A Guerra da Espanha

A Guerra da Espanha (1936-1939) – Pierre Villar

Tradução: Regina Célia Xavier Freire – Editora: Paz e Terra

Ano de Lançamento: 1986 – Minha Edição: 1989 – 110 páginas


Antes do início “formal” da segunda guerra mundial, com a Invasão da Polônia, já existiam diversos conflitos ao redor do globo envolvendo os futuros beligerantes, em especial no extremo oriente, com o avanço do Império Japonês sob a China. Entretanto, mais próxima a nossa realidade latina, a primeira batalha da Segunda Guerra, sem dúvida, foi aquela travada em um país “neutro”; a Guerra Civil Espanhola.

Nesta rápida mas profunda análise de Pierre Villar, notório historiador especialista em História da Espanha, ele busca fazer uma retrospectiva do conflito ao mesmo tempo em que tece agudas e densas reflexões sobre os eventos o contexto do país ibérico, em uma perspectiva marxista, corrente da qual o autor era “filiado”.

Villar inicia o livro com um complexo contexto da Espanha da Segunda República (1931-1939), compilando o que ele classifica de Os Desiquilíbrios Estruturais: os sociais, de um país no qual ainda havia extenso uso de latifúndios quase feudais, convivendo com importantes centros industriais, nos conflitos entre uma política extremamente autoritária e efervescentes movimentos populares; os regionais, envolvendo os, igualmente, multifacetados, nacionalismos internos, que dificilmente seriam “confiáveis”, pois incluíam a burguesia regional que tinha sua agenda própria de acordo com as questões que surgiam no período; e os espirituais, na espinhosa relação entre a Igreja Católica e a sociedade Espanhola. Além disso, o autor ainda contribui com a análise conjuntural internacional e interna.

Em seguida, o texto realiza uma ágil retrospectiva dos eventos da guerra, mas pontuada por outras tantas reflexões. Por exemplo, como a guerra, na realidade, começou como um tradicional pronunciamento; conceito que Villar usa para caracterizar tentativas (bem sucedidas ou não) de golpes militares de estado na tradição hispânica (peninsular e americana) que ocorreram às centenas no país. Um grupo coeso de militares – muitas vezes ligados por tradições familiares – se manifesta sobre a situação política e se posiciona em cargos ou locais chaves e a partir daí há uma queda de braço entre governo e sublevados.

Conhecido pelas mais de 600 mensagens de rádios transmitidas durante a Guerra Civil na Andaluzia, o general Queipo de Llano foi o grande vitorioso da fase do “pronunciamento”, como aponta Villar. Foi bem sucedido no golpe em Sevilla e administrou o sul sublevado, garantindo um ponta de lança para as tropas vindas do Marrocos. Foi um grande líder da repressão, ordenando milhares de execuções sumárias nas primeiras horas do conflito.

Por uma série de razões, dentre as quais, a morte acidental do principal líder conspiracionista (general Sanjurjo) em um desastre aéreo, o pronunciamento falha em tomar o poder, mas, ao mesmo, é vitorioso em criar pontas de lança, em especial na Andaluzia, ao sul do país, que recebe o aporte de tropas e generais “marroquinos”, vindos da colônia africana – dentre eles, Franco. A partir daí, abre-se uma situação de certo ponto até inesperada, uma guerra civil com a divisão do país em duas zonas, uma republicana e outra sublevada.

Apesar do desfecho desfavorável, Villar aponta que a vantagem do ponto de vista geográfico era dos republicanos: com a maior parte das indústrias, grandes cidades, uma zona mais contígua, estoques bélicos e até mesmo com maior controle da Força Aérea – sendo a grande desvantagem, assim, o poder dos falangistas sobre as zonas de produção alimentícia. Como explicar então a sofrida derrota?

