Jornada nas Estrelas: A Nova Geração – 2ª Temporada – O caos aumenta


Jornada nas Estrelas: A Nova Geração


A Nova Geração sobreviveu! Mesmo com o Caos na Ponte, o seriado conseguiu se estabilizar, fazer sucesso e dar origem a mais de um spinoff, filmes, games… começou a era de ouro de Jornada nas Estrelas. O mais surpreendente foi ela ter sobrevivido após esta segunda temporada, que conseguiu ser ainda pior que a anterior.

A crise nos bastidores apenas se acentuou após o encerramento da turbulenta primeira temporada; “saíram com” Gates McFadden após seguidas reclamações da atriz sobre aspectos retrógrados – machistas – que ela notava nos episódios (e até hoje isso é um assunto mal resolvido). Com a saúde de Roddenberry nas últimas, Maurice Hurley se tornou showrunner e liderou a produção com mão de ferro para, supostamente, manter a visão de utopia do criador intacta.

Hurley conseguiu injetar com sucesso algumas sementes de lore, como a introdução dos Borg e criou um interessante conflito dentre os protagonistas, coisa inédita e inadmissível por Roddeberry, entre Data e a nova médica, a doutora Pulaski. Mas, por outro lado, não faltaram desentendimentos entre ele a equipe criativa, algo que refletiu profundamente em um número maior de episódios ruins que bons, muitas vezes resultado ruim de uma interferência de Hurley, que acabou escrever seu nome ao capitanear talvez a pior temporada do Classic Trek.

Por incrível que pareça, aprendi a gostar da doutora Pulaski. O motivo dela ter sido incluída no seriado não foi dos melhores, conforme abaixo, e suas primeiras intervenções são odiosas. Parece que foi feita sob encomenda para azucrinar Data, o nosso “mascote”, o Pinóquio de Jornada nas Estrelas, e sua hostilidade contra o androide é completamente gratuita nos primeiros capítulos da temporada.

Mas olhando em uma perspectiva mais “analítica”, na falta de melhor expressão, e observando a série e Jornada nas Estrelas como um todo, a personagem foi uma boa oxigenação no elenco de TNG. Um foco de conflito que é bastante único neste show, e ao longo dos episódios sua relação com Data vai evoluindo: gradualmente ela respeita cada vez mais o androide – praticamente é a única relação que realmente evolui ao longo de TNG. De resto, há algumas mudanças, mas todos parece que já foram concebidos conforme terminaram – La Forge e Data são amigos, Riker e Dianna como um casal, Picard e Bervery têm um crush

Essa discussão sobre Data proporcionada permitiu alguns alguns capítulos mais dedicados a questões sobre vida, filosofia, existência; que se tornaram mais constantes – em detrimento de episódios com alegorias históricas e sociais, característica da temporada anterior – e já foi possível existir algumas histórias mais memoráveis, como O Valor de um Homem e ouros momentos interessantes para o personagem, como em Correspondentes e Jogos de Guerra.

Ao lado de Q Quem?, alguns destes entraram o rol dos maiores capítulos de Jornada nas Estrelas; e nesse sentido ajudou a série a se firmar, desenvolvendo um lore mais próprio – embora ainda há a sensação de estarmos assistindo a uma nova temporada de TOS, inclusive com o fato da nova médica ser rabugenta como McCoy – ao introduzir os Borg e personagens como Guinan, e mais um uso de Q. Aos trancos e barrancos, TNG foi conquistando seu espaço.

Do ponto de vista de produção, as coisas não mudaram muito da primeira para a segunda temporada. O Caos na Ponte continuava, as diferenças criativas da equipe com Roddenberry ainda eram agudas. O que piorou foi que, desta vez, o vilão se tornou Maurice Hurley: o showrunner e chefão de TNG neste segundo ano (indicado pelo advogado de Roddenberry), ele foi responsável pela saída de Gates McFadden (dra. Crusher) do seriado e gerou toda um nova camada de mal estar dentro da equipe.

Roteiristas pedindo para não serem creditados em episódios ruins, produtores pedindo para sair, alterações de ideias sem consultar os criadores e até mesmo mal estar para forçar o reaparecimento da personagem de Lwaxana Troi e permitir Majel Barret, a esposa do chefe, voltar ao seriado… são alguns dos eventos que ocorreram entre 1988 e 1989.

A “demissão” de McFadden teria sido resultado da insatisfação da atriz com as representações machistas que apareceram em diversos momentos da primeira temporada – e se repetiram aqui. Não sei se é relacionado, mas em contrapartida ao aumento dos episódios mais “filosóficos”, houve uma diminuição dos capítulos com alegorias políticas e históricas – característica marcante da Perestroika que dominou este retorno de TNG. Resultando em um ano muito ensimesmado.

