Novelas, espelho mágico da vida

Novelas, espelho mágico da vida: quando a realidade se confunde com o espetáculo – Soleni Biscouto Fressato

Ano de Lançamento: 2024 – Minha Edição: 2024 – 207 páginas


Há pouco mais de dez anos, antes da chegada dos streamings, a pergunta sobre “quais séries você assiste?” era algo de um nicho muito específico – de jovens adultos que navegavam em sites de procedência duvidosa baixando arquivos de Real Player. O grosso da população brasileira, de todas as idades, durante as últimas décadas, teve como principal entretenimento o consumo de telenovelas; em especial as da Rede Globo.

Concordando com essa afirmação, a socióloga Soleni Fressato decidiu mergulhar a fundo no papel que as novelas da Vênus platinada – com certeza desperto memórias antigas ao citar esse apelido – tiveram na sociedade brasileira; em especial articulando-se com os conceitos de Indústria Cultural e com a psicanálise.

Continuar lendo “Novelas, espelho mágico da vida”

Duna: profecia (1ª Temporada): um bom, mas pretensioso, spin-off.

Apesar de ser uma das séries literárias mais consagradas da ficção científica, e até de emplacar em outras mídias, como vídeo games, Duna não conseguiu conquistar um público mais popular. A adaptação cinematográfica de 1984 tem seus fãs, com boas e ousadas ideias e visuais para a época, mas ficou longe de ser um sucesso. Uma minissérie, mais modesta, do canal Syfy fora ao ar no início dos anos 2000 e foi bem recebida pelos fãs, mas, naturalmente, não conseguiu de furar a bolha ao ser exibida na TV a Cabo estadunidense.

A cena mudou quando o badalado diretor canadense Denis Villeneuve entrou no barco; ele produziu e dirigiu Duna e Duna: Parte 2 em 2021 e 2024, que foram sucessos de crítica e público. A explosão de popularidade levou a produção, quem diria, de uma série em spin-off, contando a estória da fundação da irmandade Bene-Gesserit, milhares de anos antes do enredo dos filmes.

Continuar lendo “Duna: profecia (1ª Temporada): um bom, mas pretensioso, spin-off.”

Poder Camuflado

Poder Camuflado: Os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro – Fábio Victor

Ano de Lançamento: 2022 – Minha Edição: 2022 – 446 páginas


As conversas entre alguns dos principais artífices da queda da presidente Dilma, Romero Jucá e Sérgio Machado, certamente entram para os diálogos mais importantes da história nacional. Entretanto, um trecho em especial chamou menos a atenção do que deveria: o primeiro, então ministro do Planejamento de Temer, avisava: “Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir.” Na época, os comentaristas e intelectuais entendiam como uma fala protocolar; em nenhum país do mundo se dá um golpe estado sem anuência dos militares.

Seria um pensamento natural. Depois de várias décadas bastante apagadas, as Forças Armadas brasileiras estavam completamente à margem da política e da sociedade nacional. Entretanto, em um espaço de, aproximadamente, dois anos dessa conversa, o governo federal estava totalmente aparelhado e ocupado por um sem número de militares; em cifras maiores que as da ditadura. Entender como isso foi possível é a grande pergunta do jornalista Fábio Victor neste livro.

Continuar lendo “Poder Camuflado”

Ímola 1994

Ímola 1994: a trajetória de um repórter até o acidente que chocou o mundo – Flávio Gomes

Ano de Lançamento: 2021 – Minha Edição (2a) : 2024 – 389 páginas


Poucos acontecimentos foram tão decisivos para a história do esporte, ou para alguma modalidade, quanto a morte de Ayrton Senna no Grande Prêmio de San Marino de 1994. Para além do aura de santificação adotada pela imprensa para o piloto, a sua morte não tem paralelo dentro da Fórmula 1; categoria mais importante dos esportes a motor no mundo. Sob diversas óticas, os acontecimentos no circuito de Ímola em 1994 funcionaram como um divisor de águas. Os carros estavam cada vez mais rápidos e mais tecnológicos, a partir das suspensões ativas e controles de tração, recursos os quais possibilitavam os pilotos serem cada vez menos cautelosos nas pistas.

