Lutas de classes na Alemanha

Lutas de classes na Alemanha – Karl Marx e Friedrich Engels

Tradução: Nelio Schneider – Editora Boitempo

Ano de Lançamento: 2010 (1844, 1848 e 1850) – Minha Edição: 2010 – 93 páginas


Engels era fascinado pela Irlanda; sua obra mais famosa, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, descrevia o cotidiano dos operários na região de Manchester na década de 1840, constituídos por um grande volume de imigrantes irlandeses, e atraiu seu fascínio pelo povo – ele casou-se com uma irlandesa, Mary Burns, inclusive. Marx, por sua vez, tinha grande interesse na França; em 18 de Brumário de Luís Bonaparte, ele diz que o país é o local onde as lutas de classes são mais tensas e mais levadas ao limite.

Ambos eram alemães, nascidos no Vale do Reno, mas produziram surpreendentemente pouco em análises sobre sua terra natal. Neste livro, um lançamento exclusivo do Brasil, a editora Boitempo reuniu três pequenos textos escritos pela dupla sobre eventos que se passavam em seu país – embora ele ainda não existisse como tal, maior parte das referências dos textos é sobre a Prússia – escritos entre o anos de 1844 e 1850.

O que movimenta e desperta a produção destes textos foram duas revoltas ocorridas na Prússia; a Revolta dos Tecelões de Silésia (região atualmente parte da Polônia) em 1844 e as Revoltas de 1848, que ocorreram no mundo inteiro, mas com maior força nos estados alemães.

Mapa dos principais focos revolucionários de 1848 – que chegou até a ter repercussão no Brasil, com a Revolta Praieira – a maior parte se deu no mundo germânico; na época, composto especialmente pela Prússia e Áustria, além de uma série de estados menores.

Sobre a primeira, temos as “Glossas críticas ao artigo ‘O Rei da Prússia e a reforma social‘”, de agosto de 1844. Trata-se de um debate travado dentro do periódico Vorwärts!, um jornal de língua alemã, publicado em Paris, reunindo os pensadores mais radicais do período. Após a violenta repressão do governo, que resultou em 11 mortes, o filósofo alemão Arnold Ruge publicou um artigo sob o pseudônimo “um prussiano” não apoiando a repressão, evidentemente, mas criticando a revolta e à sociedade prussiana.

Ruge argumentou que a Prússia era um Estado muito atrasado (com muitas estruturas feudais) em relação a outros centros econômicos europeus, tais como a Inglaterra e a França; e, nesse sentido, a revolta operária seria um reflexo dessa imaturidade. Não adiantaria despender sua energia contra os patrões e os contratantes, ou mesmo contra as autoridades locais em uma revolta “social”; mas sim exigir reformas “políticas” para o Estado Prussiano de forma a “politizar” as instituições e, a partir daí, exigir melhores condições de vida.

Marx, por sua vez, contra-argumenta em duas linhas: observando como a situação da miséria foi tratada em Inglaterra e França, através da “política”, em ambos países de forma desastrosas com leis proibindo a mendicância e criando espécie de albergues compulsórios e trabalhos análogos à escravidão (as workhouses), por exemplo; e, especialmente, como a própria divisão entre revolta social e revolta política feita pelo colega era equivocada. Com palavras muito mais ácidas que essas, como ele sempre escrevia, a paulada é forte: o “prussiano” pensa em abstrato, de forma inócua; o operariado por sua vez pensa de forma concreta, e, assim, avançada, observando a sua realidade e buscando mudá-la, integrando o social e político.

No bom prefácio disponível nesta edição, escrito por Michael Löwy, a avaliação de Marx presente aqui é talvez a mais importante de sua trajetória como pensador; destas suas observações ele supera uma série de noções da política hegeliana de sua época; não há oposição mais entre filosofia e povo; o proletariado deve ser um elemento ativo de sua emancipação; e o socialismo não é uma teoria pura e sim a práxis. Um ponto de virada para tudo que conhecemos de Marxismo.

Não por acaso, os demais textos já escritos a quatro mãos pela dupla, são no contexto das Revoluções de 1848 – as vezes chamada de primavera dos povos.

Bem curta, temos as Reinvindicações do Partido Comunista da Alemanha, de março daquele ano; com 17 pontos para aquela agremiação política – que, nunca chegou a existir oficialmente naquele momento (apenas em 1919) e referia-se à Liga dos Justos, recém renomeada Liga dos Comunistas. O texto é um programa político que destaca-se com a pauta da Unificação Alemã de forma republicana, mas sem transformar-se em um estado burguês tal como seus vizinhos. Uma série de medidas já são proposta prevendo a continuidade da revolução em direção ao Socialismo: armamento popular, estatização dos bancos, expropriação de latifúndios, ensino e transporte gratuitos, sufrágio universal e uma série de outros direitos e políticas que impediria a burguesia alemã de, uma vez derrubada à monarquia, estabelecer seus interesses frente ao novo Estado que surgisse. O spoiler, é que foi isso que aconteceu, não só na Alemanha, diante daquela onda revolucionária.

