a força com um homem que ela acabara de conhecer. A própria distribuição dos personagens é bizarra, todos os demais são homens e apaixonados pela protagonista pelo simples fato de não verem muitas mulheres. Sei que parece injusta a crítica a uma obra de mais de cem anos, mas algumas coisas tem mais cara de século XIX que século XX. Diferentemente de Estrela Vermelha, por exemplo, de 1905 mas que poderia se passar por algo dos anos 60; RUR é de 1920 mas poderia ser de 1860.

Encenação da peça em 1928, provavelmente na Inglaterra.

O desenvolvimento da estória é tão antiquado quanto. Mesmo nos lembrando que se trata de uma peça de teatro, o avançar da enredo é muito monótono. Os atos são separados por intervalos de tempo, e se resumem a Helena e os demais personagens sendo informados por eventos do “mundo lá fora”; e suas ações são motivadas por desejos simplórios, alguém tem ciúmes e outro tem uma paixonite, por exemplo. Apenas o último ato que realmente se destaca; não por acaso, é no qual os robôs têm mais espaço no texto.

A peça tornou-se uma das produções mais influentes do gênero e inspirou incontáveis outras obras no seu período. Não só na criação da ideia do robô ou da vida artificial, algo que já existia antes, mas, especialmente sobre eles e a relação com o trabalho. Os robôs se transformaram em nossos escravos. Mas, nesse cenário, humanidade seria libertada do trabalho ou perderia o direito ao trabalho? Em RUR, por exemplo, as taxas de natalidade passaram a cair com a universalização do acesso aos robôs; Capec não entra em detalhes, mas uma interpretação é que nos tornaríamos menos humanos ao depender deles. O foco permanece na reação dos autómatos sobre sua condição, mas ainda assim, sua reação é pouco aprofundada – já que perdemos muito tempo com Helena e os diretores da fábrica, personagens rasos.

Não houve muitas adaptações da peça para fora dos teatros, e a maioria das referências posteriores são apenas referências – normalmente com inscrições de RUR em robôs ou o nome Rossum distribuído em episódios e filmes desse tema. A premissa foi um lance genial e que marcou decisivamente a Ficção Científica, mas o texto desenvolve muito pouco suas possibilidades; baseado unicamente em diálogos, todos são pouco inspirados e repletos de coisas banais – como a serviçal burra e supersticiosa da Helena, por exemplo.

Uma grande ironia é que o autor ficou descontente com o legado da obra – entendida com um tom pessimista, crítico ao capitalismo, niilista, e um exemplar o mundo desencantado saindo da I Guerra Mundial. Ele gostaria que fosse entendida como um tom cômico ou mesmo esperançosa da humanidade sobrevivendo de diferentes formas. Algo que me parece um importante sintoma que não há muito mais que uma grande ideia por aqui; o legado do texto é maior que o próprio texto, que acaba se tornando mais uma curiosidade do que algo interessante de ser revisitado atualmente.

Mediano (2,5/5)

Tornou-se um dos maiores clássicos da ficção científica por apresentar o conceito dos robôs como trabalhadores, mas não sobrevive ao tempo, antiquada demais mesmo levando-se em conta sua idade.

Traduções: a obra se popularizou na Europa logo que foi encenada a primeira vez na Tchecoslováquia, em janeiro de 1921. Entretanto, isso por conta do trabalho de Paul Selver, um prolífico tradutor britânico de tcheco, que inclusive trabalhou para o governo do país após a invasão nazista, quando um gabinete-no-exílio foi estabelecido no Reino Unido. Ele traduziu a peça e vendeu para um teatro londrino no mesmo ano.

A peça passou a ser encenada em 1922, tanto na Inglaterra, como já nos Estados Unidos. Entretanto, a tradução de Selver não foi das mais fiéis. Além de alterar a própria nomenclatura dos atos, omitiu uma série de falas dos personagens, especialmente sobre o final – que envolveria a sexualidade dos robôs. Especula-se que o tradutor decidiu se antecipar à censura britânica e tirou qualquer coisa que pudesse ser considerada “imoral”.

O grande problema é que essa decisão alterou sensivelmente o moral da obra, conforme comentamos acima. Capek tomou conhecimento da censura e enviou cartas para Selver e para companhias de teatro, pouco tempo depois, solicitando que a íntegra da obra fosse restaurada. Entretanto, isso só foi realizado em edições dos anos 80. Até lá, não só o final ficou capenga como, permanecendo nessa zona cinzenta, também foi severamente modificado em suas várias encenações – em 1923 um final contava o nascimento de um bebê-robô nos EUA.

Esta edição da Aleph, além de muito bonita e luxuosa, conta com uma tradução direto do Tcheco; e assim livre dessas diferenças. Mas para um texto tão curto, poderia contar com alguns elementos pré e pós-textuais.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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