Holocaustos Coloniais

Holocaustos Coloniais: A criação do terceiro mundoMike Davis

Tradução: Alexandre Barbosa de Sousa – Editora: Veneta

Ano de Lançamento: 2001 – Minha Edição: 2022 – 433 páginas


O período entre o final da Guerra Franco-Prussiana, em 1870, e o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, foi uma época de paz, desenvolvimento tecnológico e prosperidade na Europa; a belle époque. Mesmo dentro dos limites do velho continente, essa frase já não se sustenta, guerras civis em vários dos países ainda ocorriam, assim com a exploração dos trabalhadores crescia a galope. Entretanto, a relativa paz internacional e a consolidação das potências europeias foi decisiva para a história mundial; um pequeno punhado de países concentrados no Atlântico Norte dominou o Globo em sua totalidade.

A Relação entre o que hoje se chama de Norte e Sul Globais – antigamente, os primeiro e terceiro mundos – foi moldada por essa virada do século XIX para o século XX. Totalmente oposto à sorte europeia, o resto do planeta foi devastado durante essa pretensa Era de Ouro, marcada especialmente pela intercorrência de grandes períodos de secas e desastres climáticos.

Entretanto, apesar dessa causalidade natural envolvendo o clima, a interferência europeia foi o que mudou a balança para que esses fenômenos da natureza se traduzissem em milhões de mortes e em brutais explorações coloniais.

Neste volumoso e magistral livro – originalmente intitulado Late Victorian Holocausts -, o historiador americano Mike Davis faz uma detalhada reconstituição das ondas de fome entre 1876 e 1902 em vários continentes; que, em comum, locais que se tornaram colônias britânicas (ou economias dependentes), privilegiando especialmente Índia e China – e, em menor medida, o Brasil. As cifras de mortes ocasionadas por estes eventos passa da casa de dezenas de milhões de vítimas; e o autor quer entender o porquê destes holocaustos.

Numa arrojada interdisciplinaridade, Davis usa as mais recentes – de até então – pesquisas geográficas que buscavam entender o fenômeno do El Niño (ENSO), que se intensificaram na década de 1990. Apesar de conhecido desde o final do século XIX, tornou-se algo mais estudado em tempos recentes após uma de suas edições mais intensas, em 1982-83. No livro, temos uma intensa retrospectiva dos estudos sobre ele – e sua contraparte, La Niña – dentro do campo da meteorologia, geologia, climatologia e geografia; Davis demonstra como existem as “teleconexões” entre regiões que sofrem sua influência; secas num continente enquanto inundações em outro.

Efeitos globais que mais se repetem durante o El Niño

Essa apresentação é especialmente cara a quem passou pelo ensino básico nos anos 90 e 2000; o El Niño era um tema frequente em aula. Não a toa: desde os registros oficiais, em 1877, sua ocorrência é causa direta de desastres ambientais e humanitários – seu primeiro registro é no século XVII, mas observações geológicas podem sugerir que ele existe há mais de 10 mil anos – e foi nos anos 90 que observou-se seu poder e influência na História Mundial.

Em resumo, para uma distribuição saudável de chuvas no planeta, existe um ponto mais ou menos ideal do aquecimento das águas do Oceano Pacífico, a chamada piscina quente, para que elas se transformem em ventos úmidos levados aos continentes. Quando há alteração na “piscina”, ficando quente demais em áreas onde não deveria, ou fora de posição (mais perto da Ásia), as chuvas não caem onde deveriam, muitas vezes antes de chegar nas costas, e clima mundial fica totalmente desregulado.

Entender essas conexões e relações foi uma febre do período: de repente o El Niño se apresentava como uma peça do quebra cabeça capaz de explicar todas os momentos chaves da história da humanidade, os desastres causados por ele se traduziam em subsequentes revoluções, guerras, golpes… E antes disso, pesquisadores buscavam tentar, então, prever quando os próximos fenômenos ocorreriam e, desta forma, prevenir as eventuais crises ambientais que se sucederiam.

Muito tempo foi perdido com isso; e o El Niño ainda está longe de ser compreendido totalmente. As Teleconexões entre secas numa ponta e tempestades em outras regiões nem sempre se concretizam, ainda que exista um certo padrão; a sua intensidade é quase “aleatória”, boa parte do século XX teve El Niños relativamente fracos até a década de 80; ainda não é bem compreendida a relação entre o aquecimento global e a interferência humana e a ocorrência dos fenômenos; e, especialmente, as previsões são extremamente incorretas.