O autor aponta diversas razões: na Zona Republicana havia pouca centralidade de poder e organização; o Norte fiel à república não era tão simpático nem a Madri nem a Barcelona, outros dos centros de poder; como da mesma forma eram os catalães com o resto do país. E mesmo internamente, havia o desejo – ou mesmo ilusão de acordo com Villar – de realizar revolução social ocasionada pela guerra, algo que entrava em confronto direto com a necessidade de centralização de vista pelo governo nacional diante do avanço franquista. Nesse sentido, as classes dominantes na zona republica viam, paulatinamente, com mais desconfiança os movimentos populares e mais simpatia pelo lado reacionário.

Decisiva também foi a postura internacional diante do conflito; apesar do governo republicano ter o Estado nacional espanhol e seu tesouro em mãos; era mais fácil para os franquistas conseguirem alimentos, combustíveis e armas. A questão era clara: desde os primeiros dias, Itália e Alemanha apoiavam a sublevação militar, e a política do resto da Europa era de não molestar o regime nazista. A disputa política na França, país governado pela esquerda, para apoiar o governo espanhol foi ferrenha mas tornou-se dominante o medo de uma reação alemã a uma ajuda francesa aos republicanos.

Após o “interlúdio” com a retrospectiva do conflito, Villar retorna para as profundas análises: como funcionava a economia e a sociedade e cada um dos campos. Na zona franquista as coisas eram muito mais “fáceis”: com a perseguição e execução de lideranças importantes, restou apertar a repressão, realizar um profundo enquadramento social e controlar a produção de excedentes, privilegiando os produtores médios e grandes – em contrapartida a cessão de pequenas pensões para aliviar a base da pirâmide.

Exército Basco combatia com sua própria bandeira durante da Guerra Civil, e firmou um acordo de rendição em separado ao final de 1937 contra as tropas italianas que invadiram a região.

Enquanto isso, na zona republicana, o autor argumenta, não havia coerência alguma, tanto em economia como em política. Cada região, no limite, fazia sua própria organização – que foi algo longe de ser romântico no contexto de uma guerra tão brutal. Houve locais coletivizações forçadas no mundo rural, tomada de fábricas na Catalunha, mas também a experiências de nacionalismo burguês no país Basco e tentativas de Social Democracia na região central. Como importante marxista, Villar tem muita preocupação nessas análises específicas.

Não só pela diagramação, edição da Paz e Terra, ou mesmo o “perfume” característico de livros dessa idade, este é um livro “de antigamente”. Raros são os trabalhos atuais que de dedicam a questões tão complexas (e ainda mais de forma tão breve) e tão genuinamente marxistas – reflexo do contexto acadêmico pós-guerra fria, mas não é uma discussão para agora. E isso, obviamente, tem seus pontos positivos e negativos: se você sabe praticamente nada sobre a Guerra Civil Espanhola, continuará não sabendo lendo essa obra. Ela requer conhecimento prévio dos eventos e da Espanha do período (e de marxismo); funciona quase que uma contextualização dos diversos problemas e questões do país durante o conflito.

Muito Bom (4,5/5)

Uma análise fulminante de um dos eventos mais complexos (E confusos) do passado recente. Villar vai profundo nas contradições sociais e ecônomicas da Espanha em um livro não muito simples de ler e que requer conhecimento prévio dos eventos e da espanha.

Acordos de Munique – Um dos capítulos mais infames da história recente do mundo; nos acordos celebrados na cidade alemã, as potências ocidentais decidiram permitir a invasão da Tchecoslováquia pelos nazistas em troca da “paz”. A estratégia era deixar os alemães a vontade para caminhar na Europa Oriental contra a União Soviética; e eles entenderam também a mensagem de que França e Reino Unido estariam dispostos a ceder o que fosse preciso para evitar um conflito direto contra a Alemanha.

