A reviravolta da história: a queda do muro de Berlim e o Fim do Comunismo – Marc Ferró
Tradução: Flávia Nascimento – Editora: Paz e Terra
Ano de Lançamento: 2009 – Minha Edição: 2011 – 102 páginas
A força com a qual as revoluções socialistas ocorreram durante o século XX, em ondas cada vez mais amplas a partir de 1917, aliada à consolidação da historiografia marxista, havia deixado a certeza no mundo que o Comunismo era algo irrefreável. Uma etapa integrante e inevitável do desenvolvimento da humanidade com a qual dever-se-ia cerrar fileiras – ou lutar incansavelmente contra. Quando, em novembro de 1989, o muro de Berlim foi derrubado pelos próprios habitantes da Alemanha Oriental sem repressão, essa certeza foi cada vez se esvaindo mais até dezembro de 1991 e a imagem da bandeira da Rússia imperial voltando a ser hasteada em Moscou.
Esses eventos deixaram os intelectuais do século XX desorientados, o que houve foi uma (ainda que previsível uma vez revistada pelos engenheiros de obra pronta), ou talvez, “a” Reviravolta da História – como este título, belo mas enganoso, e que não é o mesmo da edição original (veja abaixo), nos aponta. Várias foram as tentativas de compreender o que estava acontecendo com a humanidade; esta é a singela contribuição de Marc Ferro, historiador francês especialista em Revolução Russa e União Soviética, para este esforço.
Singela pois, como parte de uma iniciativa editorial francesa de divulgação científica da historiografia acadêmica, ao final de sua carreira, Ferró dedicou-se a publicar livros com uma abordagem mais informal e ágil; como O Século XX explicado a Minha Neta e A Colonização Explicada a Todos, e que é a mesma deste livro: perguntas e respostas, em 25 questionamentos.
Não acho um formato muito eficiente. Neste texto, especificamente, temos a maioria das perguntas muito boas, como as que abrem o livro “Por que esse Muro, por que Berlim?” ou “A época do Muro durou de 1961 e 1989. Foi uma época de força ou de fraqueza do mundo comunista?” todavia, outras soltas como, após perguntar sobre como o regime chinês sobreviveu, a seguinte é “E na Europa, o que acontece? “e o que toma lugar é uma discussão de pouco mais de 10 linhas sobre pluralismo partidário na China, Alemanha e Rússia.
O livro tenta emular uma conversa mas nunca te convence disso; claro que Ferró é um excelente historiador e a editora é tradicional, então conseguimos encontrar alguns elementos de uma resposta na pergunta seguinte; mas o pseudo-entrevistador reage de forma milimetricamente conveniente às respostas, especialmente as mais curtas, e as vezes ficamos em mente com uma sensação constrangedora: “só isso mesmo que ele vai responder“? Algumas falas de Ferro são elaboradas em várias páginas e outras em dois parágrafos, há uma irregularidade muito grande e constantemente são respostas insatisfatórias.
Dentre as observações de Ferro, que, apesar do formato, nunca deixam de ser pertinentes, a mais interessante de observar e que explicaria muita coisa, desde a queda da União Soviética como a permanência do regime na China, é que governo Gorbachev decidiu primeiro – e foi bem sucedido nisso – pela reforma política do socialismo através da Glasnost e da Perestroika, antes da reforma econômica, que nunca conseguiu implementar. A crise de desabastecimento para consumo, aliada à abertura do regime, agravou-se e a própria liberdade política passou a ser considerada responsável. Na China, teria havido uma abertura econômica primeiro, de forma estritamente controlada, contornou a crise e, assim, a reforma política nunca ocorreu.
É nítido que Ferro considera positivo o fim do Socialismo, entretanto, em comparação com outra leitura recente, de Tony Judt, aqui temos um esforço de analisar os eventos e não fazer propaganda estadunidense. O autor também é cético dos processos que fizeram o bloco socialista desmoronar, classificando-os como “Revoluções sem revolucionários“. As elites dirigentes dessas revoltas – oriundas dos altos escalões dos partidos Comunistas, da nomenklatura – que contestavam o regime tomaram as rédeas e apenas transformaram-se em elites dirigentes capitalistas, empregando brutais reformas neoliberais na sequência, com destaque ao polonês Lech Wałęsa.

Considero, entretanto, que há algumas escorregadas de Ferro: o autor comenta, para explicar a Ostalgia (neologismo alemão para saudades dos tempos da RDA, e expandido para saudades do socialismo), que isso foi causado pois as privatizações, demissões e demais crises sociais trazidas pela abertura econômica acabaram com a vida de milhões de pessoas e famílias. Com certeza. Isso é tema dos últimos capítulos do magnífico O Fim do Homem Soviético; entretanto, aqui o autor nos diz que “isso marca a falência da gestão econômica instituída pelo Comunismo, a qual era, no entanto, um de seus fundamentos” (p. 90). Exatamente o oposto; não que a economia do Bloco Oriental estivesse de vento em popa, mas a catástrofe causada após o fim do Socialismo nos países europeus, descria pelo próprio, foi causada precisamente pela transição ao Capitalismo.
