O Presidente Negro


O Presidente Negro – Monteiro Lobato

Data de Lançamento: 1926 – Minha Ediçao: 2003 – 202 páginas


Sabe aquela história que o Monteiro Lobato era racista? Então… confere. Este é um de seus raros escritos para adultos, e ainda mais rara ficção científica brasileira do início do século passado, motivos que me atraíram pra essa obra. Ela parte de uma premissa de invenção tecnológica curiosa, o “porviroscópio“, um inteligente neologismo que á nome uma máquina capaz de ver o futuro. Nesta história de Lobato, todas as ações geram ondas invisíveis no fluxo do espaço tempo, como um pingar em uma poça de água. A máquina, de posse um cientista no Rio de Janeiro, no começo do século XX, é capaz de envelhecer estas ondas e ver o futuro.

Racista serve mas não é bem a palavra para Monteiro Lobado, ele era um grande admirador da eugenia (pseudo-ciência que classifica os humanos em sub-raças e espécies). E esta obra é sua utopia – sim, uma utopia e não uma distopia – eugenista, descrevendo uma visão dos Estados Unidos daqui a alguns séculos, onde o povo do país se organizou em partidos políticos de acordo com sua raça: partido dos brancos, outro partido dos negros e ainda o partido das mulheres – aliás, para não faltar polêmica, as mulheres também são uma sub-espécie humana nesse futuro. E na eleição de 2228, os três partidos chegam com chances de eleger o próximo presidente americano.

Embora a eugenia ainda teria seus “notáveis” adeptos até a segunda guerra mundial, a desculpa de ser a obra de “um homem de seu tempo” não cola. Machado de Assis já escrevera O Alienista com uma sátira fantástica e ácida da eugenia antes mesmo de Lobato nascer, meio século antes. Este livro é um manifesto pela eugenia e um vislumbre de grande futuro através dela. E não há margem para dúvidas, já que em vários momentos o personagem no presente (1926) lamenta que seus contemporâneos não enxergam o potencial da “ciência” – aliás, esse arco do personagem, isolado em sua visão, denuncia como a eugenia já estava em declínio intelectual no contexto de escrita e publicação do livro.

Foi lançado originalmente como
“O Choque das Raças”.

Sobre a obra para além da sua mensagem, não é muito agradável justamente por conta da premissa de observar o futuro: é um livro dentro do livro, o protagonista do presente passa a obra escutando as visões do futuro da personagem que utilizou o poviroscópio para um dia escrever sobre isso, e apenas isso. Não há ação praticamente se desenrolando no tempo dele. O que significaria que toda a história poderia então se passar já no futuro, sem a necessidade de um intermediário.

O final é um espetáculo de bizarrice a parte, sem dar spoilers, tem a ver com alisamento capilar. Para a data da publicação, este livro já era ultrapassado, ainda que o racismo exista até hoje, a perspectiva de uma nação pura etnicamente, baseada na eugenia, no Brasil o que se gestava entre os intelectuais era o que ficou conhecido como o mito das três raças. Presidente Negro não serve nem como fonte do período.

Muito Ruim (1/5)

Uma utopia eugenista, racismo do início ao fim, com um desfecho pra lá de grotesco. Como texto, é bem tedioso também, isto pois a narrativa é “terceirizada”, vocÊ lê uma outra pessoa lendo uma hsitória. Além, serve mal como uma fonte do período, pois o que ele defende já estava em declínio.

Eleições de 2008: nas eleições primárias americanas daquele ano, a indicação dos Democratas ficou entre Barack Obama e Hillary Clinton, o que fez esta obra ser revisitada, inclusive nos Estados Unidos, recebendo novas edições.

Nacionalismo e Modernismo: Monteiro Lobato dedicou suas obras a uma perspectiva nacionalista, no sentido de privilegiar a cultura brasileira e não se basear tanto na forma e conteúdo da arte européia – por isso suas histórias infantis são tão focadas no folclore nacional. E, na época, essa postura era bem avançada para o Brasil, que, na República Velha, ainda vivia olhando para o exterior em quase tudo.

Na mesma época, surgiu um outro grupo com premissas muito parecidas, que foram os modernistas. Entretanto, assim como alguns outros que foram se descolando com o tempo, Monteiro Lobato não compactuava com as propostas para superar essa dependência externa. Uma delas era esta questão racial. A proposta que foi adotada por uma parcela dos modernistas que ingressaram no Governo Vargas foi o Mito das Três Raças, que é quase que uma eugenia de cabeça para baixo.

Partindo também da premissa que existem raças, esse mito conta a construção do país a partir da união dos esforços dos três povos que foram nossa gênese na Colônia; o branco português, o negro escravo e o índio nativo. Muito longe da pureza racial defendida por Lobato. Importante lembrar que, por outros motivos, e esse mito foi duramente criticado por justamente ter uma premissa racista e por vender uma convivência pacífica entre os povos que compuseram o Brasil.

Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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