Resgatar a função social da economia: uma questão de dignidade humana – Ladislau Dowbor
Ano de Lançamento: 2022 – Minha Edição: 2023 – 170 páginas
Desde a década passada, serviços de plataformas comerciais – como entregas ou streamings, por exemplo – vêm transformando sensivelmente nossa vida; já se tornou um passado remoto, por exemplo, procurar telefone de um restaurante para pedir um delivery ou algum estabelecimento não aceitar métodos de pagamentos digitais; tamanha a onipresença do ifood ou dos cartões de débito e crédito (e suas tecnologias, como o NFC).
Apesar da facilidade que isso proporciona para os consumidores, do outro lado da ponta, na produção e no trabalho, essa nova tendência vem se mostrando um verdadeiro pesadelo. As plataformas e aplicativos se tornaram onipresentes e uma parte integrante, que não existia antes, da cadeia produtiva e que, ao final do processo, como intermediários, geram muito mais riqueza e poder que a produção em si. Isso é o que Ladislau Dowbor chama em seu livro de Capitalismo de Pedágio.
No dia a dia, esse problema não só pode não ser sentido, como pode até parecer um absurdo o fato de ver problema nos apps e plataformas. Quantos pequenos empreendedores cresceram comercializando em sites de marketplace, ou quantos restaurantes se tornaram viáveis com o ifood? Uma vez por semana um telejornal contará uma história comovente nesse sentido. A questão é que esse movimento é universal dentro da economia capitalista, com consequências catastróficas.
Se tornou muito mais vantajoso para os capitalistas investir não mais na produção, e sim na intermediação do consumo. As maiores empresas estão se tornando os serviços digitais, que por sua vez são gigantescos oligopólios, como a Meta, Google ou Amazon, que exercem “monopólios de demanda” – que obrigam usuários buscarem essas empresas para conectarem-se a outros usuários, ou um restaurante entregar pelo ifood ou rappi.
E o dinheiro captado através dessa intermediação não volta à produção; o ifood não abrirá uma cadeia de restaurantes, ou investirá em produtores de alimentos; reverterá, no máximo, em melhorias no servidores onde hospedam a plataforma. Conforme levantamento apresentado pelo autor, atualmente apenas 10% do capital que circula no mercado financeiro retorna para a produção de bens e mercadorias; o que transforma o estágio econômico atual na economia da extração. Na realidade, as grandes fortunas e empresas são, hoje, vencedores de uma disputa de quem consegue drenar mais recursos do sistema produtivo.
A Era do Capital Improdutivo
Um raio-x do Capitalismo Tardio. Demonstra com muitos dados e rigor como atualmente a economia gira em torno da especulação: drenando dinheiro da produção de mercadorias e travando o desenvolvimento da humanidade.
Dowbor denuncia que as aplicações financeiras atuais, apesar da terminologia no Brasil, não são investimentos. São dinheiro que compra mais dinheiro, ações, ativos e derivativos que comercializam produtos mais de uma vez; em especial recursos naturais, como o autor já havia apresentado em sua obra anterior.
E isso lesa a sociedade em todos os seus aspectos: desde o nosso consumo diário, que paga cada vez mais pedágios, a até a utilização do dinheiro público. A capacidade de lucro das empresas, produtivas ou não, depende muito da infraestrutura pública – estradas, estradas de ferro, linhas de energia e transmissão – que são construídas com dinheiro público, ou pior, construídas com dinheiro público e depois cedidas em concessões em valores irrisórios que aumentam o custo de operação através de subsídios constantes transferidos dos cofres públicos para empresas privadas, que por sua vez, jogam o capital nesse círculo vicioso de dinheiro comprando dinheiro (como vem acontecendo na malha metro-ferroviária de São Paulo).

Perversos mecanismos de subutilização operam em larga escala para fragilizar a economia humana e aumentar a capacidade de lucratividade “virtual” da burguesia: mão de obra mal remunerada, terras mal distribuídas, conhecimento e tecnologias travados por falta de incentivo ou patentes, e políticas públicas – como distribuição de renda e cotas sociais – sendo demonizadas, são as formas que garantem que a pobreza e a concentração de renda continuem se perpetuando.
Para mudar esse quadro, Ladislau apresenta no último terço do livro uma série de propostas para, como o título do livro apresenta, resgatar a função social da economia. Não há nada radical, são todas propostas completamente factíveis – a maioria delas foi tentada já no Brasil durante os governos Lula e Dilma e são praticadas outros vários países social-democratas do norte global – como reforma tributária que vise devolver parte dos lucros e dividendos à sociedade; melhor distribuição de recursos; e a adoção de políticas públicas permanentes democratização da produção – seja em benefícios salariais, redução de jornada ou capacitação da mão de obra gratuita.
Antes de ser algo supostamente técnico, antes de ser uma porção de números de multiplicando, a atividade econômica e o trabalho são parte integrante da humanidade desde seus primórdios e cada vez mais nós somos tratados como entraves à economia – os trabalhadores têm direito demais, os aposentados ganham muito bem… os últimos governos neoliberais no Brasil não passam da repetição destes mantras.
Nossa sobrevivência como humanidade depende de acabar com essa visão hegemônica, neo (ou ultra) liberal, da economia.
Bom (3,5/5)
Um verdadeiro manifesto em linguagem muito acessível e atrativa, e de leitura rápida e agradável sem deixar de ser profundo e provocativo. Justamente por isso, não vai tão fundo, e é uma repetição de ideias do autor apresentadas em outros livros.
Descentralização das verbas públicas – o autor aponta que no Brasil, menos de 20% do dinheiro público, em média, é utilizado diretamente pelos munícipios; o resto do financiamento depende de repasses estaduais e federais, algo estipulado pela Constituição de 1988. A título de comparação, essa cifra na Suécia é de cerca de 70%. Dowbor indica como isso tem um impacto muito nocivo na democracia brasileira, devido à dependência que as autoridades locais têm de parlamentares e funcionários de alto escalão, há um incentivo à perpetuação de negociatas políticas.
Novo modo de produção: ainda que se utilize dos pressupostos marxistas, tanto como metodologia quanto ponto de partida, o autor alerta que o atual estágio de Capitalismo de Pedágio, ou Economia da Extração, dentre outros nomes que ele trás de diversos estudos, já seria um outro modo de produção que não é mais o Capitalista.
Como as elites econômicas e políticas já não se dedicam mais à expansão produtiva do capital, e sim estão focadas na extração de renta – diferente de renda, tendo uma conotação mais de “ociosidade” ou de ganhos não relacionados ao trabalho ou produção – já não poderíamos chamar de capitalismo. Um dos nomes que ele demonstra ter ser cunhado ultimamente nos debates é de Tecno Feudalismo.
Ao invés do monopólio e da extração renta da terra que os camponeses produzem, e pertencem por razões abstratas aos senhores, hoje os trabalhadores e mesmo a burguesia, pagam tributos não relacionados à capacidade produtiva, aos donos de plataformas, servidores e aplicativos.
Não necessariamente Dowbor se filia a isso, mas alerta que se for o caso de estarmos em um outro modo de produção, nossa atividade política precisa acompanhar essa mudança e saber qual o local real a disputa.
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