As Cavernas de Aço – Isaac Asimov
Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph
Ano de Lançamento: 1953 – Minha Edição: 2013 (2 reimp) – 300 páginas
Daqui há alguns milhares de anos, a humanidade se espalhará pela galáxia próxima e colonizará cerca de 50 novos planetas, os chamados “mundos siderais“, entretanto, esses novas sociedades renegam seu passado. A Terra é considerada uma párea, uma relíquia do passado; superlotada, com mais de 8 bilhões de habitantes, a nossa civilização tornou-se extremamente estratificada e enterrada em megacomplexos urbanos – as Cavernas de Aço – que se espalham por quilômetros e quilômetros de espaços apertados e totalmente fechados.
Além disso, os siderais renegam o nosso planeta por uma questão muito especial: o preconceito contra robôs. Nos mundos colonizados, com uma população humana bastante reduzida, na casa de poucos milhões, a maior parte das atividades braçais são realizadas pelas máquinas que se tornaram figuras comuns do cotidiano de lá. Já na Terra, os robôs são relegados à “área externa”, isto é, fora das cidades, nos trabalhos envolvendo a extração de recursos ou a agricultura, por exemplo.
Essa relação conflituosa entre essas duas civilizações humanas é colocada mais uma vez a prova quando, na Vila Sideral de Nova Iorque – bairro exclusivo para “imigrantes” vindo dos outros planetas – um importante roboticista estrangeiro é assassinado, e o principal suspeito é um terráqueo.
Neste romance policial, o grande foco de Asimov é na criação desse contexto para o futuro da humanidade. Há várias descrições do cotidiano das Cidades, o quão apertadas ela são – os apartamentos são minúsculos e não contém, via de regra, cozinhas ou banheiros (chamados aqui de Privativos) – o quão estratificadas elas são – apenas com muita organização e logística para comportar centenas de milhões de pessoas nesses locais – e o quanto a sociabilização mudou de cá pra lá. As pessoas não veem mais o céu, não há janelas e até mesmo o ar respirado é somente o fornecido por dutos de ar-condicionado.
Entretanto, todas essas descrições e contextualizações são feitas de forma ágil e “orgânica” ao romance. Em determinadas cenas aparece alguma situação que carece de explicação para compreenderemos, e conforme ela se desenrola vamos entendendo o cenário. Não há longos monólogos ou narrações de pensamento – coisa que, aliás, muda no final desta série, que Asimov escreveu já nos anos 80 e que mais dobra o tamanho dos livros. E as coisas se tornam mais fluídas por conta da dupla que protagoniza o livro: o detetive terrestre Elijah Baley é destacado para conduzir essa investigação, e deve ser acompanhado por um robô. Mas não qualquer um deles, e sim Daneel Olivaw, o primeiro de uma série de androides que imita completamente a aparência e comportamento humanos.
Apesar de se fundamentar em um clichê – que, na realidade, ainda não o era na época – dos policias parceiros muito diferentes um do outro, isso possibilita que se torne “orgânico”, no texto, as apresentações do universo ficcional. Elijah precisa explicar como a Terra e os humanos funcionam; ao passo que Daneel também retroalimenta essas discussões tentando racionalizar as coisas, e contribui para compreendermos a lógica robótica – que é a alma desta série literária – e fornece informações sobre os siderais. A dinâmica entre os dois é ótima.
O mistério é bastante envolvente, a tensão entre os terráqueos e os humanos siderais é latente, assim como a relação desses dois grupos com os robôs. Mas ainda temos várias camadas que enriquecem ainda mais o contexto; há pessoas na Terra que não desejam mais viver confinadas nas cidades, desejam retornar ao contato com a natureza e a uma realidade que não existe mais. Elas são chamadas de “medievalistas“; entretanto, como o termo carrega um sentido pejorativo e retrógrado, indica também que elas se opõe, ainda, à convivência com os siderais e os robôs. Esse grupo lidera os suspeitos do assassinato.