Este clima atravessou os Pirineus e impactou diretamente a Guerra Civil Espanhola. A situação internacional já era patética: os ingleses criaram o comitê de “não-interferência” na Espanha, no qual a Alemanha, que desde o primeiro dia já ajudou a transportar tropas marroquinas para a Andaluzia, era uma das líderes, mas Munique foi o último prego no caixão da República.

Os nazistas encaminharam ainda mais suprimentos e armas aos falangistas, e os próprios dirigentes republicanos, encurralados em Madri, Valência e Barcelona já passavam a assumir a derrota – que viria definitivamente 7 meses depois – pois o cenário Internacional oficialmente passava a aceitar a expansão nazifascista na Europa. Por outro lado, Hitler aguardava a reação dos rivais políticos as vitórias franquistas na Espanha para medir o quanto poderia exigir nas negociações.

A ridícula montagem fotográfica que Franco fez de seu encontro com Hitler durante da Segunda Guerra e distribuiu pela Espanha.

Mineração Alemã – E a troco de quê a Alemanha investiu tanto na guerra civil espanhola? Apesar de ter sido um campo de teste para o armamento alemão, a Espanha nunca foi vista como uma importante aliada na luta contra Inglaterra e França. Durante o conflito mundial, seguidas vezes Hitler solicitou a Franco que fosse mais comedido com relação a seu entusiasmo pelo nazismo com medo de abertura de mais um front no combate – conforme está na obra de Antony Beevor.

Aqui, Villar desnuda importantes interesses: o governo franquista se endividou com o alemão e o italiano, claro, mas também forçou a abertura de capital de empresas espanholas para os germânicos. Empresários nazistas obtiveram grande participação em empresas da zona republicana conquistadas pelos sublevados. Os empresários ingleses e americanos protestavam e, até mesmo, entraram na disputa econômica, emprestando mais dinheiro e combustível a Franco para ganhar em cima da tragédia espanhola. Entretanto, após os acordos de Munique, isso também se reverteu positivamente para o nazismo e a burguesia alemã, que passou a abocanhar, sem resistência, 75% do controle de empresas mineradoras da Espanha.

As primeiras batalhas – Villar fecha com uma importante observação que ele resgata; a Guerra Civil Espanhola foi a primeira batalha da II Guerra Mundial: o fascismo avançou sobre uma República Social Democrata. Mas, se o conflito mundial terminou com a derrota da extrema direita, como explicar a longevidade de Franco, que manteve seu regime até 1975 (a espelho do vizinho Salazar em Portugal)? A Guerra Civil Espanhola também foi a primeira batalha da Guerra Fria; permitiu-se uma península Ibérica parada nos anos trinta governada por fascistas como modo de evitar convulsão social na Europa Ocidental.

Na Espanha, a queda do fascismo deu lugar a uma transição ordenada. Já em Portugal, a última Revolução do ocidente derrubou o salazarismo.

O Império Derrotado

O último Império Colonial a cair, a última revolução no ocidente; o que não falta é relevância à Revolução dos Cravos. Aqui, o autor deseja entender, na verdade, como dela saiu um Regime de Estado de Bem Estar Social.

Apaixonado – Um dos historiadores mais curiosos do século XX, Pierre Villar é bastante lembrado por ser um dos raros pensadores com trânsito livre entre os marxistas e a escola dos Annales na França. Embate no qual até a CIA americana interferiu nos anos 60 e 70, ao tutelar a distribuição de bolsas de pesquisa de modo a cortar verbas dos marxistas e facilitar a dos “estruturalistas”.

Tive oportunidade de ser orientando de uma orientanda de Villar, e a professora D’Aléssio comentava como o francês era apaixonado pela Espanha e sua história. Um importante incremento nessa história de amor entre estudioso e objeto é que Villar estava na Espanha, em Barcelona, lecionando, quando a guerra civil foi iniciada – e, prudentemente, foi embora pouco tempo depois. Em vários pontos do livro, ele acrescenta anedotas dos tempos em que viveu na curta República Espanhola, entre 1931 e 1936.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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