O Império Derrotado

O Império Derrotado: Revolução e Democracia em Portugal – Kenneth Maxwell

Tradução: Laura Teixeira Motta – Companhia das Letras

Ano de Lançamento: 1995 – Minha Edição: 2006 – 331 páginas


Durante a invasão e ocupações simultâneas do Iraque e do Afeganistão, cerca de 1 milhão e meio de militares estavam na ativa dos Estados Unidos, em 2005. As vésperas do fim da Guerra Fria, em 1989, eram aproximadamente 2,2 milhões de pessoas nas Forças Armadas dos EUA. Em 1974, 1 milhão de portugueses (dos 9 milhões de habitantes) haviam servido nas guerras coloniais, contra os movimentos de Independência em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde – 1 em cada 4 homens adultos estava alistado.

Os custos para se manter o último (e também fora o primeiro) Império Colonial europeu eram exorbitantes e o assunto era até mesmo uma espécie de Tabu; era impensável abrir mão das colônias. Precisavam continuar a ser portuguesas por que sim – a primeira voz pública a falar sobre a descolonização foi o General Spínola (que governara a Guiné) já em 1974, semanas antes da Revolução estourar.

É nesse contexto que a luta para derrubar o regime salazarista, uma ditadura fascista que governava Portugal desde 1930, partiu justamente dos militares e dos movimentos de Independência de suas colônias. Naquela que ficou conhecida como a Revolução dos Cravos, flores levadas nos canos das armas dos militares naqueles dias, de uma forma relativamente pacífica, sem combates armados, nossa antiga metrópole saiu do entreguerras direto para o Estado de Bem Estar Social – e quase instalou uma República Soviética na Europa Ocidental nesse interim. É esse “salto” que é objetivo do autor neste livro, o brasilianista Kenneth Maxwell.

Apesar do pacifismo daquele evento, ele foi extremamente sinuoso e, justamente por isso, extremamente democrático. Iniciado pelos militares do MFA (Movimento das Forças Armadas) seu objetivo primeiro era apenas encerrar a Guerra Colonial e encerrar o Salazarismo, governado naquele momento já pelo sucessor, Marcello Caetano. Entretanto, com a abertura do regime, os partidos políticos organizados na clandestinidade – o Partido Socialista (de Mário Soares) e o Partido Comunista (de Álvaro Cunhal) – emergiram com muita força e rapidamente passaram a dominar o processo revolucionário, naquele momento chamado de Movimento 25 de abril. A direta, completamente integrada ao governo derrubado, não tinha a menor voz.

Àlvaro Cunhal (esq), o líder Comunista, e Mario Soares (dir), o líder Socialista.

Eleições para uma assembleia constituinte foram marcadas para, exatamente, 25 de abril do ano seguinte e o povo explodiu em manifestações espontâneas; fábricas eram ocupadas para negociações de aumentos salariais, latifúndios eram desapropriados e edifícios vagos ocupados para moradias populares. Na maioria das vezes, o Estado apenas intervinha para evitar algum conflito aberto e tentar regulamentar na medida do possível o que grupos autônomos haviam feito. O que chama atenção do autor: a Revolução preservou a institucionalidade, órgãos e legislação, por todo seu desenvolvimento; apena retirando a orientação (em políticas e membros) autoritária.

Para além da burguesia atingida, todavia, parcelas expressivas da população começavam a se incomodar com as agitações. Bem dividido geograficamente, no interior em direção ao norte do país, onde haviam poucos latifúndios e pequenas indústrias locais – em oposição aos centros urbanos e o sul, dominados por grandes plantações, indústrias maiores e sofrendo a especulação gerada pelo turismo – o movimento 25 de abril não teve tanto impacto. A derrubada da ditadura foi celebrada, claro, mas nos campos sociais e econômicos, a crise acabou sendo mais sentida que a liberdade.

Depois de uma forte guinada à esquerda, que levou até à nacionalização dos bancos e empresas estrangeiras, a direita se organizou independente dos movimentos salazaristas, enquanto Comunistas e Socialistas se digladiavam, como sempre. As diferenças entre estes dois campos da esquerda são bem abordadas no livro, mas o interessante era como ambos eram acusados fortemente por grupos de fora de Portugal, sejam pelos Social Democratas da Europa Ocidental, quanto dos Leninistas da Europa Oriental, de terem um “pensamento terceiromundista” (oposição exagerada ao imperialismo) – tida como influência das lutas de independência da África portuguesa.

As eleições chegaram e foram realizadas sem problemas, supreendentemente, para um país que não as realizava eleições livres desde 1925, com comparecimento de mais de 90% dos eleitores, recorde até hoje. O Partido Socialista teve a maior bancada, com 37% dos votos, seguidos pelo centro-direita PPD com 26% e os Comunistas com apenas 12%. A não formação de uma maioria acirrou as lutas, que levaram desde ocupações de jornais até a atentados a bomba, entretanto, ao mesmo tempo acabou por isolar dentro de cada grupo alguns nomes e lideranças mais extremadas: a cada movimento mais agressivo, perdia-se mais apoiadores, como ocorrera com o General Spínola à direita e o Coronel Otelo Saraiva à esquerda.

Após uma última tentativa de golpe em novembro de 1975, a situação se acalmou. A Independência das Colônias foram todas respeitadas e em 25 de abril de 1976 a nova constituição entrou em vigor, como está até os dias de hoje. As conquistas da revolução se mantiveram respaldadas por ela, até revisões posteriores em 1989 e 1992 que permitiram novas privatizações.

