Pense em Phlebas

Pense em Phelbas – Iain M. Banks

Tradução: Edmundo Barreiros – Editora Morro Branco

Ano de Lançamento: 1987 – Minha Edição: 2023 - 575 páginas


Uma grande guerra interplanetária está em curso. De um lado, os Iridianos, uma espécie de aparência grotesca quase incompreensível e com uma forte orientação religiosa que leva a xenofobia, e, de outro, a Cultura, uma civilização predominantemente humana, mas multiétnica, que alcançou um estado de pós-história; sem escassez de recursos e capaz de permitir seus habitantes a viver do ócio.

Contrariando o que poderíamos esperar, nosso protagonista, um humanoide metamorfo, é um combatente convicto do lado dos iridianos.

Originalmente, Horza era um dos guardiães do desolado Mundo de Schar – cuja espécie que o habitava extingüiu-se, sucumbindo a um Inverno Nuclear causado por eles mesmos – e que era preservado como um monumento às civilizações extintas por guerras autofágicas por, ainda, uma outra raça com poderes quase divinos. Iniciando a guerra, Horza deixa o planeta e se filia aos Iriadianos na luta; entretanto, uma Mente da Cultura, uma gigantesca inteligência artificial que é capaz de comandar e operar suas naves, acaba caindo, após uma batalha, exatamente no Mundo de Schar, fazendo com que o protagonista seja enviado pela facção rival para recuperá-la – e descobrir seus segredos – em seu planeta natal.

O Jogador

O melhor jogador da Cultura, uma sociedade aparentemente utópica, participará do grandioso torneio de Azad, que define os rumos políticos de um poderoso e cruel Império Galáctico.

Ao observar esta sinopse, podemos ver como esta é uma obra densa; são muitas camadas de ficção e conceitos apenas para explicar a premissa. E confesso que não entendi tudo de imediato, o livro não é muito didático; você é jogado já no meio da ação.

Aliás, este, que é o primeiro volume da Série Cultura, é bastante curioso ao explicar relativamente pouco sobre, justamente, a Cultura, o principal conceito que orienta toda a vasta obra que possui uma dezena de livros – aliás, os trechos que se passam nessa civilização são minúsculos e pouco contribuem para dar vida a ela. Na realidade, o foco, nesse sentido, algo muito sagaz, é como as pessoas de fora dela enxergam seu modo de vida, aparentemente, hedonista, e, inclusive, reprovam. Horza, em vários momentos, precisa se justificar do porquê está daquele lado específico do conflito, no qual, aparentemente ele seria melhor tratado. Para ele, a Cultura, em seu estilo de vida sem escassez e sem exploração pelo trabalho, e portanto sem ambição ou aparente propósito, é muito mais opressora que os Iridianos, especialmente por depender muito de Inteligências Artificiais, sencientes e com direitos plenos, tais como a Mente a qual ele busca, que realizam e gerenciam os trabalhos mais pesados.

Da mesma forma, especialmente em anexos, o autor também gosta de brincar com as motivações que os habitantes da Cultura, cercados de abundância de tempo e recursos, teriam para se envolver em conflitos interestelares. Estes temas perpassam toda a série de livros, mas aqui, neste volume inicial, bem menos. Todavia, é uma opção elegante introduzir o conceito dessa aparente Utopia de alguém de fora – e opositor ao regime. E uma não tão sutil forma de desenvolver um personagem comum aos leitores contemporâneos, aquele que encarna a ideologia dominante, com a triste crença de que única coisa capaz de mover a humanidade é a exploração do trabalho e a competição.

As discussões filosóficas e políticas que norteiam o dilema e o conflito são muito densas, mas pequenas aparições, pois esta é uma obra quase que totalmente voltada à ação. Muito movimentado, o texto é repleto de perseguições, desastres, tiroteios combates… poucas vezes vi um livro com tanta ação como este aqui – suas quase 600 páginas voam.

A maioria das artes de capa estrangeiras fazem referência os oceanos do Orbital Vavatch.

Justamente por isso, o final parece que deixa toda a aventura sem propósito – um objetivo do autor, ao demonstrar que não necessariamente todos os protagonistas nascem para fazer a diferença – com um foco muito grande na jornada. Para compensar, há anexo com as coisas explicadas em uma narração mais convencional, o que é um grande alento. O saldo é muito positivo; uma leitura muito prazerosa e emocionante que dá, muito bem, o pontapé inicial de uma das principais séries da Ficção Científica.

Muito Bom (4/5)

Apesar de um início um pouco truncado, com muitas camadas de ficção para se compreender, o texto engrena de forma fenomenal e chama atenção para a aventura movimentada e repleta de ação.

Jogos – no meio da sua aventura, Horza precisa se envolver em complexo jogo chamado de Dano Damage, no original. Uma mórbida prática que envolve um grandioso torneio em planetas que estão em vias de um cataclismo, para quem deseja vivenciar a sensação de apocalipse. Nunca fica muito claro exatamente quais são as regras ou como funciona, mas é fantástico: temos pessoas a serem sacrificadas, campos de projeção emocional, viciados em ver esse jogo e por aí vai.

Provavelmente ao escrever este trecho, que talvez seja o melhor do livro, é que o autor teve a ideia ou a inspiração para escrever o segundo volume da série; O Jogador, que é centrado em um grande torneiro de Azad, um jogo que decide, literalmente, os rumos políticos de um brutal Império Interplanetário.

Título: Pense em Phlebas (Consider Phleas, no original) é um título para lá de estranho e não é mencionado em momento algum do texto. Apenas pesquisando descobri sua origem em um poema inglês do século XIX, chamado A Terra Devastada (The Wasteland), no qual existe um náufrago fenício, chamado Felbas, que durante o naufrágio, e sua morte à deriva, relembra sua vida.

Primeiro Volume – Apesar de ser o segundo livro desta célebre série a ser publicado no Brasil, Pense em Phelbas é o primeiro escrito e lançado, em 1987. Na época, a editora Morro Branco considerou que O Jogador seria mais atrativo e palatável para o público nacional, e uma melhor introdução ao universo da Cultura.

Observando os dois, fico feliz com essa decisão editorial. Eu já havia tentado ler este aqui em inglês, e acabei desistindo por compreender muito pouco da contextualização inicial – que agora sei que é realmente pouco didática – e a opção elegante de apresentar a Cultura, inicialmente, por alguém de fora e contrário a sua civilização, contribui para uma apresentação mais “truncada”. O Jogador é uma obra realmente muito mais redondinha e funciona melhor como introdução.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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