Poder Camuflado: Os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro – Fábio Victor
Ano de Lançamento: 2022 – Minha Edição: 2022 – 446 páginas
As conversas entre alguns dos principais artífices da queda da presidente Dilma, Romero Jucá e Sérgio Machado, certamente entram para os diálogos mais importantes da história nacional. Entretanto, um trecho em especial chamou menos a atenção do que deveria: o primeiro, então ministro do Planejamento de Temer, avisava: “Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir.” Na época, os comentaristas e intelectuais entendiam como uma fala protocolar; em nenhum país do mundo se dá um golpe estado sem anuência dos militares.
Seria um pensamento natural. Depois de várias décadas bastante apagadas, as Forças Armadas brasileiras estavam completamente à margem da política e da sociedade nacional. Entretanto, em um espaço de, aproximadamente, dois anos dessa conversa, o governo federal estava totalmente aparelhado e ocupado por um sem número de militares; em cifras maiores que as da ditadura. Entender como isso foi possível é a grande pergunta do jornalista Fábio Victor neste livro.
Organizado em três partes, essa obra de Victor foi constituída como uma espécie de grande reportagem, composta por pesquisas, entrevistas, investigações e balanços do autor, que busca entender, primeiro, como o exército se comportou nos governos democráticos; segundo, como foi a trajetória de Bolsonaro, de uma figura execrável e banida pelo próprio exército a seu principal porta-voz; e, finalmente, a junção dos dois atores a partir da campanha do Golpeachment e, especialmente, o como se comportaram no governo do ex-presidente.
Apesar de ter achado a mais interessante, por me sentir mais à vontade no distanciamento, a primeira parte é a mais breve. Numa intensa retrospectiva, o autor relembra como Fernando Collor foi o presidente mais distante dos militares, mas que foi com FHC – apesar dos afagos do sociólogo – o pior período das Forças Armadas em termos financeiros e estruturais; e que com Lula a caserna passa a voltar a ser central dentro dos projetos desenvolvimentistas dos governos do PT.
Entretanto, uma coisa muda tudo: a Comissão Nacional da Verdade.

Apesar de ser um desejo antigo, ela é encampada pela presidente Dilma – uma das mais trágicas vítimas da repressão – e pretende, finalmente, após décadas, responsabilizar as forças armadas pelos crimes cometidos por seus agentes durante a ditadura. Outros políticos do partido e base aliada – citando Lula, Aloizio Mercadante, Aldo Rebelo, Celso Amorim – tentaram contemporizar. Eles imaginavam que haveria um interesse do próprio exército em resolver esse assunto, de uma vez, e criar uma distinção entre os integrantes atuais e os pretéritos das forças armadas.
Todos se enganaram profundamente: começando pelo fato que as Forças Armadas são uma organização profundamente arraigada em nepotismo, e os filhos e alunos dos torturadores serem os comandantes de hoje, o exército, em especial, entendeu a CNV como um golpe contra a instituição e contra eles próprios, pessoalmente. A Comissão foi um ponto de virada, no qual os militares decidiram sair do seu quadrado e ir para a disputa política como representantes de uma série de princípios – torpes e ilusórios, como veremos ao longo do livro e do governo Bolsonaro – da instituição.
“De pária a líder”
Nesse sentido, eles encontram a figura de Bolsonaro, e aqui entramos na segunda parte, que talvez seja a mais interessante de toda a obra por contar uma história mais subterrânea; e, nesse sentido, o conteúdo mais ímpar que Fábio Victor oferece. Realizando conexões e revelando informações descobertas por ele em suas entrevistas, ou trazendo de outras fontes. Como nem o ex-presidente nem os militares estavam no foco, muitos dos eventos não conhecíamos, e, se conhecíamos, não conseguimos fazer as devidas observações. E é nestes aspectos que vou me deter mais na resenha.
Como é de conhecimento público, o ex-presidente foi expulso do exército – e por muito pouco não foi preso definitivamente – após declarar à imprensa sua intenção de realizar atentados terroristas de extrema direita como protesto à redemocratização. Ao ser exposto, por ele mesmo, vale lembrar, em entrevista à revista Veja, e, posteriormente, repreendido pelo comando, passou a atacar os jornalistas e os comandantes militares, em especial o General Leônidas, ministro do Governo Sarney e grande artífice da transição de regime.

