Jornada nas Estrelas: A Nova Geração:
A segunda metade dos anos 80 foi um período de felicidade, a moda era a crença em um futuro melhor que não dava as caras havia muito. As mudanças na União Soviética a partir de 1985 colocavam paulatinamente um final na Guerra Fria; as ditaduras latino-americancas caíam uma a uma. Um mundo melhor, mais justo, igualitário e democrático parecia possível. Naquele curto período de tempo, os otimistas não esperavam não uma vitória do capitalismo e queda da URSS, mas sim o encontrar de um meio tempo entre a liberdade ocidental e a igualdade oriental.
Parecia ser (e foi) uma hora muito boa para reviver a Utopia Científica mais popular da TV; Jornada nas Estrelas retornou após 20 anos fora do ar. Também após 4 filmes bem-sucedidos – alguns mais, outros menos – e após um boom do gênero de Ficção Espacial após o sucesso de Guerra nas Estrelas, em 1977. Este conjunto de fatores proporcionou seu renascimento; ainda não-tão-triunfal entre 1987 e 1988.
Agradou: Perestroika
O clima de acreditar em um futuro melhor está presente de forma constante nesta primeira temporada. Desde o piloto, no qual a Enterprise é visitada por Q e é confrontada sobre o passado guerreiro e controverso da humanidade, até o último episódio, no qual pessoas do século XX são apresentadas a um mundo no qual todas as necessidades materiais estão supridas.
Em vários momentos há uma sensação constante de “passar a limpo” a Guerra Fria, e como no julgamento de Encontro em Longínqua, acertar as contas do “nosso” (no caso, o americano) passado: temos, por exemplo, um capítulo de alegoria ao caso Irã-Contras e outro sobre o financiamento da ditadura iraniana do Xá Reza Pahlevi pelos Estados Unidos.

Essa convergência possibilitou com que, mesmo aos trancos e barrancos, com uma maioria de episódios ruins, a primeira temporada fosse capaz de consolidar esta nova versão de Star Trek e gerou a maior e melhor era da franquia, que foi produzida e exibida ininterruptamente de 1987 até 2005.
Não Agradou: Caos na Ponte
Por mais que seu espírito futurista e utópico estivesse muito vivo, Gene Roddenberry era um homem do século XX, vivendo sua juventude nos anos 50 e 60. A idade, não tão avançada, com 66 anos na estréia do seriado, mas com uma saúde muito debilitada; e as dificuldades dele com seus colegas, e com a televisão, da década de 1980 foram várias. Tudo está muito bem registrado no documentário Caos na Ponte, dirigido por Shatner em 2014.
Suas diferenças criativas com os demais produtores eram latentes e causaram muitos problemas; o auge foi a saída de Denise Crosby (Tasha Yar), como “protesto” da atriz pelo mau aproveitamento de sua personagem. Roddenberry não permitia o desenvolvimento de conflitos entre os protagonistas e queria manter a Federação como uma sociedade totalmente utópica. Escrever e fazer sucesso com essas premissas não é fácil.

Incapaz de liderar a produção tanto de uma abordagem de inspiração, como de imposição, dada sua debilidade, outras figuras passavam a tentar comandar o show a partir do caos gerado nas diferenças dentro equipe. Maurice Hurley acabou assumindo a ponta no final deste ano, mas não sem antes derrotar uma figura curiosa: o advogado de Gene, Leonard Maizlish. Agindo, supostamente, em defesa dos interesses do criador de Star Trek, ele passou a manipular certas decisões da produção, e até mesmo a alterar roteiros como se fosse Roddeberry, incluindo, justamente, a broxante cena da morte de Tasha Yar.
O resultado desses intensos problemas foi uma temporada, no geral, muito fraca. Episódios ruins, roteiros confusos e até mesmo inacabados; oscilando entre contar uma história nova e fazer re-imaginações de capítulos da série Original. Em muitos aspectos, o que tivemos foi uma quarta temporada de TOS, ou menor, uma parte dois da terceira temporada. Só muita fé em um futuro melhor, como o da Federação, fez com que Star Trek continuasse viva após 1988.
Melhor Episódio
Encontro em Longínqua – Provavelmente este episódio é o que melhor conseguiria fazer parte das demais temporadas de TNG. Apesar de vários conceitos e personagens ainda em estado de construção, em termos de trama e qualidade geral é o capítulo mais coerente e que mais se assemelha ao auge da série – é um dos melhores longa metragens da Nova Geração. Mas justamente por isso, suas duas horas de exibição, pode ser de certa forma injusto escolhê-lo