Gravura da época retratando a “vitória” dos revolucionários de 1848 em Berlim hasteando a proposta (60 anos depois a efetiva) bandeira da República Alemã. A unificação alemã, que só viria acontecer, de forma imperial, em 1871, era uma das pautas mais radicais e revolucionárias do período, buscando derrubar as mais atrasadas e enraizadas monarquias da Europa.

E, justamente nesse rescaldo, que nos é apresentado o último texto do livro: a Mensagem do comitê central à Liga dos Comunistas, de março de 1850 e também redigido por ambos. Espaço no qual fazem um balanço da participação da Liga nos eventos dos anos anteriores e denunciando, exatamente, como a burguesia sequestrou o movimento após apoiar-se nos trabalhadores para criar as agitações. E, em alguns extremos, voltou a aliar-se aos “partidos absolutistas”, representantes dos governantes monárquicos e feudais, para conseguir frear os anseios revolucionários dos trabalhadores.

Na circular, que ainda assim é um texto de quase 30 páginas, o grande alvo de crítica é a pequena burguesia democrática – a classe média, de forma mais grosseira. Ela apoiou e participou ativamente dos levantes de 1848, entretanto, ao conquistar suas pautas, que ampliaram sua participação no regime capitalista – através de mecanismos democráticos, no sentido de abolir laços feudais, tais como modernização bancária e fundiária – buscou convencer o proletariado – os trabalhadores explorados – a frear o movimento através de motivos variados.

Marx e Engels apontam: a pequena burguesia deseja modificar a propriedade privada (torná-la mais acessível, ao superar, por exemplo, a necessidade de títulos nobiliárquicos) e fazer sua vida mais confortável. Isso, todavia, não acaba com a exploração do trabalho; o operariado precisa abolir a propriedade privada para tal(p. 64). Uma vez que as conquistas democrático-burguesas tenha sido asseguradas, os trabalhadores precisam continuar mobilizados – e independentes dos partidos e agremiações da classe média, que passará a defender os interesse dela.

Este último documento é visionário; muitas das reflexões feitas exatamente na metade dos século XIX ainda são atuais em pleno século XXI (veja abaixo). E suas diretrizes se mostraram acertadas; uma em especial é a necessidade de criar um poder paralelo ao conquistado pelos pequeno-burgueses durante a revolução; algo que foi chave para a continuação da Revolução Russa depois de Fevereiro com o “poder dual” – os sovietes continuaram existindo mesmo após o estabelecimento da Duma (parlamento) democrática.

As Revoluções de 1848 foram a peça basilar na trajetória da Marx, Engels e do marxismo de maneira geral; elas transformaram a teoria que eles tinham sobre a sociedade capitalista em prática, ou melhor, na tão importante praxis. A dupla era uma antes e outra depois – se conheceram no período, aliás, em 1844, na semana em que os primeiros textos deste livro eram publicados – e esta pequena compilação da Boitempo é extremamente acertada para exemplificar essa transformação, e obrigatória para quem deseja se aprofundar-se “na capacidade do homem de compreender como o mundo veio a ser o que é hoje, e como a humanidade pode avançar para um mundo melhor“, como Hobsbawm “definiu” o Marxismo.

Muito Bom (4/5)

uma edição exclusiva do brasil reunindo textos pequenos, mas essenciais da trajetória de marx e engels e obrigatória para quem deseja se aprofundar no marxismo.

Alemães apenas de nascimento: nascidos em regiões próximas e publicando em alemão por toda a vida, Marx e Engels puderam usufruir muito pouco da sua nacionalidade. Na realidade, a Alemanha como tal não existia antes de 1871 e eles eram cidadãos do Reino da Prússia. Entretanto, após seus escritos nos Anais Franco Alemães, no Vorwärts! e na Nova Gazeta Renana, ambos passaram a ser perseguidos pelas autoridades prussianas. Marx perdeu sua nacionalidade em 1845 e foi expulso seguidamente de vários países até se estabelecer em Londres, em 1850.

Também local onde Engels morou a maior parte da vida, ainda que precisando morar em diferentes locais. Sua família já tinha negócios lá e seu pai já o havia despachado para a Inglaterra previamente. Ele não chegou a perder sua nacionalidade, mas teve um mandato de prisão em toda a Prússia a partir de 1849 após as revoluções do ano anterior e não retornou mais, oficialmente, ao seu país de origem. O que pode ajudar a explicar a relativa pouca produção textual deles sobre os problemas alemães.

