Realismo Capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? – Mark Fisher
Tradução: Rodrigo Gonsalves, Jorge Adeodato e Maikel da Siveira – Editora Autonomia Literária.
Ano de Lançamento: 2009 – Minha Edição: 2023 – 207 páginas
O mundo do entretenimento de massa – em especial o americano – vive uma crise criativa que parece não ter fim: poucas coisas são inventadas atualmente. A maioria de filmes, seriados, jogos, se baseia em continuações, remakes, reboots, remasterizações, adaptações e derivados. Uma das principais muletas que se usa atualmente para dar um ar de “novidade” e “profundidade” ao resgatar personagens que estavam já há muito hibernando é transformá-los em pessoas frustradas, que não deram certo em seus sonhos originalmente concebidos em suas obras originais.
Luke Skywalker não conseguiu recriar a ordem Jedi e a Aliança Rebelde não conseguiu restabelecer definitivamente a República; Indiana Jones se tornou um professor que detesta seu trabalho; o Capitão Picard não é respeitado por ninguém da Frota Estelar e a Sete de Nove não se tornou uma oficial brilhante… isso só pra ficar no meu mundinho de Ficção. Esse contexto não é por acaso – e nem é por acaso que essas continuações trazem sentimentos contraditórios, odiadas e amadas em medidas parecidas.
A questão é que na virada do século, a humanidade perdeu a capacidade de imaginar um futuro melhor. Longe de parecer um pensamento ingênuo, isso é o que torna palatável uma deterioração cada vez maior da nossa qualidade de vida – aqui está a idéia deste jovem clássico da filosofia contemporânea.
Nesta ágil obra, o filósofo britânico Mark Fisher se tornou um dos principais pensadores da contemporaneidade já em seu primeiro livro. Um professor de ensino continuado – algo próximo ao ensino técnico no Brasil – que criou um blog no anos 2000 para discutir cultura, política e sociedade, Fisher atingiu um público que jamais sonharia tanto na carreira acadêmica quanto docente, ao reunir alguns textos, e complementar com outros, dando uma forma mais acabada ao seu conceito de Realismo Capitalista.
Como o subtítulo (exclusivo da edição brasileira) denuncia, o Realismo Capitalista seria o enraizamento tão profundo da ideologia Neoliberal de forma que nos tornou incapazes de conceber uma forma de sociedade que não seja igual a atual. A humanidade sempre teria sido capitalista, desde a Antiguidade, e sempre será no futuro, entretanto, com um tempero a mais: sabendo que esta é uma forma ruim de governo e organização social. Um espécie de Fim da História do avesso: o neoliberalismo e a democracia de mercado não é mais o melhor que a humanidade pode alcançar; o neoliberalismo e a democracia burguesa são ruins, ao mesmo tempo, são o máximo que podemos fazer – e o que nos resta é administrar o desastre.
Ao invés de tentar convencer o mundo de que neoliberalismo era o final da História e o auge da civilização, como brevemente tentou-se nos anos 90, algo que quase que instantaneamente se mostrou falso ao longo daquela década, a ideologia burguesa dedicou-se a convencer que o neoliberalismo é, de fato uma merda, mas é a única coisa que podemos fazer. Isso é operado em várias frentes.
O Fim da História e o último homem
Com o final da Guerra Fria, a história teria acabado: não há alternativa para o capitalismo, que seria o estado final do desenvolvimento humano. É o que defende Francis Fukuyama nessa obra que não se trata mais do que uma propaganda, com todos os jargões neoliberais.
Como, por exemplo, na manutenção de uma “hiperrealidade“, conquistada através do avanço tecnológico e de comunicações – e poderia ir ao encontro com o conceito do totalitarismo da informação de Milton Santos – na qual acontece uma “hemorragia do real“: em realities shows no entretenimento; notícias e coberturas em tempo real; acesso a informações instantaneamente; interatividade em todos os campos da vida, da arte ao consumo (avaliações, escolhas, algoritmos, enquetes e pesquisas). Em um profundo paradoxo, as interações virtuais transformaram tudo em realidade, parece que tudo expressa uma característica real. Qualquer coisa que se pense ou se projete será confrontado com uma “realidade”. Entre aspas porque, claro, não é exatamente isso. Um exemplo clássico que o autor cita são as pesquisas eleitorais: elas retratam um determinado recorte de opinião que, por sua vez, influenciará as opiniões dos eleitores daqui pra frente. Representação e Realidade se confundem com uma máscara de realismo inconfrontável.
