Lênin: uma introdução – João Quartim de Moraes
Ano de Lançamento: 2024 – Minha Edição: 2024 – 139 páginas
Depois de figuras míticas ou religiosas, o russo Vladmir Ulianov, mais conhecido pelo pseudônimo Lênin, foi um dos seres humanos mais influentes, senão o mais influente, da História. Sua capacidade como intelectual e como político não encontram paralelo com mais ninguém, ao menos nos tempos contemporâneos; em sua curta vida de 53 anos, escreveu obras que continuam sendo discutidas até hoje e foi o líder da maior revolução no maior país que a Terra já viu.
Diante de um contexto como esse, nada mais necessário um livro de introdução a sua vida e obra, escrito pelo cientista político João Quartim de Moraes, professor da Unicamp.

Nascido em 1870, na cidade de Simbirsk (atual Ulianovsk, em sua homenagem), nas margens do Rio Volga, no interior da Rússia, ele se viu arrastado para a política no seio familiar: seus pais eram ativistas pela educação no Império Russo, e seu irmão Alexandre Ulianov fazia parte do grupo radical “Vontade Popular”, que tentou assassinar o Czar Alexandre III em março de 1887 – o fracasso levou a execução de vários dos seus membros, inclusive Alexandre, enforcado em maio daquele ano.
Este é um dos primeiros debates que Lênin enfrentou como intelectual, já ao final da adolescência; a validade do terrorismo como arma política. Diante da total intransigência da monarquia russa: passando praticamente incólume ao iluminismo, ainda era absolutista e mantinha a servidão, empurrando a política cada vez mais aos atos de força bruta – o que se seguiu até os tempos da revolução, haja vista que o próprio foi alvo de um em 1923. Ainda que não condenasse o terrorismo, em abstrato, como atividade política, Lênin entendia que atos individuais não seriam o suficiente para mudar o país; só a classe operária teria esse poder através da Revolução.
Mas, mas que isso, o debate que protagonizou a juventude do revolucionário era entre os Marxistas e os Populistas (Narodniks). Estes últimos imaginavam que a estrutura servil e camponesa russa, recém abolida, mas apenas parcialmente, era uma forma, em essência, democrática e a construção de um país socialista deveria partir dessas bases – que, a grosso modo, imaginava pular do Feudalismo ao Socialismo. Algo considerado totalmente equivocado pelo grupo marxista, que já via as mudanças capitalistas acontecendo a pleno vapor na Rússia, e era a partir disso que a revolução deveria se concentrar. Este é o principal conteúdo do primeiro capítulo do livro; Anos de formação.
Na sequência em A Formação do Partido Revolucionário, o autor foca mais em ações práticas de Lênin, ao entorno da Revolução de 1905 – a primeira revolução russa. Como aconteceria novamente no futuro, ele estava afastado da Rússia, no exílio, quando os eventos começaram a desenrolar; mas mesmo longe, fez muito esforços para construir o POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo), sediando vários congressos pela Europa continental. O que provou-se acertado e frutífero: quando retorna à Rússia, o partido era composto de pouco mais de 8 mil militantes, e, um ano depois, em 1906, já se somavam 70 mil filiados.
É nesse contexto que emerge outro dos principais debate da carreira de Lênin: a cisão, dentro do POSDR, entre os bolcheviques e mencheviques, embora traduza-se literalmente maioria e minoria, a discordância era profunda. Com a “abertura democrática” do Czarismo, surgiu a oportunidade de fazer avançar a revolução burguesa na Rússia, e os mencheviques (posteriormente conhecidos como ‘brancos”) entendiam que o foco deveria ser ajudar a burguesia russa a se estabelecer no poder; enquanto os bolcheviques (os futuros “vermelhos”) entendiam quem essa empreitada deveria continua em conjunto com classe operária. E essa discussão se arrasta também no capítulo seguinte; os Anos de reação à Grande Guerra.