Neste ponto está um argumento essencial de Davis: buscou-se, tanto no período da belle époque, como em anos mais recentes, tentar prever os períodos de secas e instabilidade climática, do que prevenir que eles se transformem em catástrofes humanitárias. Entender o mecanismo geológico e meteorológico não responde a pergunta do porquê dos holocaustos coloniais.

Davis passa a maior parte do texto explicando como as tragédias famélicas foram causadas diretamente por opções dos regimes coloniais; tendo como principal fator a integração forçada destas regiões à economia de mercado mundial – e estamos falando das maiores e mais populosas nações de então.

Originalmente, os vastos interiores agrícolas de Índia e China funcionavam em economias de quase subsistência. Existia produção de excedentes, mas ela era calculada de acordo com as condições sazonais, e distribuídos de observando as necessidades regionais – em várias regiões haviam armazéns comunais em que as autoridades locais estocavam alguns viveres justamente sabendo da instabilidade climática e econômica – e, claro, a repartição de tributos com os grupos no poder.

Para comparar a administração dessas crises climáticas cíclicas causadas pelo El Niño, e denunciar que elas não necessariamente transformam-se em milhões de mortes, Davis busca como períodos anteriores de ENSO foram vividos nessas duas nações. As pessoas na época não sabiam que passavam pelo El Niño, claro, mas estudos climáticos conseguem rastrear eventos anteriores, e o autor cruza com registros históricos indianos e chineses. E, de fato, houve seca, escassez, mortes, nos anos de turbulência meteorológica, mas nem de longe epidemias de fome.

Registo da praia de Madras, no qual milhões de sacas de grãos eram armazenados para serem exportados durante a grande fome, em 1877.

Mesmo em regimes autoritários como os Mughais e os Marathas na Índia, e a Dinastia Qing na China, as autoridades locais buscavam amenizar os efeitos da crise com estoques de alimentos ou construção de obras públicas: o Grande Canal na China, a maior obra hidroviária da humanidade, foi construído, renovado, mantido e corrigido por todas as dinastias chinesas por séculos. Na Índia, as obras de irrigação eram constantes e compensavam a irregularidade das moções.

Há alguns pontos sobre essas avaliações nos quais acredito que o autor escorrega um pouco a elogiar demais ou acreditar muito em nobres objetivos das elites dominantes asiáticas. Fontes de discursos ou documentações locais nas quais os dominadores alegam que, por exemplo, o bem estar do povo deve estar em primeiro lugar na administração pública são apresentadas como provas de que essa benevolência relativa existia. Qualquer elite nessa posição – inclusive os europeus – utilizavam argumentos, em menor ou maior grau, sobre as benfeitorias realizadas aos povos conquistados.

Ao deparar-se com as estiagens, os colonizadores recusavam-se a criar políticas para prevenir maiores consequências, conforme as fontes de Davis demonstram. Nada de obras de irrigação ou reservatórios, nem redistribuição de alimentos ou programas de empregos. Na realidade, a única coisa com investimentos foram ferrovias. A alegação britânica é que se houvesse melhoria na logística, seria possível levar os viveres de uma região para a outra, compensando as estiagens. Uma completa mentira.

Entretanto, Devis marca sua posição ao demonstrar que ações como essas, por mínimas que fossem, não foram tomadas pelas autoridades coloniais em nenhum dos Impérios do período vitoriano durante períodos de fome ou seca. Nem mesmo em escala significativa no autônomo Brasil – para o autor, éramos apenas nominalmente independentes; nossa economia era tão atrelada aos interesses europeus, britânicos em especial, que os investimentos em infraestrutura não recebiam aportes suficientes para serem realizadas caso não fossem atrelados às exportações – borracha e café, no período.

Certificado de ações da Brazilian Railway Company, empresa que chegou a ser holding de metade das ferrovias nacionais em seu auge, em 1917. Controlada pelo capital estrangeiro, seus projetos, que ignoravam problemas e questões nacionais, buscando o retorno alto e rápido para seus acionistas americanos e britânicos, foram responsáveis de catástrofes humanitárias e causas de guerras civis, como a construção da Madeira-Mamoré e a revolta do Contestado.