Isso está intimamente ligado à “letargia hedônica“, como o autor, a partir da sua experiência em sala de aula, descreve o comportamento dos adolescentes e jovens adultos. A partir do contato com uma matriz comunicativa de estímulos que nunca pára, isto é, a internet e os smartphones, nós nos tornamos incapazes de lidar com o tédio ou com o ócio, ao mesmo tempo estamos constantemente entediados; sempre buscando cada vez mais prazer em um horizonte quase que inalcançável de estímulo. E, sobra para os professores que teriam a tarefa de mantê-los interessados em aulas, estudo e conhecimento, em um parênteses. Um prejuízo inestimável para a capacidade de análise e criação.

Esse afluxo de informações e estímulos, vindo de todos os lugares, nos “ajuda” a lidar com uma noção assustadora; a de que “não há operador central”. Diferentemente de modos de produção e regimes anteriores, o capitalismo conseguiu enraizar a noção de que não há responsáveis individuais pelos problemas do mundo – a não ser você mesmo, em um certo sentido. O que causa mais um paradoxo: não adianta substituir um líder político por outros; ou todos não prestam, ou o “sistema” não permitirá alguém que queira mudanças. Ao invés de despertar a vontade de mudar o sistema, sendo assim, o realismo capitalista funciona na chave oposta; você deve aceitar o sistema. Mesmo nas mais radicais bandeiras políticas dos últimos tempos, alinhadas à extrema direita, o desejo de ruptura violenta existem, mas não demanda a mudança real desse sistema.
Seria esse sistema, no campo das políticas públicas, o que o Fisher chama de ontologia empresarial; a noção de que tudo deve ser administrado como uma empresa. Desde a sua casa até o Corinthians; da universidade ao Estado Nacional: é óbvio que tudo deve ser administrado dessa ótica. Algo que dá “prejuízo” deve ser encerrado ou descartado; os ineficientes devem ser dispensados; as contas devem sempre fechar, e todo o gasto deve ter um retorno lucrativo. Se isso ocasiona miséria, injustiças, concentração de renda e justamente, prejuízo às famílias pois os serviços públicos são sucateados e nos empurram aos serviços privados; é algo se é aceito como natural porque tudo deve funcionar assim.
A composição deste conceitos – e alguns outros tantos que Fisher levantam – faz com que a humanidade tenha se tornado incapaz de conceber que existe, já existiu ou existirá uma outra forma de, justamente existir senão a capitalista: uma humanidade desorientada, hiperestimulada e empobrecida.
Os textos do autor, alguns publicados originalmente no blog, são ágeis e e agradáveis de ler – ainda que não sejam fáceis: há inúmeras citações de outros densos filósofos e escritores, como Baudrillard e Deleuze. O que torna as coisas mais divertidas, em especial para mim, por outro lado, são as inúmeras referências às obras de Ficção Científica. Não por acaso foi como iniciei a resenha. Fisher busca nas obras do gênero a imagem que cada escritor, filho de seu tempo, faz sobre o futuro; e com olhos mais debruçados às Distopias.

Cada vez mais pé-no-chão, as distopias, como ele destaca com muito gosto o excepcional Filhos da Esperança (filme e livro), se transformaram, no regime do realismo capitalista, em menos pós apocalípticas, e ficam assustadoramente mais próximas da realidade. Naquele filme, por exemplo. no qual a espécie humana se tornou incapaz de se reproduzir e lentamente a civilização se desintegra, convivem lado a lado cadeias famosas de restaurantes e campos de concentração em suas primeiras cenas.
Mark Fisher também apresenta problemas e perspectivas políticas para escapar desse cenário. Alerta para um horizonte de uma esquerda saudosa de tempos passados que, no limite, acaba tendo uma postura – ainda que de genuína boa intenção – de retornar ao fordismo: com cargas horárias rigidamente respeitadas, trabalho presencial e fortalecimento de estrutura hierárquica. Ao mesmo tempo, indica o perigo dos protestos vazios que dominaram o cenário a partir da década de 1980 – contra a fome, contra a corrupção, contra a ineficiência, e contra coisas “ruins” – que apenas jogam água no moinho do realismo capitalista. Assim como também denuncia o fetiche pela horizontalidade que os últimos movimentos políticos apresentaram, e que dificultam a construção de novas ideias sólidas, e, desta forma, fortalecem as manifestações genéricas.
Acho que, nesse campo, em algumas coisas ele acerta, com relação ao protestos ocos e horizontais das explosões de militância, e, em outros, ele escorrega, como o bizarro e incompreensível conceito da Supernanny Marxista. Infelizmente, com uma morte precoce, ao suicidar-se em 2017, Fisher acabou contribuindo menos que poderia depois de ter sido alçado a fama com esta obra – lançada em 2009. Todavia, seu conceito do Realismo Capitalista (e este livro) se tornou dos mais relevantes, e absolutamente indispensável. para compreender a contemporaneidade.