Após as mortes daquele grande prêmio, outras perguntas passaram a ser feitas; se não nos carros e nos pilotos, os problemas estariam nos circuitos? Nos equipamentos de segurança? Nos procedimentos? Desde então, nunca mais foi registrada uma morte ocorrida durante uma corrida de Fórmula 1 – com exceção de Jules Bianchi, que faleceu 9 meses depois de seu acidente com um guincho, no GP do Japão em 2014.

Curiosamente, para o jornalista Flávio Gomes, um dos principais nomes da cobertura do esporte no Brasil, o primeiro de maio de 1994 também transformou sua carreira.

Continuar lendo “Ímola 1994”

Pedra no Céu

Pedra no Céu – Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph

Ano de Lançamento: 1950 – Minha Edição: 2016 – 310 páginas


Na ficção científica futurista, normalmente encontramos duas projeções para o nosso planeta; ou a Terra é o centro de uma grande civilização humana, ou ela foi devastada (destruída ou não). Raras são as obras que simplesmente deslocam a atenção da humanidade para outro lugar, e nosso lar deixou de ter importância. A pedra no céu do título desde livro é, exatamente, o terceiro mundo do sistema solar; perdida no meio de uma gigantesca civilização que se estende por milhares de sistemas estelares.

Continuar lendo “Pedra no Céu”

O projeto de nação do governo João Goulart

O projeto de nação do governo João Goulart: o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964) – Cássio Silva Moreira

Ano de Lançamento: 2014 – Minha Edição: 2014 – 349 páginas


João Goulart e seu governo, compostos por mentes das mais brilhantes que já existiram no Brasil, são um dos exemplos mais explícitos do “Silêncio dos Vencidos” – ou seja, exemplo que a História é escrita pelos vencedores de seus diversos conflitos. Sofrendo da mesma sina que o recente Governo Dilma, após ser derrubado pelo Golpe de 1964, a administração de Jango acabou sendo registrada como fraca e errática; um governo que não buscava nada, vivendo tão somente para se manter no poder.

O objetivo deste livro, originalmente uma tese de doutorado em economia, é contestar essa narrativa construída pela ditadura – para legitimar seu poder conquistado através do golpe – e demonstrar que o Governo Jango possuía, sim, objetivos e projetos muito bem definidos. Inclusive, suas diretrizes e iniciativas foram reaproveitadas pelos ditadores não muito tempo depois.

Continuar lendo “O projeto de nação do governo João Goulart”

Flores para Algernon

Flores para Algernon – Daniel Keyes

Tradução: Luisa Geisler – Editora Aleph

Ano de Lançamento: 1966 – Minha edição: 2018 – 284 páginas


Todo tipo de deficiência, seja ela física ou intelectual, gera uma questão filosófica por trás; se elas seriam patologias, doenças, e, dessa forma, elas deveriam ser tratadas ou curadas? O debate sobre isso é amplo; com certeza uma pessoa com determinada dificuldade de mobilidade, por exemplo, desejaria vê-la sanada, por uma série de motivos. Entretanto, esse mesmo entendimento gera uma série de outros questionamentos envolvendo o direito e a existência dessas pessoas como cidadãos, e seres humanos, com plenos direitos – uma das obras pioneiras, na contemporaneidade, para essa discussão é Flores para Algernon.

Publicado originalmente como um conto, em 1959, e posteriormente expandido para um romance em 1966, Flores para Algernon conta a estória de Charlie. Um homem de 32 anos com deficiência intelectual não identificada e que é cobaia em um experimento revolucionário, que promete, através de uma cirurgia, transformá-lo em um gênio.

Continuar lendo “Flores para Algernon”

Os Anéis do Poder – 1ª Temporada – Um legado (e uma narrativa) de peso

O Senhor dos Anéis já foi considerado um livro “inadaptável”. Desde os anos 30, já haviam discussões sobre animações com o enredo de O Hobbit, e a partir dos anos 50, sobre a trilogia principal. Os direitos chegaram a ser comercializados para várias partes diferentes, e o próprio Tolkien teve discussões com cineastas para verificar a viabilidade. Não só pela grandeza da obra, mas as próprias intenções do autor não eram bem compreendidas – entendiam os livros como um grande conto de fadas ou algo do tipo.