Esse confronto com as lideranças fez com que o futuro presidente fosse banido de qualquer instalação do exército, com notas e comunicados internos avisando que não deveria permitir sua entrada. Ele não se intimidou e existem até registros de seu carro sendo guinchado, em 1992, da porta da porta de uma base – o livro tem um rico “suplemento” de fotografias. Sua persistência, exemplificada por esse episódio, conquistava público; ele continuou fazendo barulho e, eventualmente, sendo eleito para o parlamento.
Durante a década de 1990, Bolsonaro criou uma base eleitoral focada em militares da reserva e seus familiares; funcionado como uma espécie de sindicalista desses grupos, defendendo fervorosamente os privilégios que eles têm – e que foram alvo de ataques durante os arrochos fiscais do governo FHC, a administração mais austera com as forças armadas. Gradualmente ele foi conquistando cada vez mais espaço, chegando na ativa, através da família militar.
Um conceito bastante importante apresentado pelo autor; morando nos mesmos bairros de classe média alta (notadamente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) a vida pessoal dos oficiais das forças armadas são extensões de seus ambientes profissionais. Os familiares de uns convivem com os outros – aliado ao intenso nepotismo das carreiras – o que cria uma espécie de uma amálgama; denunciar um torturador da ditadura atravessa camadas até ofender a cunhada de um recém aprovado na academia.
Paralelo a isso, conforme o prestígio da caserna foi caindo vertiginosamente nos anos 90 diante da opinião pública – na falta de melhor expressão – o núcleo duro das forças armadas foi fortalecendo seus laços internos. Trabalho feito através manutenção de seu grande inimigo, nesse contexto já imaginário, o Comunismo. Houve a criação de “grupos de estudos”, como o Guararapes ou Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), para manter viva a sua versão da Ditadura Militar e a publicação de “livros secretos” como A Grande Mentira ou Orvil; justificando os crimes e, paradoxalmente, terrorismo de Estado, como parte dessa grande guerra fria contra o Comunismo.
Apesar de os governos do PT terem sido o auge do exército, no período da nova república, com grandes projetos de modernização, compra de armamentos e desenvolvimento tecnológico – e, especialmente, a tentativa de colocar o país como potência militar e ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, cujo principal passo foi a MINUSTAH, no Haiti, local onde muitos dos futuros integrantes do governo Bolsonaro convergiram – o cultivo do anticomunismo sempre nutriu desconfiança entre as partes. Nesse sentido, o MST foi sempre o alvo da “segurança interna”.
Concomitantemente com a CNV houve a Lava Jato – e, ainda, as manifestações de 2013, o que Piero Leirner vai chamar de Tempestade Perfeita para os militares – e o rompimento das Forças Armadas com o Governo Dilma. E, para Fábio Victor, há a transformação definitiva do Anticomunismo no Antipetismo. Na outra ponta desse romance, há a reconciliação de Bolsonaro com o comando do exército – inclusive com direito a pazes entre ele e o General Leônidas em meados de 2010; que, quase que literalmente, um queria a cabeça do outro vinte anos antes.
Talvez o momento mais importante desse período, e que recebe um capítulo totalmente dedicado a ele, é o infame tweet do general Villas-Boas. No qual o comandante do exército ameaça o STF diante da possibilidade da corte conceder habeas corpus ao Presidente Lula no início de 2018, e, consequentemente, viabilizar sua candidatura à presidência. A maior parte da corte contemporizou essa manifestação, ainda que dentro das Forças Armadas a reação foi grande pela postura assumida do oficial mais poderoso do país. Depois de algum vai-e-vem, o general explicou, em 2019, que era uma mensagem para apaziguar ânimos de quem, na época, clamava por intervenção militar.
Através do tweet, e do apaziguamento, ele conseguiria prevenir a necessidade de uma intervenção armada ao invés de realizar uma intervenção para conter quem iria intervir. É mais ou menos nessa linha a justificativa, apresentada na página 176; a qual o autor completa: quem, senão os militares, que detonariam uma intervenção a ser contida pelos próprios militares?

“Eles são formidáveis“, declarou Michel Temer sobre os militares durante o seu governo, no qual esses eventos acima e outros momentos de confronto aberto entre os poderes aconteciam, tais como vídeos de um coronel xingando Rosa Weber e ameaçando com uma espada Gilmar Mendes.
Provavelmente cobrando o preço de apoiarem a queda de Dilma, embora isso seja apenas especulação minha, o papel dos oficiais intensificou-se rapidamente naquele governo, cujo principal ato nesse sentido fora a intervenção militar no Rio de Janeiro, em 2017. Mas foram diversas operações de GLO (Garantias de Lei e Ordem) por todo o país e até mesmo um inexplicável assessor militar no STF (veja ao final do texto).
