Lançado em 2017, Alerta Vermelho, de Martha Wells, foi um fenômeno; arrebatando todos os prêmios de sua categoria – em especial, o Hugo e Nebulla. As vitórias de tão nobres cerimônias foram encaradas com certo ceticismo por parte do público por achar a obra curta e simplória demais; ela conta da estória de um robô de combate que consegue se rebelar do sistema, mas ele, mesmo assim, decide manter sua vida medíocre como segurança.
Mas precisamente nisso está o que conquistou os críticos e o demais leitores; é uma obra muito atual, na minha avaliação, pois pega exatamente as principais frustrações da geração Z com sua vida adulta. Isso colou tão bem que, em pouco tempo a série de livros, que já conta com 7 livros, recebeu sua adaptação televisiva em através do Apple TV, e soube manter a mesma essência dos livros.

Agradou: Qualidade geral, bom ritmo e adições no enredo e temática em relação ao livro
A grande notícia é que a série é muito boa; é bastante ágil, contada através de capítulos curtos (opção que tem seus pontos negativos, conforme falaremos abaixo), e que nunca deixam a peteca cair. Especialmente a sequência final que vai em crescendo e naturalmente te leva ao clímax da série – a vontade de ver os próximos episódios aumenta conforme a estória avança, um grande sintoma de sucesso.
Essa agilidade e duração curta é um dos recursos para conseguir traduzir esse livro, também curto, em uma temporada de 10 episódios. O outro é realizar grandes adições ao seriado, em enredo e temática. Dois novos arcos são incluídos na obra, e os dois funcionam bem – um envolvendo uma sobrevivente da Deltfall, e outro sobre o resgate da “alma” do protagonista – e encorpam bem a estória.

Da mesma forma, houve adições de temática. Eu interpretei o livro como uma alegoria à geração z e ao capitalismo tardio: profissionais desmotivados em um mercado de trabalho cada vez mais deteriorado, trabalhando para grandes conglomerados mesquinhos que buscam apenas cortar mais gastos o possível. Aqui uma importante novidade, bastante excêntrica, adicionar elementos do TEA ao protagonista.
Um robô autista é uma das coisas mais diferentes que poderíamos imaginar na ficção científica, mas aqui está. Nosso robôssasino (muderbot no original) não gosta de olhar diretamente nos olhos dos outros, não busca o contato social, e precisa ter comportamentos de fuga para regular suas emoções – “verificar o perímetro”. Há algumas caricaturas, mas ainda assim é algo inclusivo e que está em pauta nas discussões sobre comportamento, sem desrespeito.
- Uma obra observação digna de parabéns ao seriado é saber dosar a narração irônica do protagonista. Quando comecei a assistir fiquei com muito medo de termos uma versão de Deadpoll robótico, com aquele odioso humor marvel. Mas o roteiro soube trabalhar bem: gradualmente ele vai se soltando mais em seus comentários, e nem todos são só tiradas, o protagonista sofre, tem dúvidas, gosta ou desgosta de algumas coisas; funciona demais no desenvolvimento do personagem.
- Algo que me causou preocupação inicial também foram as encenações de cenas, com o perdão de redundância, retiradas direto de Santuário Lunar. Sempre fica estabelecido que o show é ruim, mas temos uma exagerada que causa um tom caricatural excessivo. Felizmente, a série também soube dosar esse exagero e o uso é pontual – e bem relacionado com as situações que a Uniseg enfrenta no “mundo real”.

Não agradou: duração dos episódios; roupagem hippie dos protagonistas e ganchos parecidos.
Uma das coisas que mais me chamou a atenção no livro foi uma mescla entre um cenário clássico da Ficção Científica, com um grupo de pesquisadores em perigo num local isolado, e uma motivação tão atual para a estória se mover através do Muderbot. Para a adaptação televisiva, houve também uma “atualização” desses cientistas, que foram transformados em um grupo de hippies (como o próprio personagem principal classifica), que formam trisais, tem aparências andrógenas, e se opõe a autoridades de forma genérica.
Ao longo dos episódios vamos vendo que não é bem assim; mas começa um pouco com a aparência de serem um bando de bicho grilo ingênuos e atrapalhados. Depois vemos que eles têm suas habilidades e são inteligentes, mas essa roupagem, feita para criar mais oposição ao rígido Robôssassino, acabou sendo um pouco forçada e transformou-se em uma barreira a ser vencida pelo expectador.