Felizmente um neozelandês provou que todos estavam errados e conseguiu fazer uma sequência de obras primas que até hoje é a recordista de óscares. Quando fora anunciada a produção de um seriado, ainda mais com um enredo original, a discussão voltou a tona.

Continuar lendo “Os Anéis do Poder – 1ª Temporada – Um legado (e uma narrativa) de peso”

Retrospectiva 2024

Um ano bem magro em postagens, embora tenha conseguido ler mais livros; escrever que está bem difícil. Minha filha cresceu mas está exigindo muito mais atenção. Ainda assim conseguimos atingir 17,5 mil visualizações por 9,4 mil visitantes em 2024, atingindo um total de 221 postagens desde 2020.

Obrigado a todos que nos acompanharam este 2024, e um feliz 2025!

Continuar lendo “Retrospectiva 2024”

A Reviravolta da História

A reviravolta da história: a queda do muro de Berlim e o Fim do Comunismo – Marc Ferró

Tradução: Flávia Nascimento – Editora: Paz e Terra

Ano de Lançamento: 2009 – Minha Edição: 2011 – 102 páginas


A força com a qual as revoluções socialistas ocorreram durante o século XX, em ondas cada vez mais amplas a partir de 1917, aliada à consolidação da historiografia marxista, havia deixado a certeza no mundo que o Comunismo era algo irrefreável. Uma etapa integrante e inevitável do desenvolvimento da humanidade com a qual dever-se-ia cerrar fileiras – ou lutar incansavelmente contra. Quando, em novembro de 1989, o muro de Berlim foi derrubado pelos próprios habitantes da Alemanha Oriental sem repressão, essa certeza foi cada vez se esvaindo mais até dezembro de 1991 e a imagem da bandeira da Rússia imperial voltando a ser hasteada em Moscou.

Esses eventos deixaram os intelectuais do século XX desorientados, o que houve foi uma (ainda que previsível uma vez revistada pelos engenheiros de obra pronta), ou talvez, “a” Reviravolta da História – como este título, belo mas enganoso, e que não é o mesmo da edição original (veja abaixo), nos aponta. Várias foram as tentativas de compreender o que estava acontecendo com a humanidade; esta é a singela contribuição de Marc Ferro, historiador francês especialista em Revolução Russa e União Soviética, para este esforço.

Continuar lendo “A Reviravolta da História”

Robôs e Império

Robôs e Império – Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira – Editora: Aleph

Ano de Lançamento: 1985 – Minha Edição: 2022 – 543 páginas


Séculos adiante, a figura de Elijah Baley tornou-se algo mítico; os terráqueos voltaram a colonizar novos mundos, e seu primeiro e mais importante novo planeta leva seu nome. Entretanto, seus algozes siderais, com vidas muito mais longevas que os humanos comuns, ainda têm assuntos inacabados de Os Robôs da Alvorada; em especial o diretor do instituto de robótica de Aurora; Kelden Amadiro, que deseja vingança contra a memória de Baley, legado que se mantém vivo atualmente através de Gladia e seus robôs, Daneel e Giskard.

Com a recente morte de Han Fastolfe, o mais influente líder do planeta, e decididamente pró-Terra, uma oportunidade política nova se abriu em Aurora e o diretor quer se aproveitar para mudar os rumos da humanidade novamente. Para isso, ele terá a “ajuda” de Levular Mandamus, um ambicioso “jovem” – para os padrões siderais – membro do instituto, para articular um plano ardiloso com objetivos obscuros; e tudo começa com o encontro de Gladia com um descendente do investigador.

Continuar lendo “Robôs e Império”

Os Robôs da Alvorada

Os Robôs da Alvorada – Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira – Editora Aleph

Ano de Lançamento: 1982 – Minha Edição: 2015 – 542 páginas


Três décadas depois os talentos investigativos de Elijah Baley e Daneel Olivaw são novamente requisitados… bom, 30 anos depois em nosso mundo real o soviético Isaac Asimov publicou a sequência de O Sol Desvelado, mas dentro da continuidade do livro, três anos se passaram – e as mudanças já são palatáveis. Baley lidera um grupo de terráqueos que deseja se reconectar com a “área externa”, a vida fora das cidades; e periodicamente faz excursões e trabalhos na natureza.