Ao mesmo tempo, havia movimentações coordenadas entre os oficiais da forças armadas para o lançamento de candidaturas deles próprios nas eleições seguintes, resultado em 117 postulantes a cargos representativos no Brasil – e cerca de 1300 ao juntarmos com as forças policiais. O desfecho foi o governo que se seguiu a partir de 2018.
Meu exército
Na terceira, e última parte, o foco de Fábio Victor está no próprio governo Bolsonaro. Apesar de ser a maior, contendo cerca de 150 páginas, afinal foi um período de conturbações sem igual em nossa história, com eventos cada vez mais malucos e bizarros acontecendo em ritmo quase diário, com a criação de gabinetes e instituições paralelas dentro do próprio governo para contradizer e combater umas às outras; talvez seja a parte composta por mais informações que já conhecemos ou acompanhamos na época.
Por exemplo: explicar a desastrosa administração do MEC, que teve 5 ministros, o mais longevo responsável por um escândalo envolvendo pastores evangélicos e distribuição de verbas do FNDE; ou o secretário da Cultura que caiu após fazer apologia ao nazismo; o ministro do Meio Ambiente empenhado em fragilizar as legislações e; em especial, o Ministério da Saúde que trabalhou a favor da pandemia. Todos eventos que, infelizmente, nos lembramos muito bem.
O que o autor observa de força perspicaz é a simbiose entre o governo e as forças armadas. Um governo de militares e para os militares, em suas palavras. Há apresentação de algumas teses, de que, por exemplo, havia um vácuo de pessoal uma vez que Bolsonaro foi eleito por um partido de aluguel sem base política ou social, obrigando-o a preencher a administração pública com os fardados. Apesar de uma interpretação interessante, não me parece, pelas próprias análises de Victor, que isso explica o aumento de 285% de oficiais entre os cargos mais altos do serviço federal.
Ele desenvolve nas partes anteriores, justamente, a convergência de um cenário das Forças Armadas diante do Governo Federal e a trajetória de Bolsonaro como ativista político. E continua explorando como muito das coincidências e encontros se explicam através da intervenção no Haiti (a MINUSTAH) – a qual fazia parte, inclusive, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas – e da sua turma na AMAN – cujos integrantes mais destacados estavam todos nos postos máximos do exército, como generais de 4 estrelas.

Apesar da composição militarizada de fazer inveja à ditadura, isso não se traduziu em prestigio às Forças Armadas. Os investimentos ficaram congelados. Caso seja comparado ao maior orçamento histórico do Ministério da Defesa, em 2012, com o Governo Dilma, o melhor ano do Governo Bolsonaro foi três vezes menor. Também, afrouxar o controle de armas, posição que o exército (responsável por esse controle no Brasil) sempre foi contra, foi uma demonstração de fraqueza do “meu exército” diante do presidente, como Bolsonaro frequentemente se referiria a maior força militar da América Latina.
Da mesma forma, ficou escancarado, especialmente no combate à pandemia, a completa incompetência dos militares desencadeando uma perda de confiança diante dos mais diversos grupos da sociedade. O mais irônico foi quando o Ministério da Saúde foi chefiado pelo general Pazuello, o maior especialista em logística que já passou pelo Exército, mas que não conseguiu fazer chegar o oxigênio em Manaus; e enviou para Macapá vacinas destinadas à capital do Amazonas.
Há alguns capítulos dedicados a se aprofundar na relação dos militares uns com os outros e com os civis. Ele realizou várias entrevistas na composição deste livro e compilou algumas das reflexões dos próprios; que se sentem desprestigiados perante à sociedade devido ao legado da ditadura e, ao mesmo tempo, desumanizados pois ficam estigmatizados como apenas uma patente, conhecidos na vizinhança como “o coronel” ou “o sargento”, sem serem integrados à comunidade. Algo que Fábio até pondera ser verdadeiro, entretanto, contraditório.

Quando confrontados com o legado da ditadura, nenhuma das armas se dispôs a assumir os eventos do passado de forma pública e aberta. Optaram exatamente pelo contrário: por construir uma narrativa à parte, restrita a membros das Forças Armadas e seus descendentes, através de sociedades e publicações secretas. Nesse campo, o autor destaca o papel de Olavo de Carvalho e do notório torturador coronel Ustra – em conjunto com sua viúva, buscada incansavelmente por Bolsonaro para integrar o governo e seu ativismo – para levar ao público geral a versão construída exclusivamente por eles.
