Filhos da Esperança – P. D. James
Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph
Ano de Lançamento: 1992 – Minha edição: 2023 – 365 páginas
Na virada de 2020 para 2021, o argentino José Ricardo, de 25 anos, faleceu durante a festa de réveillon, e essa notícia abalou o mundo. O que transformou esse jovem e sua morte numa comoção planetária é sua idade: ele era o ser humano mais jovem do Planeta Terra, a última pessoa a nascer, no longínquo ano de 1995. Este é o cenário do livro de P. D. James, autora inglesa, e que se tornou famoso após o filme de 2006.
No livro, seguimos a visão dessa realidade feita pelo acadêmico inglês Theodore Faron, doutor em História pela universidade de Oxford. O professor universitário vive uma vida totalmente desolada, assim como os demais habitantes daquele triste mundo em que não existem mais crianças há décadas. Divorciado da sua esposa, com quem o casamento entrou em crise após a morte da sua filha em um acidente doméstico; ele trabalha ensinando classes cada vez menores de estudantes em um vida cada vez mais solitária.
O principal trunfo da obra da escritora é a criação e descrição dessa sociedade sem futuro que a Terra se transformou um quarto de século após o último nascimento de um bebê. O Reino Unido é um dos últimos países do mundo relativamente estáveis. Isso a um custo alto, de estar imerso em uma ditadura sem vida – cujo ditador, coincidentemente, é um primo do protagonista, com quem ele convivera durante a infância.
A cada página do livro o sentimento de angústia aumenta ao conhecermos novas faces daquele triste “futuro” sem nenhuma esperança ou objetivo. Após a infertilidade absoluta da humanidade, ocorrida sem explicação e sem ser compreendida desde então, as pessoas passaram a se agarrar em simulações de crianças: bonecas, cachorros, gatos, passaram a ganhar status legais para batizados, guarda judicial até mesmo direito à licença no trabalho de acompanhamento em médicos-veterinários ou após falecimento.
Theo é abordado por uma ex-aluna de seus inócuos cursos de história da arte, e a estória começa a se movimentar. Ela faz parte de um pequeno grupo de opositores que deseja fazer chegar até Xan, o administrador da Inglaterra, e primo do protagonista – este que chegou à trabalhar no gabinete do ditador, mas renunciou por não gostar da função – uma pauta de abertura política e social para o regime.
Sem revelar nada muito decisivo do enredo, podemos notar como a jornada em si não é tão impactante ou engajadora apesar de vários momentos de tensão. Desde o primeiro momento, o protagonista reconhece que entregar uma pauta de abertura a um ditador é um objetivo ingênuo – e deve refletir a desesperança daqueles tempos; se rebelar é um ato eminentemente jovem. Há uma mudança de ponto de vista no meio do texto, todavia: metade é um registro de um diário de Theo, quando ele é mais passivo, e a segunda metade é uma narração direta, quando ele se torna mais ativo; demonstrando a recuperação da esperança.

Entretanto, o grande trunfo do livro é seu contexto – não a toa sua adaptação cinematográfica foi um sucesso mesmo contando uma estória totalmente diferente. Gradativamente, Theo vai nos apresentando a episódios do cotidiano daquele mundo cada vez mais desolado. Da mesma forma ele, que faz parte da elite dirigente daquele regime, começa a descobrir certas coisas que, dentro de seu mundinho semi-aristrocrático, sequer acreditava serem problemas em primeiro lugar.
Filhos da Esperança é um dos retratos distópicos mais assustadores da Ficção Científica. Sem envolver monstros, zumbi, apocalipse, meteoros e nem mesmo uma epidemia – afinal, nunca fica claro do que se tratou a Ômega, como a infertilidade passou a ser chamada, provavelmente o ponto que o livro mais deixa a desejar – simplesmente a humanidade se conformou com sua extinção e passou a administrar seu desaparecimento; algo que Theo, no início do livro, genuinamente acredita que Xan está fazendo bem. Qualquer semelhança com o sistema político e econômico contemporâneo, quando somos convencidos dia e noite de que equilibrar as contas é mais importante que evitar mortes e projetar um futuro para a sociedade, não é coincidência.
Muito Bom (4,5/5)
Mais um jovem clássico da ficção científica que cria uma das distopias mais “comuns” e mais agustiantes de todo o gênero; e mesmo sem ter muita ação, consegue te manter tenso até o final numa leitura cada vez mais instigante.
Adaptação: o longa homônimo, lançado em 2006, dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón e estrelado por Clive Owen interpretando Theo não tem muitas semelhanças com livro – exceto, justamente, pelo que mais importa: o contexto da sociedade sem futuro. Com uma pegada mais de ação, o filme ficou muito conhecido por suas longas cenas sem cortes com muita tensão e violência; e o protagonista é um galã, longe do cinquentão do livro, esse Theo é um antigo ativista político desiludido que se transformou em um cansado servidor público.
Apesar de todas as diferenças, o filme agradou a Phillys James, e a crítica: figura constantemente nas listas dos melhores longas do século XXI. Ganhando mais popularidade que o livro – ainda que ajudando a divulgar a obra original – Filhos da Esperança é objeto de discussão acadêmica, teológica, política, filosófica, como, por exemplo em Realismo Capitalista de Mark Fisher.
Realismo Capitalista
O triunfo do neoliberalismo pode ser traduzido na sua capacidade de enraizar-se tão fundo na humanidade, que ficamos incapazes de admitir que podemos existir de outra forma senão a capitalista – é mais fácil o mundo acabar que o capitalismo ser superado.
Para o filósofo, o que Filhos da Esperança faz de melhor é sua representação de um futuro distópico da maneira mais aterrorizante o possível: conformado. O mundo sem futuro e esperança funciona “normalmente”, com Starbucks abertas ao lado de pequenos campos de concentração, e as pessoas pegam o café da manhã e seguem para seu trabalho, em uma forma quase idêntica a que fazemos hoje (ou fazíamos em 2006 ) mesmo sabendo que caminham para a extinção.
Exatamente como Fisher denuncia sobre o capitalismo contemporâneo, nos convencendo que é mais fácil o mundo acabar e a humanidade desaparecer do que mudar o sistema econômico então no resta sobreviver e administrar o desastre. É a realidade de Filhos da Esperança.
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