Alerta Vermelho – Martha Wells
Tradução: Laura Pohl – Editora Aleph
Ano de Lançamento: 2017 – Minha Edição: 2024 – 213 Páginas
Normalmente as obras da ficção que trabalham com a hipótese de robôs “rebeldes”, aqueles que param de seguir as ordens dos humanos, caminham para duas temáticas: a utopia robótica, menos disseminada, na qual as máquinas nos governam e cuidam do bem estar da humanidade; e a distopia, mais popular, quando somos exterminados ou escravizados por elas. Em Alerta Vermelho, obra premiada com o Hugo e o Nebula, temos uma outra possibilidade: um robô rebelado que só quer viver uma vida medíocre.
Neste livro, acompanhamos a história do “Robôssassino” (Muderbot, no original), como ele próprio se nomeia: um androide que faz a segurança de uma equipe de cientistas que está trabalhando em um planeta desconhecido e isolado.
A estória de Alerta Vermelho é bastante simples; em um bom sentido. Durante uma pesquisa de rotina dessa equipe científica, os tripulantes são atacados por um feroz monstro e por pouco, graças a intervenção do nosso protagonista, eles escapam com vida. Isso seria “normal”, não fosse o fato de aquele perigoso ser não estar no banco de dados que receberam da empresa que fornece tudo para eles: equipamentos, briefings, veículos, moradia, viagem, segurança.
A partir daí, eles notam que há uma série de lacunas nas informações referentes ao planeta; poderia alguém estar sabotando a expedição? Para ajudar, a fornecedora de tudo é, como toda grande empresa, extremamente muquirana: eletrônicos de segunda linha, veículos com defeitos crônicos e, especialmente, um andróide “reciclado”. O nosso protagonista é um robô que conseguiu hackear o seu próprio “módulo regulador” – software que obrigaria máquinas a seguir ordens – algo possibilitado por uma recauchutada feita nele após um incidente anterior.
Tem um quê de ficção científica clássica nesta obra, algo despertado pelo grupo de cientistas em perigo; um cenário que era muito comum, mas pouco revisitado ultimamente. Isso ao mesmo tempo sem tentar emular nada dos clássicos: o texto é contemporâneo em todos os sentidos. O personagem principal prefere se trancar assistindo séries que se relacionar com os demais integrantes do grupo, mesmo quando um tipo de laço afetivo entre eles é estabelecido. E o carro chefe é justamente a personalidade desse robô; para mim, um millenial, ele lembra muito um jovem da Geração Z.
O robô assassino sabe que ele, no fundo, é um produto meia boca de uma empresa, que detém numa espécie de monopólio ou oligopólio do ramo da exploração espacial, e que costuma fornecer tudo do ruim e do pior para seus clientes, trabalhando apenas com a redução de danos de suas questionáveis práticas de negócios. Puro suco do capitalismo tardio. Entendi como uma interessante analogia aos jovens adultos desta mesma geração citada, e mesmo nós millenials. Desafortunados que ingressaram no mercado de trabalho em uma época de decadência da atividade laboral, com direitos trabalhistas cada vez menores, direitos básicos com preços cada vez maiores (moradia, transporte); alta rotatividade no emprego, pouca fidelidade das empresas, que são absorvidas e desparecidas em meio a gigantescos conglomerados.
Trata-se de um texto curto; apesar das 200 e tantas páginas, a diagramação foi generosa com a fonte e margens para dar mais corpo ao livro. Percebi algumas justas decepções sobre este ser um título tão premiado (numa categoria intermediária de 17 mil a 40 mil palavras) ao mesmo tempo que é tão pouco ambicioso – mas essa, me pareceu, é a chave. Uma leitura muito agradável, devorei em poucos dias lendo por pouco tempo antes de dormir, consegue casar bem o cenário e o suspense com essa espécie de estudo de personagem sobre o androide cujo o única ambição na vida é viver uma vida medíocre um humano.
Muito Bom (4/5)
Um livro curto e simples que consegue dar uma sensação de “clássico”, com a equipe de cientistas em perigo, mas também contemporâneo, ao demonstrar um robô que reflete o cenário desesperançoso dos jovens adultos atuais.
Continuações: depois de receber tantos prêmios, era inevitável que a houvesse novos números contando a estória do ciborgue. E foram várias, a série, que ficou conhecida como Diários de Um Robô Assassino, continua recebendo lançamentos. O sétimo e último, System Collapse, foi publicado em novembro de 2023. Sem entrar em detalhes – eu também não quis ir muito a fundo para não estragar futuras leituras – o protagonista deseja descobrir mais sobre seu passado e mais dos podres da empresa.
Não há previsão de lançamento em português das continuações.
Adaptações: desde 2021 já haviam conversas sobre a adaptação do livro em formato de série de TV; mas isso se concretizou apenas no ano passado; e parece que vai sair. Através do Apple+, que já confirmou a escalação de todos os atores principais em dezembro de 2023. O serviço de streaming é o responsável pela horrorosa adaptação de Fundação, mas nenhum dos nomes envolvidos naquele crime tem a ver com este novo seriado.
São previstos 10 episódios, e ainda não está claro se cobriria apenas os eventos deste livro ou contemplaria as continuações. Eu particularmente acho curto para render tantos capítulos assim; veremos.
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