Poeira de Estrelas

Poeira de Estrelas – Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira – Editora Aleph

Ano de Lançamento: 1952 – Minha Edição: 2022 – 299 páginas


Depois dos contos da Fundação – transformados em uma trilogia mais adiante – que contavam o declínio da instituição que dominou toda a galáxia conhecida, Isaac Asimov deu continuidade à sua saga sobre o Império Galáctico após publicar Pedra no Céu, que contava a insatisfação da Terra de fazer parte dele. Entretanto, e aí sempre está a genialidade que separa os autores comuns dos imortais: ele não vai no óbvio. A série Império não fala sobre esse grande reino, e sim sobre sua formação.

Situado alguns bons milhares de anos antes do seu antecessor, em Poeira de Estrelas acompanhamos como uma parcela de vários planetas próximos à Terra – que já é aquele local desolado e radioativo – está sob o domínio da Tirania. Essa instituição se trata de um opressor império regional que foi dominando vários mundos ao seu redor e governando com mão de ferro; especialmente tirando a capacidade desses planetas realizarem a navegação espacial – e aleijando suas tecnologias, de forma mais geral.

O contexto que leva à formação do Império Galáctico é de que a humanidade, após se espalhar pelas estrelas, acabou retrocedendo a organizações feudais na sociedade e economia. Um grupo de nobres, mas vassalos dos Tiranos, lidera um pequeno grupo de oposição que sofre um duro golpe; um de seus principais integrantes, o Rancheiro de Widemos (seu título nobiliárquico) foi preso – e seu filho, um estudante na Terra, é alvo de um atentado a bomba. Ele é resgatado por contato de seu pai, e vai parar em Rhodia; um planeta apenas nominalmente independente da Tirania. Condição que está encaminhada para mudar, uma vez que sua princesa-herdeira está prometida de casamento a um dos mais altos oficiais tirânicos.

Apesar de eu ter elogiado Asimov por uma abordagem diferenciada da história do seu Império Galáctico, neste caso, através de um de seus predecessores, o que tem de mais único no livro termina por aqui. Impressionante como a tradicional criatividade do autor soviético aparece muito pouco neste livro. Os temas que se seguem são todos lugares-comuns da fantasia e ficção: uma princesa em apuros, e com um casamento que ela não deseja; um rei fraco que decide dar a mão da filha por motivos políticos para o vilão; o herói que não quer ser herói; o conselheiro duvidoso do rei; a mocinha e o mocinho se apaixonam à primeira vista… um bingo do gênero pronto.

Sei que é uma obra da década de 1950, mas é Asimov. Ele já tinha escrito muito de Fundação e, pouco tempo depois, escreveria As Cavernas de Aço. Parece que aqui ele entrou no piloto automático ou simplesmente desistiu da obra; até os desenvolvimentos também são pouco criativos. O protagonista, de repente, tem picos de clarividência e descobre todas as conspirações e as explica ao leitor em uma única fala; e isso acontece mais de uma vez.

A analogia histórica é interessante, em alguns momentos os personagens referem-se ao líder da Tirania como o Khan; o autor teria imaginado algo como os conquistadores mongóis avançando rapidamente sobre outros reinos feudais, como a Horda Dourada fez no leste europeu medieval. Há alguns elementos curiosos aqui e ali, mas o worldbuilding também é bem singelo. O que é o pulo do gato, é como Trantor (o planeta o qual originaria o Império Galáctico) sequer é citado; Asimov vai demonstrando como a humanidade se espalhou pelas estrelas sem organização e com essa distribuição desordenada e livre acabou retrocedendo para estágios feudais em termos socioeconômicos. Assim, os novos mundos se tornaram presas fáceis para grupos de humanos que conseguiram se organizar um pouco melhor.

Acredite se quiser, este livro vai lembrar o péssimo episódio A Glória de Omega, da segunda temporada de Jornada nas Estrelas da Série Original. É curioso como vários argumentos da Ficção Científica sempre se reencontram.

Claro que há uma moral por trás, e que não necessariamente é das mais nobres; ela é bastante controversa, na realidade. O autor advoga pela Pax Romana. O período entre os anos de 27 a.C. e 180 d.C. ficou conhecido por este nome ao corresponder à expansão, prosperidade e estabilidade de Roma em seu domínio pelo Mediterrâneo. Este é um conceito no qual uma ordem centralizada, e provavelmente autoritária, seria algo mais desejável que uma anarquia e desordem.

A controvérsia vem de isso funcionar como uma justificativa recorrente para o imperialismo e a subjugação de diversos povos no mundo e na história. A prosperidade é real, mas é restrita às classes dirigentes das potências coloniais, e vem às custas dos povos recém incorporados ao império. Isso fica especialmente problemático porque há um encerramento muito piegas, envolvendo, acredite se quiser, os Estados Unidos. E, na época, se falava em Pax Americana, para justificar a hegemonia dos EUA sobre o bloco ocidental. Este final, aliás, desagradou profundamente Isaac Asimov – ele conta que foi uma pressão do editor. Aliás, este livro é a obra menos favorita do próprio autor e, de fato, é a pior dele que já li – até os gênios tem seus dias ruins.

Ruim (1,5/5)

Um livro muito genérico com vários recursos surrados da ficção científica espacial e da fantasia; com uma resolução no piloto automático – nem parece ter sido escrito por asimov.

Horda Dourada – A inspiração para o Tirânicos vem dessa “nação” que existiu na baixa Idade Média. Originalmente parte do Império Mongol, que acabou se desmembrando após a morte de Genghis Khan, compreendeu a parte mais ocidental desse grandioso reino sob a liderança de um de seus netos, Batu Khan. Em seu auge, na virada para o século XIV, dominou a Europa Oriental, subjugando vários reinos europeus medievais, como a Hungria, Bulgária, Polônia e Rússia (na época o Rus de Kiev); empreendendo ataques a várias outras entidades do continente, como partes da Áustria e da Grécia.

Pintura do século XIV, de autor persa, retratando Batu Khan, o primeiro imperador da Horda Dourada, entre os anos de 1227 e 1255.

A fama da brutalidade e força dos mongóis, que influencia Asimov aqui, vem da convivência dos europeus com essas invasões, que atingiram possessões italianas e austríacas, e assim entravam no circuito político da Europa Ocidental. A palavra “horda”, que para nós tem um significado de uma multidão causando tumulto, trata-se de uma transliteração de “ordá“, palavra mongol para palácio ou quartel-general. Da mesma forma, khan era um título de comando do império mongol.

No livro, o retrato do escritor sobre os tiranos não é tão carregado de negatividade; é um império opressor (compostos por homens baixos e feios) e muito autoritário. Mas não há caracterização deles como bárbaros ou selvagens, por exemplo.

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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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