A mobilidade ferroviária serviu, de fato, para drenar os alimentos das regiões produtoras e levar para o exterior. Durante os períodos de seca, foram alcançados recordes de exportações na Índia, e mesmo as regiões não atingidas pela falta de chuva sofreram com a fome. A logística melhorada não garantiu o desenvolvimento da colônia, e sim sua violenta integração à economia de mercado mundial. Os excedentes passaram a ser direcionados para o exterior, da mesma forma também direcionou-se a produção agrícola para produtos de exportação, notadamente, o algodão – diminuindo o uso das terras férteis e úmidas para a produção de alimento.

Houve uma transformação social e política através dessa integração. Criaram-se instituições análogas aos cercamentos da Inglaterra (criação de propriedades privadas individuais no lugar de propriedades comunais) e houve a forja de uma burguesia no lugar dos senhores locais, que passou a coordenar a produção das exportações, e, especialmente, ganhando em cima da disparada de preços devido a baixa disponibilidade – são numerosos os relatos de massacres cometidos por forças de segurança contra pessoas que atacavam armazéns privados, que estocavam os produtos alimentícios para venda em momentos mais valorizados.

O livro entra em sua parte mais polêmica – que, na verdade, é a primeira na ordem do texto – ao demonstrar como a administração colonial era totalmente adepta a uma teoria Malthusiana, e sendo assim, de certa forma “planejara” a catástrofe. Entendendo que o crescimento da população chegaria a um número insustentável, as autoridades britânicas ficavam satisfeitas com as milhões de mortes, entendo como algo natural e saudável para colonização.

As ações britânicas iam sempre na direção contrária ao auxílio às vítimas, além de não realizar obras ou políticas emergenciais, os colonizadores buscavam impedir qualquer ação contra a fome. As medidas mais absurdas foram a proibição da caridade no Raj Britânico, que rendia multa e até prisão de pessoas que prestassem qualquer tipo de ajuda, e a instituição de uma espécie de “salário máximo“, o Salário Temple, para os trabalhadores braçais de várias áreas (que rendia até 450g diárias de grãos mais 1/16 de rúpia), alegando que assim haveria uma melhor distribuição dos recursos e impediria “anomalias econômicas”, algo que pioraria a crise. Isto é, para ajudar, havia o combo de Malthusianismo e Laissez-Faire, há gente demais para comida de menos, e não se pode interferir em nenhum dos desígnios do deus-mercado pois esse equilíbrio seria agravado caso buscasse corrigi-lo.

O Delhi Durbar, ou o Banquete de Dheli, de 1877. No auge da primeira grande fome do período, o vice-rei da Índia, Lord Lytton, governador do Raj, decidiu realizar uma gigantesca cerimônia para comemorar o título de Imperatriz da Índia, atribuído à Rainha Vitória pelo parlamento inglês. Como ela jamais pisou no país, foi um grande bacanal de auto-coroação de Lytton como seu representante no local enquanto até 9,6 milhões de indianos eram mortos pela fome.

Esta é a contribuição mais controversa da obra de Davis. Apesar do autor demonstrar em diversas fontes, de correspondências a atas de reuniões, que as autoridades coloniais, no Raj e nas Grã-Bretanha, deixaram os indianos morrerem de fome aos milhões e justificando sua atitude em bases teóricas do liberalismo da época, essa interpretação é apresentada quase que como uma teoria da conspiração. Pois teria sido um “erro honesto” dos líderes políticos do período, que achariam que, de fato, não fazer nada e impedir ajuda no combate a fome, resolveriam os problemas e traria prosperidade; e não se tratava de uma política deliberada de deixar as pessoas morrerem.

Havia fãs desses administradores ingleses no mundo todo, inclusive no Brasil; os políticos cearenses citavam as políticas de “combate à fome” britânicas como exemplo para as estiagens na província em 1877. Essa admiração resultou em catástrofe, como não poderia ser diferente; mais de cem mil refugiados invadiram Fortaleza em semanas levando a ondas de saques e massacres. A resposta do governo foi obrigar a migração forçada de trabalhadores livres para outras províncias. Enquanto isso, os grandes fazendeiros, lucravam absurdos com a venda de escravos para o sul, utilizando a mão-de-obra livre que se tornou mais barata que a cativa. Essa crise, de acordo com Davis, que precipitou a abolição no Ceará em relação ao resto do Império.