No cotidiano, os próprios buscam de forma feroz a manutenção de seus privilégios. Desde os auxílios financeiros a redes de serviços próprios, como saúde e educação, ou residência em bairros exclusivos, e tratamento especial em processos judiciais. Fortalecendo a noção da “família militar”, tão caro ao grupo. Nesse sentido, o Governo Bolsonaro foi norteado em suas ações ao seguir esses dois comportamentos; uma luta de vida ou morte contra moinhos de vento morais e ideológicos, aliada a um poderoso corporativismo.
Todavia, conforme a administração naufragava, em especial pela crise puxada pelo Ministério da Saúde, vários integrantes fardados deixavam o governo, nem mesmo o vice foi mantido na tentativa de reeleição. Alguns saíram denunciando posturas autoritárias – mas oportunamente o autor resgata uma frase dita pelo chefe do gabinete militar de Geisel: “Todo mundo vira democrata quando é excluído do poder“.
Poder organizado
Fábio Victor encerra o livro com a descrição das manifestações de 7 de setembro de 2022, que, de forma tragicômica, comemoraram o bicentenário da Independência no Brasil, de forma oficial, com a presença do presidente da República, ao enaltecer o apetite sexual do mandatário, aos gritos de “imbrochável”. Havia várias suspeitas e indícios de que estávamos na iminência de uma tentativa de golpe de Estado, “dois putsches em um“, como nomeou o capítulo final, anulada por movimentações internas.
Entretanto, com os eventos de 8 de janeiro de 2023, esses acontecimentos simplesmente foram apagados. Tive dificuldades de lembrar, parecia só mais uma das manifestações do grupo bolsonarista. Espero que o livro receba uma segunda edição com um novo capítulo sobre aquela tarde de domingo após a posse de Lula. Parece que tudo que estamos lendo caminha para aquele evento, mas o texto foi publicado semanas antes.
Diante do título, O Poder Camuflado, e até uma análise de senso comum, podemos esperar que a conclusão do livro seria de que os militares nunca saíram do poder após a Ditadura, ficando escondidos. Eu particularmente não acho que seja por aí. Não devemos misturar o fato de eles terem controlado a “abertura lenta, gradual e segura” do regime, e uma ativa participação no Governo Sarney, responsável pela transição; com a postura nas décadas de 1990 e 2000, nas quais, sim, ficaram totalmente marginalizados.

A questão que me parece, diante da obra de Victor, é que, controlando a mudança de regime, eles conseguiram criar uma barreira na qual o poder civil teve uma total incapacidade de ingerência perante o militar, ainda que supostamente subordinado – a reorganização em Ministério da Defesa, por exemplo, só se realiza em 1999 – o que o autor classifica como conciliação capenga. Isso permitiu que eles se resignassem e saíssem do debate público por iniciativa deles próprios – em todos os sentidos.
Na realidade, de certa forma, eles ficaram ainda mais inatingíveis que na Ditadura; uma vez que estavam totalmente fechados em si próprios, sem mais se expor – ainda que atrás do autoritarismo e repressão. Nesse sentido, sim, camuflados, sem serem vistos pelo público. E, ao mesmo tempo, essa invisibilidade foi o que permitiu manterem-se sempre organizados e cultivando desde seus mitos históricos, aos seus privilégios sociais e especialmente a reprodução de novos oficiais com o mesmo perfil.
A nota final de Fábio Victor, feita após os resultados das eleições de 2022 é de um tom pessimista; inclusive alertando para uma tentativa de milícias bolsonaristas de fazer sua versão da Invasão do Capitólio e que o decisivo de isso não se transformar em novo golpe de Estado seria a não participação da Marinha e da Aeronáutica – muito perto do que ocorreu em 08/01/23. Ele indica que não há energia (e nem força) para o novo governo eleito quebrar esse ciclo vicioso de formação de oficiais de extrema direita – um general que se dispôs a declarar acha que isso vai se resolver sozinho após o distanciamento temporal do final da ditadura, estimando 50 anos. Resta saber se vamos sobreviver até lá como um Estado Democrático de Direito.
Excelente (5/5)
Um esforço gigantesco do autor em conectar a história de bolsonaro e das forças armadas durante duas décadas e sua convergência no governo. Escrita fluida, didática e direta, revelando uma grande pesquisa e importantes conexões.