Há sinais do tempo, claro. Com sempre em obras dessa natureza, temos o “futuro-retrô” sempre é muito interessante e charmoso – na projeção do autor, a Terra chegou ao seu limite com 8 bilhões de habitantes: forçou o surgimento da cultura das Cidades; sem janelas, banheiros ou cozinhas individuais; e chegamos ao ponto de se alimentar apenas a partir de leveduras artificiais, pois a agricultura comum já não seria capaz de fornecer comida para todos. Estima-se, todavia, que já ultrapassamos esta marca neste ano de 2024 e nosso estilo de vida, ainda que em vias se tornar insustentável, é essencialmente o mesmo que Asimov viveu ao final de sua vida, nos anos 1970 e 80.
Essa construção do autor, soviético de nascimento, me lembra muito das projeções feitas pelos ocidentais sobre a vida no bloco socialista na época. Embora, diferentemente da propaganda, é uma imaginação bastante respeitosa e não possui uma ótica moral; é a forma como o planeta conseguiu se organizar naquele cenário totalmente caótico. A vida daqueles personagens não é tratada como “maligna” ou “ruim”, mas diferente e levada ao limite. Ele relembra de até alguns benefícios, como cozinhas comunitárias, que originalmente eram propostas de libertação do trabalho doméstico, mas aqui acabam tendo um contorno distópico por conta da origem das comidas servidas.
Nesse sentido talvez a questão mais problemática, pensando mais de 70 anos de sua publicação, é a personagem da esposa de Elijah; Jessie. Ingênua, chorona, incapaz de lidar com suas emoções, um retrato bastante sexista. Entretanto, dentro dos limites de um texto escrito nos anos 1950, devemos pensar na chave oposta: ela tem um papel relevante e todo o arco envolvendo seu nome é bastante profundo – há alguns elementos cristãos neste livro que raríssimas vezes aparecem na obra de Asimov.
Ainda assim Cavernas de Aço é um clássico e uma obra prima. Não é tão ambicioso quanto Eu, Robô ou Fundação, é uma história de escopo menor e relativamente linear – afinal, é um mistério policial. É a minha segunda leitura da obra, em um espaço de 10 anos, e ainda fiquei instigado até a última página; isto é alcançado com um contexto rico, personagens muito marcantes, um texto ágil, rápido e envolvente.
Excelente (5/5)
Um dos grandes clássicos do tema, consegue intercalar a ficção científica – com um rico contexto futurista – com o policial – através de um enredo e texto envolvente que te segura até a última página.
Adaptação: exibida em junho de 1964, como um episódio de TV de uma série britânica dedicada a adaptar contos de ficção científica, esta versão de Cavernas de Aço é hoje uma mídia perdida, com apenas algumas algumas cenas preservadas. O próprio seriado, Story Parade, é extremamente obscuro e este foi seu capítulo mais relevante.

Ver algumas imagens pode gerar algum tipo de preconceito pelo quão singelo e simples tudo era – e era, de fato, a condição marginal que o gênero da Ficção Científica tinha até o lançamento de Star Wars, em 1977 – mas o resultado foi bastante apreciado na época. Protagonizado por Peter Crushing, o Governador Tarkin de Guerra nas Estrelas, produzido por Irene Shubik, que já havia trabalhado em esforços parecidos de outras obras de Asimov, e escrito por Terry Nation, um dos criadores Dr. Who, o episódio foi considerado bastante fiel ao livro e bem recebido pela crítica especializada.
Série Robôs: originalmente composta por apenas este livro e sua continuação, O Sol Desvelado, escrito em 1957 – além de diversos contos, agrupados, a maioria, em Eu Robô – essa série desenvolvia os aspectos referente aos cérebros positrônicos, e, em especial, os funcionamento das três Leis da Robótica.
Na década de 1980, Asimov decidiu unificar suas principais obras dentro de um mesmo cânon, em que tudo levasse à Fundação. Vários livros anteriores foram revisados com a inclusão de algumas passagens – como o “episódio zero” em O fim da Eternidade – e ele passou a escrever continuações e conexões para as séries Robôs e Império. No caso, com a publicação de dois novos volumes; Robôs da Alvorada (1983) e, não coincidentemente, Robôs e Império (1985).
Há algumas sensíveis diferenças de escrita e temática, os textos se tornaram muito mais longos e com questões de sexualidade em primeiro plano, mas a essência ainda está lá e em breve estaremos escrevendo sobre essas continuações!
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