O autor ainda aponta que essa seca que tornou irreversível o quadro de transferência de riqueza e poder do Norte para o Sul do país, e selou o destino do sertão como área de pobreza e miséria desde então. E este é um padrão global; a criação do terceiro mundo, que persiste até hoje, ocorreu exatamente nesse período. As diversas potências do primeiro mundo estabeleceram ou avançaram suas colônias exatamente a partir da década de 1870; o Japão sobre a Coreia com um tratado análogo ao exclusivismo colonial; no sudeste asiático, incêndios florestais abriram caminho para expansão da produção de açúcar na Indonésia e nas Filipinas por Holanda e Espanha; na África subsaariana, os últimos redutos de poder africano foram esmagados por portugueses em Moçambique (avanços contra o Império de Gaza) e britânicos na África do Sul (contra os Zulu) – até mesmo os colonos brancos bôeres tiveram sua autonomia perdida nas colônias do Transvaal, Natal e Orange na Guerra dos Bôeres.

Mães de recém-nascidos na índia, em 1877.

As estiagens, longe de serem fenômenos efêmeros, deixavam conseqüências, que se já seriam devastadoras, decisivamente tornaram-se incontornáveis diante da inferência colonial. Além das trágicas milhões de mortes, a capacidade destes povos se reerguerem era nula. Lideranças exterminadas ou cooptadas, mão de obra incapacitada, e até mesmo a mortandade animal, por exemplo, impedia a retomada da produção agrícola no período úmido, pois os camponeses ficaram sem animais de tração para fazer o arado ou transportar cargas.

A única saída destas populações, de quase-nômades no interior da China; passando por ilhéus na Oceania, burocratas indianos, grandes guerreiros africanos; a até governos republicanos de grandes países na América Latina foi render-se ao capital europeu, notadamente o britânico, para tentar sobreviver durante a virada do século passado. Esse passo que acabou por selar a divisão entre o primeiro e o terceiro mundos no capitalismo mundial – ou entre norte e sul global, em termos mais atuais – quando as potências imperialistas garantiram a epidemia de miséria, fome, desgraça e milhões de mortes durante a virada do século XIX para o XX.

Excelente (5/5)

Uma obra prima de história e de interdisciplinaridade, com uma abundância de dados e fontes consegue fazer uma das mais completas e abrangente denúncia dos massacres e crueldades cometidos pelos impérios europeus.

Messianismo: no período entre secas, a partir da primeira onda na década de 1870, houve uma onda de movimentos messiânicos nos países atingidos. Líderes religiosos surgiam para guiar as massas famélicas, alguns com objetivo claro de expulsar os colonizadores, como a revolta dos kanaks na Nova Caledônia, outros de questionar as autoridades locais como os flagelados da seca nas Filipinas que se tornaram nômades buscando chuva em locais prometidos, e até aqueles que queriam apenas buscar novas formas de organização como em Canudos.

Este último exemplo brasileiro chama a especial atenção de Davis pela pouca ameaça real ao governo dos liderados por Antônio Conselheiro e brutalidade com que a República Velha empreendeu sua repressão e destruição; em um complexo jogo de legitimação política do novo regime e do perverso sistema econômico federalista.

Civis prisioneiros do exército após a destruição de Canudos.

Brasil: apesar de ser um dos locais mais privilegiados de análise do autor, no livro, a transição do texto para passar a falar sobre nosso país é sempre difícil – e rende um capítulo final sem conclusão. Como não era uma colônia direta e nem foi alvo de concessões o Brasil destoa em vários aspectos (normalmente a América Latina é sempre um assunto complexo e relativamente isolado das análises mundiais do período) mas tem um papel de mostrar que é uma exceção que prova a regra da criação do terceiro mundo.

Apesar de ser um grande país independente, e que inclusive exercia forte influência e capacidade de intervenção em seus vizinhos, vencendo a maior guerra já vista em seu continente, o Império era extremamente incapaz de resolver seus próprios problemas. Apesar de não contar com britânicos na administração, Londres ditava muitos dos caminhos tomados pelo governo Brasileiro.