Assim como as reflexões sobre a “questão nacional“. Após a queda dos regimes socialistas, por toda a Europa Oriental e Ásia Central explodiram movimentos ultra-nacionalistas que racharam todos os países; Tchecoslováquia, União Soviética, e, mais extremado, na Iugoslávia – que, com exceção da URSS, não foram formados pelos movimentos Socialistas, mas todos parecem se esquecer isso. O nacionalismo, “neutralizado” durante o século XX, volta a explodir quando no lugar das Repúblicas Democráticas Operárias, como elas se chamavam, voltam a surgir estados nacionais burgueses. Esse problema é apenas tangenciado por Ferro, que o cita diversas vezes, mas apenas como algo que os dirigentes soviéticos não souberam contornar.
E essa é a característica desse formato muito pouco efetivo da coleção “explicado a todos“, conforme abri o texto. Ao mesmo tempo não há espaço para aprofundamento em nenhuma das perguntas; enquanto nesta mesma resposta sobre a questão nacional há a citação de diversos políticos soviéticos difíceis até de se achar artigos na Wikipedia; se há uma concatenação mínima, não há uma linearidade (que ajudaria muito em um texto introdutório). O livro (e seus correlatos) entram num paradoxo, que acredito não ser exclusivo para o mercado brasileiro, exigindo um mínimo de conhecimento prévio, não atende nem quem quer ter um primeiro contato com o tema, e nem quem deseja se aprofundar mais – ainda, assim, pode suscitar novos questionamentos ou reflexões neste último grupo de leitores.
Bom (3/5)
Assim como os demais dessa coleção (que está escondida atrás do belo mas enganoso título) não é introdutório e nem profundo o suficiente para anteder leitores novos ou experientes sobre o tema – mas pode despertar algumas boas reflexões para quem já tem conhecimento prévio.
Escrito para crianças superdotadas – como parte da coleção da tradicional Editora Seuil, este volume originalmente se chama: Le Mur de Berlin et la chute du communisme expliqués à ma petite-fille; ou O Muro de Berlim e a queda do comunismo explicados à minha neta, em tradução livre. O que é perfeitamente plausível se a neta de Ferró já tivesse uns 25 anos, e estivesse, ao menos, no terceiro ano da graduação na Sorbonne – ou as crianças francesas são realmente superdotadas.
Para além da brincadeira, esse tipo de título não cola porque, conforme comentamos acima, o ritmo dessas perguntas não é de uma conversa – alguma coisa que Ferró apresenta em sua resposta que suscitaria uma outra curiosidade ou permitiria a expansão daquela dúvida original. A netinha metafórica do autor teria que saber previamente da Glasnost e da Perestroika, quem foram Gorbatchov ou Iéltsin, ou sobre o Solidariedade da Polônia e a Invasão do Afeganistão para poder formular as perguntas do livro – ou mesmo para entender as respostas.
Acho que o trecho que provavelmente fez com que os editores brasileiros optassem por abandonar o título foi quando Ferró estaria dizendo para sua suposta neta: “Você deve se lembrar de que o general Jaruzelski, cujo processo causou furor em 2008, havia declarado que sua proclamação do ‘estado de guerra’, em 1981, tivera como objetivo […]“. Fudida mesmo a netinha dele.

Título Enganoso – gostei muito do título da edição brasileira, porque para os estudiosos do século XX (ainda mais quem o viveu) a queda do Socialismo seria, de fato, o maior plot twist da História. Entretanto, como ele foi feito para remediar o absurdo da neta de Ferro, não casa bem com o conteúdo da obra. Porque, apesar de mostrar que os eventos eram relativamente inesperados, não aborda a questão disso ser uma “reviravolta”, nos sentido de que, influenciado por marxistas, mas não restrito a eles, imaginava-se que o Socialismo era uma parte inevitável da História da Humanidade, através da noção de que a trajetória da humanidade seria tensionada através da luta de classes e da exploração do trabalho – não a toa, um maluco decidiu decretar seu fim após os eventos de 1989-1991.
Esperança – alguns dos trechos mais interessantes são os que Ferro relembra os processos justamente durante a queda do muro, em 1989. Por exemplo, como não necessariamente imaginava-se a reunificação alemã; e talvez fosse conservada uma Alemanha Oriental, apenas não mais socialista – e inclusive esse era o desejo de boa parte da elite política francesa, que chegou a trabalhar internacionalmente para barrar a reunificação com medo do ressurgimento da velha potência rival.
Da mesma forma, assim como havia muito otimismo nos soviéticos com a abertura política da Perestroika, também não imaginava-se que a queda do muro seria o marco do fim do Socialismo; mas sim a inauguração de uma nova era do bloco oriental – e reflexo das novas políticas Soviéticas – e até mesmo no mundo todo.
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Um comentário em “A Reviravolta da História”