Excelente 5/5
Um jovem clássico da filosofia e política contemporânea. Através de uma escrita ágil e agradável, faz uma das maiores contribuições para a análise do capitalismo tardio e contemporâneo. tornou-se um livro indispensável para compreender o século xxi.
Edição Brasileira – além de um subtítulo muito mais interessante (originalmente é chamado Realismo Capitalista: não há alternativa? em referência ao slogan de Thatcher There Is No Alternative [ao neoliberalismo], e que passou até a ser adotado, através do acrônimo TINA, como um slogan até mesmo da esquerda ao adotar políticas neoliberais), esta edição da editora autonomia literária deu bela uma encorpada na obra.
Constituindo um livro curto em sua primeira edição (que aqui corresponderia a cerca de 130 páginas), esta publicação reúne alguns apêndices de outros artigos muito bons escritos por Fisher e que complementam muito bem o texto principal; e, ainda, um longo Posfácio que funciona como uma grande resenha do livro.
A Era do Capital Improdutivo
Um raio-x do Capitalismo Tardio. Demonstra com muitos dados e rigor como atualmente a economia gira em torno da especulação: drenando dinheiro da produção de mercadorias e travando o desenvolvimento da humanidade.
Burocracia – uma das contradições do capitalismo tardio mais intrigantes que Fisher apresenta, é como a cada nova reforma neoliberal promete-se menos burocracia – mas o resultado é ter cada vez mais dela. Através do que ele chamou de cultura da auditoria, as empresas são submetidas a cada vez mais regras e consultorias para produzir, e as forças produtivas são cada vez mais amarradas a uma série de balizas e referenciais em sua produção.
Lembrei muito da Era do Capital Improdutivo, de Ladislau Downbor, de como, no capitalismo tardio, o investimento muito mais direcionado (ou drenado) para os intermediários dos processos produtivos; o que é operacionalizado pela avalanche burocrática que o neoliberalismo proporciona – onde se encaixam as auditorias e consultorias. Um outro exemplo muito prático são as concessões e terceirizações. Feitas para economizar e diminuir a burocracia trabalhista das empresas, na realidade, apenas multiplicam as camadas burocráticas com novas empresas e contratos sendo feitos para algo que se constituía de forma mais direta. Se uma empresa tinha um segurança e um faxineiro; agora ela contrata uma outra que fornece esse funcionários – situação que, exige, por sua vez, uma outra camada de burocracia envolvendo esses trabalhadores e a relação entre essas empresas.
Mesmo nos serviços mais cotidianos sentimos isso; outro dia fui comprar uma casquinha no McDonald’s – a hipocrisia da esquerda! – e precisei passar por 4 funcionários diferentes até conseguir retirar, cada um me indicava um caminho: fui na fila do quiosque, mandaram eu ir no autoatendimento, voltei ao quiosque; mas fui mandado ao balcão por ter usado o autoatendimento, no balcão disseram que não faziam sorvete ali, só no quiosque, e, finalmente – levando a última atendente junto como testemunha – consegui o sorvete.
Resgatar a Função Social da Economia
Longe de ser algo “técnico”, balancetes e números, a atividade econômica é uma atividade humana. Entretanto, a presença dos trabalhadores é cada vez mais apagada dos processos – algo que precisa ser mudado urgentemente,
Stalinismo de Mercado – a cultura da auditoria e avalanche da burocracia constituem o que Fisher muito ironicamente chama de stalinismo de mercado. O que o autor aponta que – segundo ele – acontecia na União Soviética da década de 1930 e 1940, na qual a representação e os símbolos se tornavam mais importantes que os resultados efetivos; passou a se operacionalizar no neoliberalismo.
Não importa quais os resultados que uma empresa, um grupo ou mesmo uma nação apresente em sua administração – o que importa é a representação disso feita por auditorias, consultorias e agências de avaliação de risco. Tudo bem se o consumidor gostou mais de determinado produto ou se determinados programas sociais geram resultados muito melhores a longo prazo, isso é secundário se os resultados financeiros não forem referendados por essas instituições financeiras.
Outro ponto de conversão com Downbor: o economista aponta como as corporações se tornaram tão gigantescas, abrangentes e disformes, que apenas podem se guiar por margens maiores ou menores de lucro. Algo insustentável do ponto de vista social da Economia.
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