O que temos de realmente problemático, todavia, é a duração dos episódios. Na resenha do livro eu comentei que achava que era pouco conteúdo para uma temporada só baseada no primeiro volume; e de fato era mesmo. Nesse sentido, o recurso da produção foi fazer episódios bem curtos, na média de 22 minutos de duração. Isso tem seus pontos positivos, fica agradável e fácil de se assistir na rotina de adultos, mas os capítulos individualmente acabam tendo pouco conteúdo; tanto que não consegui fazer boas análises para cada um.
Especialmente porque precisando criar mais episódios e manter o momentum, a série acabou apelando para encerrar em todos esses capítulos em ganchos… algo que, além de apelativo, ficou repetitivo. Metade deles termina com o protagonista ferido em sabermos a extensão dos ferimentos – o que sempre será um suspense vazio (ainda mais quando ele tem sua disposição uma unidade de reconstrução); um em especial começa e termina exatamente com esse mesmo gancho no meio da temporada.
- A série perdeu um pouco da crítica ao capitalismo tardio, bastante presente no livro. A “Companhia” ainda é uma empresa fria e mesquinha. Mas não fica tão claro como ela praticamente detém o monopólio de tudo em seu setor e também que ela propositalmente presta serviços ruins. O arco do planador quebrado (e muito da trajetória da Uniseg) é relativo ao fato de serem equipamentos de segunda linha ou recauchutados, porque é assim que a companhia funciona; ela não ganha lucros inovando ou expandido, e sim apenas cortando mais gastos e sendo a pior, dentro do aceitável, aos clientes.
Episódios
- S01E01: Free Commerce – O começo da estória, vemos o aluguel do robô e o ataque da criatura que desencadeia toda as reviravoltas. Consegue introduzir muito bem todo o enredo e personagens. Não gostei muito de já terem incluídos cenas referentes ao trabalho anterior da Uniseg; seria mais interessante continuarmos no âmbito da memória incompleta dele sobre aqueles eventos. Muito Bom (4/5)
- S01E02: Eye Contact – A dra. Mensah vai investigar as áreas não-mapeadas, e decide levar a Unisegjunto, sob protestos do Dr. Gurathin. Essa desconfiança sobre o protagonista do outro humano parece um pouco forçada – a retirada do capacete e o rosto, se me lembro bem, no livro, são coisas previstas nas unidades para eventos como os descritos, onde é necessário acalmar ou criar uma conexão com as pessoas. Ainda, o final é incompreensível e só é explicado, satisfatoriamente, no término da série – e talvez seja o episódio mais curto. Ruim (2/5)
- S01E03: Risk Assessment – Nossos pesquisadores decidem tentar entrar em contato com a outra equipe que também está no planeta para buscar respostas; sem sucesso, decidem ir investigar pessoalmente o segundo acampamento. Mais movimentado, o episódio consegue criar bem o suspense do destino da outra equipe sem cair em clichês, como sonegar informações óbvias ao expectador ou scarejumps. Bom (3/5)
- S01E04: Escape Velocity Protocol – Nosso herói agora precisa enfrentar uma unidade de segurança ainda mais avançada; a responsável pela chacina no local, e que tenta “recrutá-lo”. O episódio é bastante interessante ao dar profundidade a todos os personagens, o protagonista, que toma medidas drásticas, e aos demais cientistas, que cada vez mais assumem um papel ativo na aventura. Muito Bom (4/5)
- S01E05: Rogue War Tracker Infinity – Uma sobrevivente da Deltfall é encontrada e resgatada, e a Uniseg reparada; mas nesse processo, seus colegas (ou clientes) descobrem a real situação dele: uma unidade rebelde. Deveria ser um dos episódios mais importantes do seriado, mas acaba se tornando a principal vítima da opção narrativa. Um episódio super curto, centrado numa única conversa (que é boa), mas que começa e termina exatamente do mesmo jeito, buscando nos enganar com uma possível “morte” do protagonista. Mediano (2,5/5)
- S01E06: Command Feed – Apesar de terem sobrevivido à explosão do sinalizador, Mensah e Robôssassino precisam consertar seu planador. Enquanto isso, no acampamento, Leebeebee começa a se comportar de forma estranha. Temos bons momentos de desenvolvimento dos personagens no planador, e também fiquei feliz com a obviedade da impostora ser logo desmascarada; mais que esse tempo, já seria demérito à inteligência dos personagens. Essa situação rende um final ótimo. Bom (3/5)

