Babylon 5 – 3ª Temporada- Sem medo de avançar

As séries de ficção científica posterior a Babylon 5 são anões nos ombros de gigantes; tudo que gostaríamos de ver no gênero está presente aqui, em especial nesta terceira temporada. Novamente, de forma magistral, sabendo caminhar muito bem com seu plano de fundo, cada capítulo continua contanto parte de uma grande estória maior, sem deixar de terem cada episódio sua identidade própria com um enredo ímpar.

Os protagonistas são colocados diante de situações cada vez mais complicadas, nas quais eles precisam tomar decisões irreversíveis… e eles tomam, e sofrem as consequências! Coisa muitas vezes rara em seriados similares.

Babylon 5

Agradou: Construção do enredo, ritmo narrativo e um pano de fundo vivo.

Não me canso de repetir como a construção deste enredo de fundo de Babylon 5 é bem feita. Em todos os aspectos, cada capítulo contando um pouquinho da história de fundo, e cada personagem caminhando de acordo com os acontecimentos – um dos mais privilegiados nesse sentido é o coadjuvante Zack; até mesmo um membro secundário da estação tem essa atenção na série. Que, aliás, com Zack e Cole, consegue melhorar o uso desses personagens satélites, em relação à temporada anterior, na qual Na’toth e Keefer eram muito irregulares.

E parece que B5 faz tudo na hora certa, nada parece apressado, as coisas vão acontecendo no momento em que eram para acontecer. Não é coincidência, e sim a meticulosidade com a qual tudo é posicionado a cada passo dessa estória. Mesmo os episódios ruins – e há um número expressivo deles – possuem elementos para compor o pano de fundo.

E o melhor é que esse pano de fundo é vivo. O contexto da Terra, da estação, da política, das civilizações, vai se modificando conforme as decisões dos personagens vão sendo tomadas. Com exceção das Sombras, caricatas em sua maldade, a começar pelo nome, todas as facções são tridimensionais, se adaptando aos eventos que ocorrem em Babylon 5.

  • Segunda Guerra: continuando com a analogia que termina a temporada anterior, os eventos da Terra durante o conflito das sombras remetem ao posicionamento das potências ocidentais no contexto que levaria ao conflito mundial. Ao mesmo tempo que o governo de Clarke se pronuncia extremamente pacífico e completamente avesso a qualquer guerra; é extremamente vigoroso ao combater oposição interna, criando uma milícia fascista e mantendo relações com as sombras. Infelizmente, conforme comentamos abaixo, as questões políticas da Terra são esquecidas ao longo da temporada.

Não Agradou: Desfechos e explicações; arco do médico e esquecmento da Terra.

Antes de tudo, um aviso de que, no geral, tudo foi muito bom. São descontentamentos a seguir em vista de quão boa foi a temporada.

Dito isto, toda a competência de Babylon 5 em criar o crescendo de seus enredos de fundo, que ficam cada vez mais complexos de forma gradual e bem ritmada, e é o ponto alto da série, não se repete exatamente no desfechos dessas mesmas situações. Quando a principal guerra estoura, temos que nos contentar com uma explicação em off de um personagem – não é a primeira vez que isso ocorre, aliás – e a grande batalha antecipada na temporada inteira, acaba sendo morna apesar da grandiosidade.

Da mesma forma, se da primeira para segunda temporada, as explicações forma boas o suficiente para até mesmo passar a impressão que a troca de protagonista foi planejada; as amarrações aqui da terceira não se mostraram tão redondinhas. Nem vamos entrar muito nos saltos lógicos envolvendo a trama da Babylon 4, pois foi tudo meio “improvisado”, mas as explicações finais envolvendo as motivações das Sombras, em especial, sobre Z’ha’dum e os sobreviventes da expedição são fracas.

O que enfraquece também esta reta final é o desaparecimento da trama envolvendo a Terra. Se todo o crescendo perfeito que levou ao rompimento da estação com o nosso planeta foi o clímax da série, é estranho como tudo “se resolve” logo em seguida e as artimanhas de Clarke e seus milicianos fascistas são deixadas de lado. Confio que as coisas serão retomadas adiante, mas a sensação de estar faltando algo é grande, especialmente porque a temporada se inicia com a revelação da influência das sombras sobre o Governo Terrestre.

  • Médico e o Monstro – O dr. Franklin ganhou um longo arco para si mesmo, envolvendo sua busca por auto-conhecimento e até mesmo um grande (mas efêmero) amor. Entretanto, apesar dessa dedicação, tudo foi meio inócuo: não houve sensível mudança no personagem, nem mesmo no avançar da quarta temporada.

Melhor Episódio

Point of no return – Esta provavelmente é uma das melhores sequências de capítulos de toda a ficção científica; paulatinamente cada evento vai aumentando a crise política naquele universo ficcional e a situação fica cada vez mais complexas. Poucos são os seriados, ainda mais no contexto dos anos 90, que tem ou tiveram essa capacidade e essa coragem de ir avançando de forma decisiva no enredo. E acredito que o pico se deu neste episódio que, como o título denuncia, obrigou os personagens a tomarem decisões irreversíveis.

Tanto o anterior, Messages from Earth, e o seguinte, Severed Dreams, são tão ótimos quanto, mas os achei menos redondinhos. Especialmente esse segundo, que tinha tudo pra ser maravilhoso, mas precisou inventar um novo personagem devido à indisponibilidade do autor que esperava-se aparecer e perdeu um pouco de força. Ship of Tears conecta peças fundamentais do lore da série, referentes aos telepatas, e inverte a questão com Bester, que, desta vez, sabe menos que nossos heróis.