A Revolta Silesiana: transformada em uma província da Prússia em 1815, a Silésia – atualmente parte da Polônia – era uma região de tradicional produção têxtil, característica que se intensificou com a Revolução Industrial, entretanto, sem não deixar de causar concentração de renda, desigualdade e desemprego na troca do tipo de mão de obra. A produção industrial derrubou os preços dos produtos, e os tecelões menores dependiam de intermediários, os Verleger, para conseguir distribuir seus produtos, frequentemente cobrando taxas extorsivas – e muitas vezes também donos de fábricas que competiam com os próprios tecelões. O quadro, ainda, se agravou com uma onda de fome causada com uma forte praga na produção de batatas na Europa Oriental.

Apesar de pouco conhecida, a revolta dos tecelões da Silésia é muito presente no imaginário alemão, conhecida como Weberaufstände, sendo umas primeiras revoltas operárias da História. Existem inúmeras representações e memoriais, tais como este painel em Augsburg, na Baviera com a inscrição: “entre a era do artesanato e a da máquina existiu a luta e o sofrimento dos tecelões“, em tradução livre.

Em 3 de junho de 1844, um grupo de tecelões da cidade de Pieszyce realizou um protesto na frente de uma grande tecelagem e foram duramente reprimidos pelos capangas dos industriais. Uma marcha no dia seguinte tomou as ruas da cidade, engrossada por centena de tecelões, buscando negociações com as autoridades locais. Sem sucesso, voltaram a mesma tecelagem e iniciaram uma depredação do local, que se espalhou nas demais indústrias da região até o dia 6 de junho, quando o exército prussiano invadiu a cidade de atacou os manifestantes, causando 11 mortes.

Transcendental mensagem à Liga: Este texto em particular é impressionante, um atestado rápido e direto da atualidade das análises, observações e mesmo orientações de Marx e Engels aos ativistas políticos futuros. Como observamos acima, ele já sugere a criação de um Poder Dual durante uma Revolução, uma das principais peças que conseguiu fazer com que a revolução Russa não parasse nos eventos de Fevereiro.

Há algumas outras observações, como a previsão de que, nas mãos da classe média, a Alemanha ao unificar-se, no máximo seria uma República Federativa (não só se tornou um “império federativo” logo em seguida, com ainda essa é a forma de governo por lá); e a importância das organizações populares nunca entregar as armas após o sucesso da derrubada de regime. Sob a orientação da União Soviética, para apaziguar sua política externa, os movimentos de libertação da ocupação nazifascista entregaram seus arsenais em 1945, notadamente na Grécia e Itália, e impediram a realização de revoluções nesses países.

A mensagem central, da necessidade dos trabalhadores estarem sempre se organizando de forma independente da pequena burguesia democrática, pode ser lida até mesmo hoje, em pleno 2024, ao vermos o fracasso do Partido Democrata nos Estados Unidos para impedir a reeleição de Trump. Sindicados e organizações populares continuam atuando na margem desse partido e sua decadência é cada vez maior.

Nesse sentido, Marx e Engels desenham uma dinâmica na Alemanha de três forças políticas; a Feudal ou Absolutista, representando os partidários da monarquia e instituições nobiliárquicas; a Democrática-Burguês, da classe média de industriais; e a operária, representando os trabalhadores. Quando necessário modernizar as instituições, os democráticos se aliam aos operários para realizar mobilizações de massa – e até mesmo levantes armados – e minar a força do conservadores. Após esse embate, a pequena-burguesia deseja frear o movimento operário e volta a se aliar com os monárquicos garantindo sua estabilidade.

O Lulismo em Crise

Tentando se distanciar de Lula, Dilma teria realizado dois ensaios, um político e econômico, que implodiram a base do governo. E, após um zigue-zague para se salvar de diversos ataques também deu adeus à base popular; e essa convergência levou ao golpe de 2016.

É muito parecido com a teoria dos três partidos que André Singer estabelece em O Lulismo em Crise. No Brasil, desde o final da Era Vargas, a nossa política seria disputada por um tripé partidário; o do Interior, representado historicamente pelo PSD e PMDB; o da classe média, como exemplos a UDN e o PSDB; e o popular/trabalhista, de PTB e PT. A dinâmica se dá quando o partido da classe média (ou o da burguesia) se alia com um ou o outro para manter-se no poder.


Últimos Posts

Condição Artificial

Livre de todas suas amarras, o robôssassino vai atrás de entender seu passado. A novidade agora é sua interação com outros robôs e androides.

Lênin: uma introdução

Faz um esforço enorme de condensar vida e obra de Lênin em um livro de bolso; mas, ainda que seja uma boa introdução, oscila muito entre uma abordagem e outra, entre sua produção textual e eventos que ele participara.

Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

Deixe um comentário