Ao final do livro fica claro que Maxwell tem uma visão positiva da Revolução dos Cravos, como uma vitória da democracia – ela normalmente é entendida como uma revolução derrotada, pois Portugal apenas se adequou à economia de mercado, à OTAN e à União Européia. Isso é importante para entendermos o movimento de seu texto; que busca entender não exatamente o desenrolar da Revolução, mas como ela sobreviveu às “investidas autoritárias”, na expressão dele, e gerou um (avançado) regime democrático de direito. Embora não seja possível identificar hostilidade por parte do autor contra os Comunistas, são feitas críticas sóbrias.

Escrito nos anos 90, no auge do fim da história, seu pensamento é compreensível; uma Revolução mais radical em Portugal não teria tanto fôlego sabendo do final do bloco socialista pouco tempo depois, provavelmente o destino de uma república socialista portuguesa seria igualmente abreviado. Podemos imaginar que realmente não foi o pior resultado o alcançado após 25 de abril de 1974, tendo em vista que o país foi um dos regimes menos afetados pela onda de extrema direita que varre o mundo – até o momento, pois o partido CHEGA vem com força para as próximas eleições parlamentares.

Excelente (5/5)

UM grande e sóbrio esforço de explicar um movimento tão sinuoso e complexo quanto a Revolução dos Cravos, o texto é fluido e didático, mas decididamente engajado em exaltar os valores democráticos, em um amplo sentido, do movimento.

Dinamização Cultural: diante da resistência de certas partes da população com algumas medidas tomadas pelos revolucionários, houve uma proposta de uma ofensiva no campo das idéias por parte do movimento das forças armadas (MFA) as Campanhas de Dinamização Cultural, entre 1974 e 1975. Na qual revolucionários, militares e civis, viajavam pelo interior do país para fazer a propaganda da rebelião. Imaginava-se que parte da resistência se devia ao fato do país ter sido refém isolado do fascismo desde os anos 30.

O tema é controverso até hoje. A iniciativa não era autoritária de modo algum; era uma espécie de pregação que assumia várias formas, de teatros de rua à comícios, de conversas informais à pregação de cartazes. Não havia nenhum tipo de repressão, era apenas simplesmente uma tentativa de divulgação. Entretanto, conforme a situação política se tornava mais complexa para os revolucionários, o MFA e seus integrantes perdiam força e até mesmo ânimo; o que refletia nas campanhas.

Os voluntários – que também não exatamente os cultos vanguardistas que se esperavam – eram menos bem recebidos dependendo do momento político, e os grupos que disputavam o poder dentro da Revolução também passaram a utilizar as campanhas uns contra contra os outros; além, de, estando na defensiva, toda a campanha ter se tornado mais engessada.

Os Retornados – Diante da escalada da Revolução e dos anúncios de retirada portuguesa da África, muitos imigrantes e seus descendentes que haviam tentado a vida no Império passaram a fazer o movimento contrário, de volta para casa, assim como milhares de militares se viram subitamente dispensados do serviço. Outros imigraram para outros destinos, especialmente para cá. As estimativas são variadas, mas um número seguro é de 600 mil entradas de volta na península.

Foram chamados de retornados, uma expressão que até hoje é mal digerida em Portugal. Desempregados, desabrigados, sem posses, culpando o movimento que os transformou em refugiados, muitos se engajaram em movimentos contra revolucionários – alguns de extrema direita.

Presidente Spínola – O antigo governador da Guiné Portuguesa, Spínola foi um “déspota esclarescido” da colonização; negociando com os guineenses reduziu a escalada do conflito e deu os primeiros passos para uma descolonização controlada. Ele se encontrou secretamente com vários líderes de movimentos guerrilheiros, inclusive o influente Amílcar Cabral do Partido pela Independência da Guiné e Cabo Verde, e tinha um sonho de que o Império fosse substituído por uma espécie de Commonwealth como a britânica.

Em Portugal, ninguém queria nem ouvir falar em descolonização, e na África ninguém queria aceitar essa transição controlada. Logo após ser demitido, ele lançou “Portugal e o Futuro”, um livro-manifesto onde ele declarava a necessidade de descolonização da África através dessa comunidade de nações. Foi um escândalo na metrópole, e, não relacionada diretamente ao livro, a Revolução estourou alguns meses depois.

Durante o levante, o presidente Marcello Caetano garantia a “rendição” do governo e transição pacífica apenas se fosse para o General Spínola – que não fazia parte da rebelião. Temendo algum conflito, o MFA aceitou e num golpe de sorte ele se tornou o presidente de Portugal. Uma vez no poder, ele tentou levar a cabo o plano da Commonwealth, desejado por ninguém, e, ao mesmo tempo, barrar as reformas e políticas do MFA inclinado à esquerda. Renunciou ao poder em setembro de 1974, mas em março de 1975 ele tentou realizar um golpe à direita e derrubar o governo de Francisco da Gosta Gomes. Derrotado, foi exilado ao Brasil, onde permaneceu até voltar para Portugal em 1980 e ser realibitado, apesar de estar ligado à atentados terroristas de extrema direita no período.

Contracapa da primeira edição brasileira do livro, prefaciado por Carlos Lacerda.

O curioso, levantado por Maxwell, é que devido à pouca atenção que a inteligência dos EUA e OTAN dava a Portugal naquele momento, a polêmica que o livro de Spínola causou fez com que ele fosse entendido como a força mais importante da Revolução, especialmente após ele ter virado presidente, e que aquele texto seria uma espécie de programa do MFA. Todos ficaram sem entender nada quando houve a guinada à esquerda.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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