No final da temporada, outra sequência, ainda que não conectados diretamente, temos Interludes e Examinations, que é capaz de transformar a morte um personagem totalmente inexpressivo em um dos momentos mais comoventes do seriado. Infelizmente, temos uma opção de explicar o início do principal evento da série em uma narração em off e quebra a força daquela sequência. Em seguida, há especial em duas partes War Without End, no qual temos o fantástico desfecho do Comandante Sinclair. Grandioso e surpreendente, mas que exige uma certa boa vontade para aceitar as conveniências e explicações.

Gostaria que fossem melhores: 1) Sic Transit Vir – o simpático personagem Centauri tem sua chance de brilhar em alegorias com os diplomatas que cediam asilo político durante o Holocausto, mas como Vir sempre é tratado como alívio cômico, o capítulo perde o tom; 2) And the rock cried out – com uma das tramas mais sombrias do seriado, na luta entre Londo e Lord Reffa, convive uma outra que tenta ser cômica envolvendo religiosos, e até mesmo romântica com o primeiro beijo de um casal; e 3) Shadow Dacing – Apesar de uma grandiosa batalha final, antecipada por toda temporada, o episódio acaba sendo morno; carente de reviravoltas.

Pior Episódio

A Late delivery from Avalon – Poucas coisas são tão patéticas na indústria do entretenimento americano quanto alusões às lendas arturianas. Provavelmente a melhor interpretação da história do Rei Arthur foi uma paródia, em Monty Phyton e o Cálice Sagrado – não por acaso, é britânico, aliás. São raríssimas as vezes em que esse tema passa de ser algo a mais que uma jornada infantojuvenil. Em Stargate SG1, por exemplo, é interessante alguma conexão de que o rei mitológico e sua trupe seriam antigos, mas, nem de longe, constitui-se um enredo tão interessante quanto o arco dos Goa’uld.

Babylon 5 entra nessa longa sequência boba que os americanos têm de idealizar um monarca de seu colonizador – seria como se nós fizéssemos filme e novelas tornando heróis os reis de Portugal – e entrega um episódio sem pé nem cabeça. Indo do nada a lugar algum; temos um militar da guerra contra os Minbari sofrendo de estresse pós-traumático ou de culpa do sobrevivente passa a achar que é o Rei Arthur. ??? por quê??? Apesar de tocar marginalmente nesse lore da guerra, é um capítulo difícil de se manter acordado diante de tanto papo furado.

Além dessa bobagem toda, Ceremonies of Light and Dark busca ser um capítulo de profundo desenvolvimento de personagem, mas perde muito tempo em temáticas repetitivas de nossos heróis sequestrados por maltrapilhos em corredores escuros da estação. Logo no começo da temporada, temos Convictions, que cria toda um aura de atentados terroristas em B5, derivados da crise política da Terra, mas que no final é algo totalmente isolado e oco. E, ao final, Grey 17 is missing, se tornou um dos capítulos mais infames do seriado ao colocar Garibaldi perdido lutando contra alguém muito mal fantasiado de alienígena com armas artesanais – uma homenagem a Arena, de Jornada nas Estrelas: TOS?

Essenciais

Mais que as temporadas anteriores, o terceiro ano de Babylon 5 é uma grande estória muito bem contada em cada um dos capítulos, então a experiência ideal seria assistir a cada um dos 22 episódios. Entretanto, alguns realmente você pode pular sem dó. Como na quarta temporada de Star Trek Enterprise, vamos fazer o contrário; discriminar quais você pode deixar de assistir caso queria uma versão expressa do terceiro ano de B5.

Convictions, logo no começo, parece que vai fazer parte do arco maior do seriado, mas desencane, é totalmente isolado – e chato. A Day in the Strife é até divertido, mas contribui pouco, assim como Exogenesis. Cerimonies of Light & Dark, Sic Transit Vir e A Late Delivery from Avalon formam uma sequência de episódios ruins, curiosamente, imediatamente depois dos, talvez, melhores do seriado.

Já na reta final, infame Grey 17 is missing não vale seu tempo, e And the Rock Cried Out de relevante apenas há o primeiro beijo entre dois personagens principais, já aviso para que você posa pular.

Os demais, embora nem todos sejam muito bons, contribuem com informações importantes para o andamento do seriado.

XMatters of HonorMuito Bom
ConvictionsRuimPiores
A Day in the StrifeBom
XPassing Through Gethsmare Muito Bom
XVoices of AuthorityBom
XDust to dustBom
ExogenesisMediano
XMessages from EarthExcelenteMelhores
XPoint of no ReturnExcelenteMelhores
XSevered DreamsMuito BomMelhores
Ceremonies of Light and DarkMuito RuimPiores
Sic Transit VirRuim
A Late Delivery from AvalonMuito RuimPiores
XShip of TearsExcelenteMelhores
XInterludes and ExaminationsMuito BomMelhores
XWar without end (1)Muito BomMelhores
XWar without end (2)Muito Bom Melhores
XWalkaboutMediano
Grey 17 is missingRuimPiores
And the rock cried outBom
XShadow DancingBom
XZ’ha’dumMuito Bom
Com “X” os essenciais.

Babylon 5


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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