O quarto capítulo, Guerra e Revolução, é talvez o mais importante, afinal é o que engloba as revoluções russas de 1917. Diante da eclosão da Guerra Mundial, Lênin foi o principal líder da Segunda Internacional denunciando a postura dos socialistas que apoiavam seus países no conflito – sendo o exemplo mais claro dos alemães; nesta fase ele escreve aquela que, das suas obras, talvez seja ainda a mais utilizada e referenciada: Imperialismo, fase superior do capitalismo. Explicando como, naquele contexto, uma coisa era indissociável da outra.
Aqui talvez a parte mais mal explicada do livro, a queda do Czar é algo quase que “natural” a partir dos sucessivos revezes da Rússia na guerra. Mas logo já estamos com Lênin de volta ao seu país natal – estava exilado mais uma vez – e suas Teses de Abril para dar prosseguimento à Revolução após a queda da aristocracia e a importância da dualidade de poderes de modo a manter os sovietes vivos. E aqui está outra dificuldade da obra: separar a história de Lênin da história da Revolução Russa, que se acentuam a partir daqui.
Isto porque, na sequência, em poucas páginas, mas mais detalhados, já estamos na Revolução de Outubro, Lênin está no poder e busca de todas as maneiras encerrar a guerra, mesmo com a “Paz Vergonhosa” como próprio classificara, diante da Alemanha. E depois temos também algumas páginas sobre eventos que seriam o germe da guerra civil russa, referente à condição da Ucrânia; um território perdido pela Rússia. São eventos bastante interessantes, mas mal aparece a figura do biografado; provavelmente foram incluídos pelo contexto atual das relações entre os dois países.
Por fim, no último capítulo, batizado de Últimos combates de Lênin, há algumas apresentações factuais sobre episódios da Guerra Civil, mas a grande atração é a NEP (Nova Política Econômica), flexibilizando várias diretrizes do Comunismo de Guerra, para reconstruir o país depois dos seguidos conflitos. Momento no qual, de acordo com o autor, haveria conflito entre Lênin e Trotsky. O livro encerra com a fundação da III Internacional, e uma panorâmica sobre as demais revoluções que se seguiram à I Guerra Mundial – tais como na Alemanha e na Hungria – e o final da guerra civil.

O trabalho de João Quartim é fabuloso, condensar tanta informação sobre a vida e obra de Lênin em um livro quase de bolso deve ter sido um dos esforços mais complexos que um intelectual marxista já fez. Tudo é suficientemente bem reduzido e simplificado, dentro de um limite sem prejudicar a compreensão ou mutilar os temas.
O grande problema é a já citada confusão entre selecionar o que é referente a Lênin e o que seria à Revolução; como no outro livro desta incipiente coleção, sobre Marx, esperava algo mais dedicado as suas obras e conceitos. Eles aparecem, mas como ilustrações ou justificativas às movimentações políticas de Lênin. Mas o texto também deixa de falar sobre ele para focar-se em eventos da história da Rússia, não se tratando também de uma biografia.
Talvez mais elementos pré- ou pós-textuais poderiam ser utilizados para auxiliar nessa tarefa. Por exemplo, o autor cita em tom de bibliografia as obras lidas de Lênin para o texto – na realidade ele cita só que leu todas os 41 volumes da coleção em francês, provavelmente a editoração fez o favor de citar as que têm tradução em português – eu colocaria alguns resumos das principais, ou algum índice remissivo de quando elas aparecem no corpo texto.
Além disso é que, como todo marxista, o autor admira muito Lênin e isso se faz sentir em vários momentos no texto. Citações de Marx e Engels aparecem cotejadas com observações de Lênin – associando que ele teria a interpretação mais fiel de suas obras ao contrário de opositores como Plekhanov ou Trotsky, e até momentos involuntariamente engraçados; em determinadas situações ele explica como Lênin errou, mas que, mesmo errando, ele estava certo no pensamento que levou ao erro. Mas eu passo um pano, é inevitável admirar Lênin.
Bom (3/5)
O esforço de tentar condensar vida e obra de lênin em quase um livro de bolso é espetacular, mas o texto tem dificuldades em sepeparar a história de lênin e da história da revolução russa e, assim, foca menos do que esperava nas obras e conceitos do autor.
No lugar errado na hora certa: uma grande ironia da trajetória da história de Lênin é que no momento que eclodem todas as revoluções russas (a de 1905 e as de 1917), ele estava exilado. O que não é por acaso, em todos os momentos sua oposição ao regime o obrigava a fugir da Rússia ou dos principais centros urbanos. Ele estava escondido em um apartamento durante outubro de 1917, e deixou à sua amiga, de quem era a residência, um bilhete antes de seguir para a luta: “estou indo para onde você não queria que eu fosse. Até a vista“.
E antes dos episódios de fevereiro, Lênin estava na Suíça, exilado já há muito, após ser preso na Áustria. Para ser liberto, houve o intermédio de um deputado socialista austríaco que precisou convencer as autoridade dos país que ele era um inimigo irreconciliável do Czar. Sua passagem da Suíça pela Alemanha e Áustria de volta à Rússia, em 1917, fora facilitada pelas autoridades locais para colocar mais instabilidade no seu inimigo de guerra. E, por isso, foi acusado pelos opositores de ser um agente alemão na Rússia, o que o levou ao esconderijo citado acima.

Marx debatendo com Lênin: isso diretamente não aconteceu, mas, já no final de sua vida, o alemão foi questionado sobre o debate dos russos referente a transição do “feudalismo” direto ao socialismo (a herança do MIR), bandeira dos populistas. Marx correspondeu-se com Vera Zasulitch, uma ativista russa que estava também exilada, após tentar assassinar o governador de São Petersburgo, na década de 1880. Marx não concordava integralmente com essa posição mas ponderou que era seria possível. Lênin era só um adolescente no período, mas, como vimos, foi um opositor ferrenho dessa teoria (assim como a própria Zasulitch).
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