Parasite Eve – Hideaki Sena
Tradução: Ayumi Anraku – Editora: Darkside
Ano de lançamento: 1995 – Minha Edição: 2025 – 317 páginas
As mitocôndrias são responsáveis pela produção de energia dentro das células, descobertas em meados do século XIX. Entretanto, mais recentemente, também descobriu-se que elas possuem material genético próprio; o que deu força a teoria da simbiogênese, popularizada nos anos 60, na qual um dos principais motores da evolução seria que indivíduos em simbiose se transformariam em novas espécies. De acordo com essa proposta, as mitocôndrias, ou algo que as possuíam, há mais de um bilhão de anos no passado, se uniram a alguma forma de vida que deu origem à fauna e a flora terrestre.
Essa teoria faz com que elas sejam uma das coisas mais fascinantes no estudo da biologia – pelo menos é o que acha o escritor japonês Hideaki Sena. Neste livro, que foi sua estréia na profissão (originalmente ele é um cientista, doutor em farmacologia), o autor cria um drama e um monstro através de extrapolar o papel das mitocôndrias na evolução da vida no planeta.
O enredo começa quando a jovem e bela Kiyomi Nagashima sofre um inexplicável acidente de carro e têm morte cerebral; e seus órgãos seriam bons candidatos para doações. Seu esposo, o pesquisador Toshiaki Nagashima, não consegue processar a morte de sua amada, e faz uma complexa manipulação para garantir que ela tenha seus rins doados – isso porque, durante a extração, ele consegue convencer os médicos a permitirem que ele colete algumas células da esposa com propósitos educacionais. Após levá-las ao seu laboratório, ele começa a conduzir experiências com elas para acelerar sua reprodução e de, alguma forma, manter parte da sua esposa viva.
Enquanto isso, em paralelo, conhecemos a receptora de um dos rins: a adolescente Mariko Anzai. Sofrendo há anos com hemodiálise, ela já realizou um transplante antes, a partir do rim de seu pai, mas houve rejeição do corpo meses depois. E isso faz com que ela praticamente passe por esse novo procedimento, que seria um verdadeiro milagre para qualquer outra pessoa, contra sua vontade, em um drama muito pessoal. Com o passar dos eventos, percebemos que todos estão sendo manipulados por uma força maior: Eve.
Embora já tenhamos pistas desde as primeiras páginas, essa força maior só se manifesta no último terço do livro. Até então somos inundados com muitas informações sobre células renais, cirurgias de transplante, recuperação de transplante, hemodiálise, equipamentos de laboratório, coleta e cultura de amostras… há até um glossário sobre o que cada coisa científica citada. O que, isoladamente, poderiam ser coisas bem interessantes de se ter em um livro, mas não se traduz em algo instigante para nossa leitura.
Comparando, por exemplo, com O Enigma de Andrômeda, também focado nos procedimentos científicos, não chegamos nem perto. Naquele livro, o processo da descoberta é a essência da obra; aqui, com uma proposta de terror, o foco nos processos não tem impacto algum – bom, pensando bem, a burocracia acadêmica, também presente no livro, de fato, pode assustar muita gente.
Não me entendam mal, Hideaki Sena escreve bem; as últimas paginas quando, de fato, entramos no terror, as coisas ficam bem interessantes, grotescas e bizarras na medida certa. E, especialmente, os personagens são todos muito bons – o drama da jovem Mariko é muito profundo e talvez é a melhor parte da obra, mas ele contribui com quase nada do eixo principal da trama; poderia ser qualquer outra mulher no lugar dela.
Visivelmente, as descrições das partes científicas são coisas que o autor adora fazer – afinal é sua profissão real – e tem muito conhecimento sobre, mas definitivamente, não combinam com o suspense necessário para o gênero do terror. Especialmente porque as motivações e os elementos sobrenaturais seria impossíveis de corresponder ao rigor científico do resto do texto. E, se o drama dos personagens é bom, na realidade, eles acabam sendo secundários, afinal Eve é quase onipotente. É difícil explicar sem entrar em detalhes, mas a estória, no limite, não é de uma experiência que deu errado, que é o que o contexto geral nos indicaria – e acho que é o que Sena tentou fazer.
E realmente ficam mal explicadas; os poderes de Eve, com exceção da combustão instantânea, que é uma sacada boa com a produção de energia, são mal delimitados. Apenas no epílogo há alguns diálogos para mostrar quem sobreviveu (e é inacreditável) e para tentar nos fazer entender o que houve ao final, que simplesmente súbito – e a justificativa é algo completamente externo ao que nos é dado ao longo da estória, sem dar spoilers, tem a ver com uma característica real das mitocôndrias.
Este livro teve um grande legado, especialmente por conta de um JPRG marcante lançado para o PSX, e por ter feito parte de um movimento grande de descoberta do terror japonês pelo ocidente (em conjunto um longa-metragem de adaptação). Ele têm seus méritos e conseguiu deslanchar a carreira de seu autor como escritor, mas nem de longe é um jovem clássico que poderíamos imaginar pela fama que o título nos trás.
Ruim (2/5)
Tem um conceito interessante e bons personagens, mas o livro tem uma abordagem focada na burocracia científica que não combina com o terror, este que só começa mesmo no último terço da obra.
Série de jogos: Provavelmente você, assim como eu, se interessou pelo livro devido a fama excepcional do primeiro jogo da série baseada no livro; mas, neste caso, pode tirar seu cavalinho da chuva. O JPRG de 1998, lançado para o Playstation é uma espécie de continuação destes eventos – que servem apenas para explicar parte do background da vilã principal.

No game, que se passa nos EUA, uma policial de Nova Iorque assistia a uma ópera quando toda a platéia, de repente, entra em combustão instantânea, exceto ela, seu namorado uma das atrizes; que depois se identifica como Eve Foi um sucesso estrondoso, seja pela estória mais “adulta”, nos sentido do terror e do gore (a sequência na ópera é uma das mais polêmicas do PSX), e pela jogabilidade do JRPG por turnos adaptado ao cenário contemporâneo ao estilo de terror.
Uma continuação foi lançada em 1999, e, apesar de ser um grande jogo, perdeu o sistema de batalha e ficou mais ligado ao survival horror – foi produzido por pessoas ligadas a Resident Evil. Um terceiro, e último, game foi lançado para o PSP em 2010; mas já muito diferente, um tiro em terceira pessoa bastante conceitual e guardando muito pouco com o resto da série.
Adaptação: antes do JRPG, houve um outro lançamento adaptando o livro em um longa metragem, lançado em 1997. Filmado em pouco tempo e com o orçamento apertado, acabou não agradando nem o diretor do filme nem Hideaki Sena; este último queria uma estória mais focada no amor entre o protagonista e sua falecida esposa, e o primeiro mais focado no terror. Seu lançamento foi restrito, mesmo dentro do Japão, e avaliações medianas da crítica.

Mas, apesar disso, não chegou a ser uma bomba, recuperou o valor investido e teve alguma apreciação pelos críticos. O filme é considerado um dos pioneiros do terror japonês do final do século passado, que fez muito sucesso com o público, mas especialmente com os cineastas do mundo todo, que passaram a se inspirar naqueles longas – no ocidente, esse movimento é conhecido pelo lançamento de O Chamado.
Importante lembrar que como é baseado no livro, não guarda relação alguma com o jogo.
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