A Batalha – Pensando em episódios de duração comum, gostei muito deste outro. Seu ponto fraco acaba sendo os poderes não tão bem delimitados daquele dispositivo Ferengi, mas a trama é legal, seu legado como construção do passado de Picard é grande, e o cuidado de caracterização da Stargazer foi ótimo. Também gosto de O Último Guardião, o primeiro episódio dessa fase maligna da gananciosa e mesquinha espécie.
Ainda, queria destacar O Âmago da Glória; apesar de deixar um claro as limitações de Michael Dorn como ator e sua, ainda, pouca intimidade com o personagem, é o primeiro, e ótimo, passo na construção desta nova encarnação dos Klingon como nobres guerreiros na era do século XXIV.
Um degrau abaixo, porque nesta temporada foram poucos os episódios marcantes, há outros capítulos razoáveis que acabam se destacando; como Onde Ninguém Jamais Esteve, O Último Adeus e 11001001.
Gostaria que fossem melhores: 1) Santuário – gostei muito do conceito da raça expurgada por ser portadora de uma doença, mas infelizmente o capítulo é sequestrado por uma trama cômica e pela sempre horrível aparição de Lawaxana Troi. 2) Um Breve Regresso – uma trama muito madura acaba afundando devido ao protagonista sem carisma e uma maquiagem péssima. 3) Arsenal da Liberdade – há conceitos interessantes e um dilema legal envolvendo La Forge, mas perde tempo no amor platônico entre o capitão e médica. 4) Zona Neutra – a volta dos romulanos poderia ser em maior estilo, ou, por outro lado, focar mais nos humanos do passado.
Pior Episódio
A Ordem Estabelecida – Uma disputa dura entre este e Código de Honra, logo o terceiro episódio da série. Ambos são capítulos que se estivessem na Série Clássica já seriam considerados problemáticos, guardando semelhanças com o horripilante A Glória de Ômega, da segunda temporada de TOS. Enquanto em um temos uma sociedade liderada por mulheres, que é incapaz de entender os valores os nobres valores da Federação, em outro, “coincidentemente” uma sociedade de negros também é incapaz de entender que é errado sequestrar alguém. Difícil conseguir reunir tantos preconceitos juntos – sobra até para os indígenas em certo diálogo.

O que me fez pender para este episódio, Angel One no título em inglês, é o personagem de Trent, o “camareiro” da governante do planeta, Beata. Ele representa uma visão de que a sua sociedade é tão, mas tão primitiva, que nem mesmo aqueles que se beneficiariam dos valores novos sendo inseridos, é capaz de entender que tudo é para o “bem” deles. Ainda, achei completamente sem pé nem cabeça a tal da epidemia que se espalha na nave aparentemente resultado de uma gripe contraída no holodeck, bizarro.
Além deles, o que não falta é episódio ruim nesta primeira temporada. Temos a coletânea de quase-remakes da série original, A Hora Nua (Tempo de Nudez), Justiça (Fruto Proibido) e Lembranças de Paris (Fator Alternativo), todos péssimos. Enquanto isso, outros, que tentaram trabalhar personagens originais desta nova série, sofreram com problemas nos bastidores e alterações controversas no roteiro e produção, como Esconde-Esconde e o traumático A Essência do Mal.
Essenciais:
Para uma experiência mais enxuta da primeira temporada, recomendo assistir os capítulos abaixo, destacados em negrito, compondo 13 (+1) episódios, metade dos 26 exibidos entre 1987 e 1988. O piloto, Encontro em Longínqua é indispensável, claro, assim como o arco original dos Ferengi como vilões, nos episódios O Último Guardião e A Batalha.
Alguns são importantes por estabelecerem primeiros passos que se tornaram marcos deste período de produção da franquia, como a principal introdução do Holodeck em O Último Adeus, e o “rebranding” dos Klingon em O Âmago da Glória; também momentos fundamentais do universo ficcional do seriado, como Datalore e a introdução do irmão do androide; a Essência do Mal, que pela primeira vez matou um protagonista de Star Trek; e Onde Ninguém Jamais Esteve que estabelece os travelers. Enquanto isso, 11001001 é um episódio razoável.

Por outro lado, é essencial também as controvérsias desta primeira temporada. A Hora Nua explicita o quão dependente da série original TNG ainda estava; e Código de Honra é um dos piores episódios da franquia e seu “racismo de bom coração” (como em A Ordem Estabelecida) denuncia o pé no passado ainda existente naquele momento. Enquanto A Essência do Mal deixa claro os graves problemas de criação e bastidores que a série enfrentava; algo também possível de identificar no bizarro Conspiração, um episódio que parece uma paródia de Star Trek.
Havendo tempo, ainda recomendaria Um Breve Regresso, não é dos mais divertidos de se assistir, mas a alegoria ao caso Irã-Contras é um exemplo de TNG tentando “passar a limpo” e superar a Guerra Fria.
01/02 | Encontro em Longínqua | Excelente | Melhores |
03 | A Hora Nua | Muito Ruim | Piores |
04 | Código de Honra | Horrível | Piores |
05 | O Último Guardião | Muito Bom | Melhores |
06 | Onde Ninguém Jamais Esteve | Bom | |
07 | Solidão | Ruim | |
08 | Justiça | Muito Ruim | Piores |
09 | A Batalha | Muito Bom | Melhores |
10 | Esconde Esconde | Muito Ruim | Piores |
11 | Santuário | Ruim | |
12 | O Último Adeus | Bom | |
13 | Datalore | Mediano | |
14 | A Ordem Estabelecida | Horrível | Piores |
15 | 11001001 | Bom | |
16 | Um Breve Regresso | Mediano | |
17 | O rapto dos inocentes | Bom | |
18 | Terra Natal | Mediano | |
19 | Rito de Passagem | Ruim | |
20 | O Âmago da Glória | Muito Bom | Melhores |
21 | O Arsenal da Liberdade | Mediano | |
22 | Simbiose | Ruim | |
23 | A Essência do Mal | Muito Ruim | Piores |
24 | Lembranças de Paris | Muito Ruim | Piores |
25 | Conspiração | Ruim | |
26 | A Zona Neutra | Mediano |
Jornada nas Estrelas: A Nova Geração
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