- S01E07: Complementary Species – Ao contrário do que esperava, a reação da equipe ao protagonista salvando o dia não foi nada positivo; e cria um grande mal estar em todos os envolvidos – que precisam tomar uma decisão importante para se proteger. Gostei demais do dilema todo envolvendo a ação drástica da Uniseg, assim como a tensão crescente entre todos os personagens principais. Quando começou um determinado momento de “humor” envolvendo criaturas do planeta, achei dispensável, mas ao final tudo se conecta perfeitamente. Muito Bom (4/5)
- S01E08: Foreign Object – Levando o Dr. Gurathin de volta para o acampamento para uma cirurgia de emergência, nossos heróis descobrem que os inimigos – agora conhecidos como GrayCris – já invadiram o local e deixaram uma mensagem. Durante a cirurgia, a Uniseg decide fazer um ato muito altruísta, mas que poderá sair pela culatra. Um grande episódio que formando aquele crescendo do fim da temporada, nos deixa respostas e novo dilemas muito bem balanceados. Muito Bom (4/5)
- S01E09: All Systems Red – O Robôssasino vai enfrentar a equipe do GrayCriss cara-a-cara para tentar achar um jeito de que todos, ou ao menos ele, sobreviva a essa confusão toda. Um episódio ótimo para fazer o clímax do seriado, o confronto final contra os vilões ao mesmo tempo em que o protagonista precisa decidir-se sobre quem é ou quem deseja ser. Por trás dessa ação e dilema, ainda tem as piadas mais engraçadas de toda série. Excelente (5/5)
- S01E10: The Perimeter – Após os eventos no planeta, todos são salvos, e nosso herói consegue acordar, mas tem sua memória apagada logo na sequência; enquanto isso, os cientistas buscam de todas as formas conseguir resgatá-lo. Funciona bem como um epílogo (quase todo o episódio não está no livro), mas ainda cria uma aventura para recuperarmos nosso protagonista – embora talvez algumas coisas forcem um pouco para a operação ter sucesso. O final é bastante comovente e fecha bem o seriado. Muito Bom (4/5)
Pior episódio:
Eye Contact – O episódio mais curto da série, e talvez aquele que mais poderia ser parte dos demais. A coisas até são bem recortadas entre este e os demais, mas o gancho sobre as criaturas locais morrendo é propositalmente lacunar – tanto que é algo que fica mal explicado até o final da temporada – não precisaria ser um gancho, poderia ser só uma observação para incentivar o próximo passo da investigação. Da mesma forma, os personagens não estão bem estabelecidos ainda, e a antipatia de Gurathin pelo protagonista ainda soa forçada.

É curioso como Rogue War Tracker Infinite deveria ser, talvez o central, do seriado, no qual os pesquisadores descobrem que o Robossassino é uma unidade rebelde. Entretanto, pelo formato narrativo da série, parece que nada acontece, isso porque o episódio começa e termina exatamente com o mesmo gancho: o protagonista corre risco de vida após um grande dano.
Melhor Episódio
All Systems Red – Com uma duração maior, é a grande conclusão na aventura e consegue concentrar todos os bons aspectos do seriado. Uma boa dose de ação, reviravoltas, personagens inteligentes e, com o nosso protagonista mais solto, sem precisar fingir que está rebelado, temos as cenas mais engraçadas da série.

A sequência anterior de Complementary Species e Foreign Object são dois outros dois grandes capítulos que criam um crescendo para o clímax do confronto final.
Últimos Posts
Apontamentos sobre a teoria do autoritarismo
Neste livro, originalmente um curso de graduação, Florestan Fernandes demonstra como a democracia burguesa já carrega todos os elementos do autoritarismo.
Condição Artificial
Livre de todas suas amarras, o robôssassino vai atrás de entender seu passado. A novidade agora é sua interação com outros robôs e androides.
Lênin: uma introdução
Faz um esforço enorme de condensar vida e obra de Lênin em um livro de bolso; mas, ainda que seja uma boa introdução, oscila muito entre uma abordagem e outra, entre sua produção textual e eventos que ele participara.