Militares e o STF: atualmente, em 2025, tidos como os principais algozes dos bolsonaristas, os juízes do Supremo Tribunal Federal foram importantes aliados dos militares em seu retorno ao poder. O conhecido tweet do General Villas Boas é um dos episódios mais famosos no qual o judiciário se subordinou à caserna; mas talvez o mais importante seja outro evento que ocorreu no Governo Temer.
Em 2017, após assumir a presidência da corte, Dias Toffoli foi ao Comando das Forças Armadas pedir ao referido general a indicação de um militar para assessorá-lo na nova função. Ele nomeou outro general para o posto. Algo inédito e, de fato, sem a menor explicação. De acordo com o autor, foi o momento no qual houve um acordo entre os principais ministros da corte e as Forças Armadas, garantindo que eles impediriam Lula de concorrer à Presidência – deixando o caminho livre para o projeto bolsonarista – e, especialmente, não teriam problemas com a Justiça, seja através de alguma revisão da Lei da Anistia (uma das reivindicações da CNV) ou dos assassinatos cometidos pelos militares nas operações de GLO no período.
Já esticando a corda, talvez tenha sido o momento no qual os militares cobraram a sua parte de terem garantido o acordo de Jucá e Temer – no qual o STF estava devidamente incluído, segundo os próprios.
Zona de Interesse: no filme de 2023, é contada a história da família de Rudolf Hoss, o comandante de Auschwitz, que ele decidiu colocar para morar em uma luxuosa casa que fazia muro com as instalações do Campo de Concentração. A uma distância de onde era possível escutar os tiros e castigos físicos, os gritos e lamúrias dos prisioneiros e até mesmo o cheiro dos cadáveres e da queima dos corpos.

O longa foca mais, na realidade, na esposa de Hoss, Hedwig, que tenta ser uma dona de casa exemplar. Traz amigas e parentes para visitar sua maravilhosa bela residência, sendo anfitriã de encontros familiares e festas. Ela vai fazendo inúmeras alterações e decorações na casa, cuidando do jardim e da piscina; sempre extremamente orgulhosa do lugar onde mora.
A viúva do coronel Brilhante Ustra, Joseíta, quando questionada sobre os crimes cometidos pelo seu marido, ela renega a todos, afirmando o quão gentil seu marido era e quão agradável era o seu ambiente de trabalho no DOI-Codi de São Paulo, que funcionava na delegacia da Rua Tutóia, na Vila Mariana. Ela rememora pois diz ter visitado o local várias vezes, e que, inclusive, Ustra tinha o hábito de levar ela e os filhos para passar as noites de natal no presídio; local em que, pelo menos, 52 pessoas foram mortas, e 6,7 mil foram presas por motivos políticos ao longo de 6 anos.
Lei da Inatividade e do Domicílio Eleitoral – um dos grandes componentes que levou ao golpe de 64 era justamente a reivindicação dos militares de baixa patente dos seus direitos políticos. Os regimentos internos proibiam os praças de concorrerem às eleições – além do cerceamento de vários direitos civis, incluindo restrições para casamento. Uma série de rebeliões e quarteladas dos militares, que encontravam simpatia no Governo João Goulart, eram entendidas como apoio dos civis à insubordinação.
Após consolidar-se no poder, Castello Branco elaborou uma série de reformas nas leis ligadas às Forças Armadas, entre elas as duas citadas. Em conjunto, elas estipulavam prazos para promoções dos generais e para sua migração para a reserva; também, restringia a um máximo de 2 anos de qualquer militar que assumisse cargos no serviço público civil; do contrário também iria para a reserva compulsoriamente.
Dessa forma, ele cercava as candidaturas dos militares que tinham esse direito – oficiais generais – ao posto em que estavam alocados, que seriam controlados pelo comando, e ainda dificultava ou afastava o interesse de novos oficiais em entrar na carreira pública. Na prática, o que ele fez foi afastar quaisquer possibilidades de outros oficiais mais importantes ou mais populares – como o marechal Lott e general Kruel, influentes políticos e comandantes – tentarem disputar o poder com o núcleo duro da conspiração.

Curiosamente, em 2020 algo parecido aconteceu. Após a “onda verde oliva” na política – conforme Fábio Victor batizou, o fenômeno da candidatura e da eleição de diversos militares impulsionados pelos usos das redes sociais -, o novo comandante do exército, general Pujol, decidiu por um regimento que regulamentasse o uso das redes por integrantes da força terrestre. O que acabou por afetar muito pouco quem já tinha engajamento na internet.
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