Mesmo diante das constantes secas, as atuações da corte eram praticamente nulas para remediar suas mazelas; nenhuma obra ou auxílio era prestado. Além da natureza federativa do regime imperial, que largava as províncias a própria sorte, o financiamento das principais obras públicas no dependia do capital britânico. Este que, por sua vez, só financiaria infraestrutura que desse retorno para essa burguesia, notadamente ferrovias para escoar as produções de exportação.

Japão: a expressão da “exceção que prova a regra” é utilizada, na realidade, por Davis para o Japão. Como é de conhecimento geral, diante do feroz avanço das potências europeias na Ásia, o arquipélago iniciou uma rápida e cruel “modernização” após a expedição americana do Comodoro Perry em 1852 que forçou a integração econômica no mercado mundial no que ficou conhecido como Era Meiji.

Retrato japonês do Comodoro Perry, que sitiou Tóquio e ameaçou bombardeios caso o Japão não assinasse tratados de comércio com os Estados Unidos.

Davis argumenta que a regra da qual o Japão encaixa-se é que ele só conseguiu escapar da criação do terceiro mundo ao fazer o que os europeus faziam, remodelou sua economia e governo para praticar o neocolonialismo na região. Aproveitando-se das secas que assolaram a China, avançou sobre o império vizinho e passou a explorar a região da Coréia e da Manchúria a partir da década de 1870.

Entretanto, acho que acabou sendo um ponto cego da obra de Davis; como não há muito aprofundamento – e nem era o seu objetivo, sejamos justos – dá a entender que haveria uma forma de escapar dos Holocaustos Coloniais caso desse para “se organizar direitinho”. Até mesmo ao citar o avanço sobre a península coreana, o autor já chama o Japão de “potência oportunista”, então como explicar que aquele país que na década anterior estava sendo assediado economicamente pelos Estados Unidos através de acordos comerciais onerosos estava sendo capaz de fazer exatamente a mesma coisa na outra ponta da mesa, senão uma questão de se preparar para isso.

China: no polo oposto, acho que houve um pouco de dificuldade de explicar a exploração sobre os chineses. A descrição sobre as secas e as tragédias no país é excepcional – e triste – como todo o livro, repleto de dados e fontes. Entretanto, a situação da China, de fato, era diferente. Ainda que perdendo territórios estratégicos para estrangeiros, não estava sendo colonizada nem administrada por outra potência, como na Índia, ela foi alvo de seguidas guerras que geravam acordos e concessões cada vez mais onerosas ao país – notadamente as Guerras do Ópio. Da mesma forma, após a intensa Revolta dos Boxers (ou Movimento de Yihetuan), a postura europeia se torna cada vez mais agressiva e, na prática, o território chinês passa a ser controlado pelas potências estrangeiras.

Famosa foto com representes da “Aliança das Oito Nações”, com, respectivamente, soldados: britânico, estadunidense, australiano, indiano, alemão, austríaco, italiano e japonês – ainda enviaram tropas Rússia e França – designados para retomar Pequim durante a Rebelião dos Boxers e “proteger” a Dinastia Qing,

A explicação de Davis, de forma extremamente grosseria, é que a Dinastia Qing, que governava a maior parte do território atual chinês desde a década de 1640, entrou em decadência após viver seu auge no século XVIII, com problemas econômicos e financeiros resultantes, justamente, de sua autoritária administração. Uma vez vendo-se cercados por contestações, crises e rebeliões, parte dos administradores Qing tentaram negociar com os europeus, tirar o máximo de vantagem o possível da exploração, como meio de se manter no poder.

Acredito que acabou faltando mais explicações do autor referentes a esse problema – especialmente se compararmos com a trajetória oposta do Japão, sobre como não conseguiu resistir ao avanço europeu, como não conseguiu se “modernizar” e, especialmente, como as elites locais também contribuíram com a criação do terceiro mundo. Provavelmente esta é a principal questão que dei falta nesta obra magistral; focada no holocausto causado pelos europeus, não fica suficientemente destacado o papel dos poderosos locais nos desastres – característica mais específica de Índia e China, justamente, por serem antes da conquista poderosos impérios.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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