Não a toa, o número de capítulos ruins corresponde a metade da temporada. Se não acertaram a mão no dilema moral, os resultados foram histórias eram totalmente sem pé nem cabeça, baseadas em conceitos “científicos” mal trabalhados e muito confusos, como em Seleção Artificial ou Tempo ao Quadrado – que conseguiram ir ainda mais fundo na péssima qualidade já apresentada antes.

O Som do Silêncio – De propósito, buscando dar destaque a um episódio não tão famoso, decidi por colocar este como o melhor da segunda temporada. Para mim, ficou perdido por anos. Pela sinopse e posição no começo da segunda temporada, nunca escolhi para re-assistir – algo até positivo, devido a grata surpresa que se mostrou. Infelizmente, visualmente ele é muito datado – em especial as maquiagens dos alienígenas, padrão TOS, e pode afastar os expectadores.

Ainda assim é uma história muito inovadora para o período – especialmente em usar um ator surdo como protagonista – e extremamente sensível, além de ousada em algumas reviravoltas, de fato, inesperadas, e um ótimo uso da Conselheira Troi. Fosse um livro de SciFi, seria um dos maiores de todos os tempos.

Além dele, os destaques inevitáveis são para Q Quem, que introduz os Borg em um capítulo excepcional, e O Valor de um Homem, provavelmente o “primeiro grande episódio” de TNG, embora revisitando ele, tenho a impressão de não ser tão excelente quando ficou para a história. Em um degrau abaixo, temos Contágio.

A Espiral da Vida – A decisão entre qual seria o pior episódio ficou entre qual ofende mais pessoas de uma vez; este aqui além de extremamente machista, consegue ser xenófobo e racista. E isso não é jargão de identitários ou SJW, as coisas são complicadas: o capítulo começa com um grupo de pessoas primitivas que são retratados como irlandeses – um grupo de imigrantes muito discriminado no mundo anglófono – e terminamos com a criação de uma “lei” que obrigará as mulheres terem filhos de três homens diferentes. Some-se a isso cenas de personagens matando a si próprio em algo que virou discussão sobre aborto. (??)

O vice-campeão, seguido de perto, é o Homem Esquizoide, no qual um velho babão descobre como transportar sua consciência de forma digital para Data e assim poder ter relações sexuais com a menina que ele criou como filha – mas, em cativeiro, após a morte do pai dela.

E nesta temporada, infelizmente, o que não faltam são péssimos capítulos, normalmente frutos de ideias alteradas depois de sua concepção, restrições orçamentárias e a confusão generalizada que continuava a ocorrer na produção de TNG: Seleção Artificial e Tempo ao Quadrado não têm nem pé nem cabeça, Nuances do Passado é um clipshow sem vergonha, e Temporada de Caça consegue reunir o que a série tem de pior: Lawaxana Troi e Holodeck.

Desta difícil temporada de A Nova Geração, separamos 10 dos 22 episódios que podem ser assistidos para uma experiência mais rápida do segundo ano da séries. Além dos melhores e do pior, importante para compreender o começo tão complicado, há alguns que contribuem para o lore e desenvolvimento dos personagens.

Em Elementar, meu caro Data, temos a aparição do holograma consciente Moriarty, que aparecerá novamente em TNG (e em PIC); em Uma Questão da Honra temos mais uma das primeiras mostras de desenvolvimento dos Klingon; em O Bom Samaritano, há a introdução dos burros Pakleds, que décadas depois se tornariam os principais vilões de Lower Decks; e em Emissária, há a introdução da mãe de Alexander, filho de Worf.

Segue abaixo, a lista da temporada com os episódios essenciais destacados em negrito.

01A CriançaRuim
02Onde mora o silêncioMediano
03Elementar, meu caro DataBom
04O audacioso OkonaBom
05O Som do SilêncioExcelenteMelhores
06O Homem EsquizoideHorrívelPiores
07Seleção ArtificialMuito RuimPiores
08Uma questão de honraBom
09O valor de um homemMuito BomMelhores
10A HerdeiraRuim
11ContágioMuito BomMelhores
12Hotel RoyaleRuim
13Tempo ao quadradoMuito RuimPiores
14O Fator ÍcaroRuim
15CorrespondentesMediano
16Q quem?ExcelenteMelhores
17O bom samaritanoRuim
18A espiral da vidaHorrívelPiores
19Temporada de caçaMuito RuimPiores
20EmissáriaBom
21Jogos de GuerraBom
22Nuances do PassadoRuimPiores

Jornada nas Estrelas: A Nova Geração


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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