Apesar de continuar como um investigador de nível intermediário, seu nome se tornou conhecido por todos os planetas próximos; suas aventuras em Solaria foram transformadas numa “holo-novela” e ele se tornou um espécie de herói intergaláctico. Exatamente por isso, ele foi requisitado novamente para desvendar um crime; desta vez em Aurora – o principal e mais poderoso dos planetas siderais. Entretanto, o assassinato desta vez é um pouco peculiar; a vítima foi R. Jander Panell, o único outro robô humaniforme já construído – tal como Daneel – que subitamente teve uma espécie de “paralisia cerebral” e parou de funcionar.

Isso só poderia ser causado por uma série de ordens ou diálogos contraditórios, que forçassem o cérebro positrônico de Jander ao limite de processamento a ponto dele parar de funcionar. Entretanto, uma situação extrema como essa só poderia ser feita por um roboticista extremamente experiente; e no caso, o único suspeito seria o Dr. Han Fastolfe – o criador de Jander (e de Daneel, em um retcon). A mesma pessoa responsável por chamar Elijah para a investigação.

Continuar lendo “Os Robôs da Alvorada”

Lutas de classes na Alemanha

Lutas de classes na Alemanha – Karl Marx e Friedrich Engels

Tradução: Nelio Schneider – Editora Boitempo

Ano de Lançamento: 2010 (1844, 1848 e 1850) – Minha Edição: 2010 – 93 páginas


Engels era fascinado pela Irlanda; sua obra mais famosa, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, descrevia o cotidiano dos operários na região de Manchester na década de 1840, constituídos por um grande volume de imigrantes irlandeses, e atraiu seu fascínio pelo povo – ele casou-se com uma irlandesa, Mary Burns, inclusive. Marx, por sua vez, tinha grande interesse na França; em 18 de Brumário de Luís Bonaparte, ele diz que o país é o local onde as lutas de classes são mais tensas e mais levadas ao limite.

Ambos eram alemães, nascidos no Vale do Reno, mas produziram surpreendentemente pouco em análises sobre sua terra natal. Neste livro, um lançamento exclusivo do Brasil, a editora Boitempo reuniu três pequenos textos escritos pela dupla sobre eventos que se passavam em seu país – embora ele ainda não existisse como tal, maior parte das referências dos textos é sobre a Prússia – escritos entre o anos de 1844 e 1850.

Continuar lendo “Lutas de classes na Alemanha”

O Sol Desvelado

O Sol Desvelado – Isaac Asimov

Tradução: Aline Storto Pereira – Editora Aleph

Ano de Lançamento: 1957 – Minha Edição: 2014 – 286 páginas


Alguns meses depois de desvendar o capicioso caso do assassinato do sideral em Nova Iorque, Elijah Baley ganhou uma reputação entre os governos da Terra e dos demais planetas humanos; assim, é destacado para investigar um novo crime, desta vez em outro mundo: Solaria. Sua presença foi requisitada, ironicamente, pelo governo daquele local – que despreza profundamente os terráqueos.

O plano de fundo é o mesmo: a humanidade está dividida em duas civilizações. Uma na Terra, de bilhões de habitantes, vivendo em complexos subterrâneos claustrofóbicos, sem mais contato com o “mundo lá fora” e aversa aos robôs; e outra, espalhada por 50 novos planetas colonizados nos últimos séculos, esparsamente e minimamente populados e totalmente dependentes da mão de obra robótica. O destino de Baley, Solaria, é talvez o mais hostil e averso à vida terrestre; habitado por apenas 20 mil pessoas, que vivem isoladas umas das outras em propriedades de milhares de km² e que consideram qualquer encontro físico entre dois indivíduos algo repugnante – eles convivem apenas através de hologramas.

Investigar a morte do mais importante “fetologista” do planeta é a missão de nosso protagonista, que, no local encontrar-se-á com Daneel Olivaw, seu parceiro robótico mas que, desta vez, se passará por humano, como um enviado de Aurora – a mais importante das colônias siderais – que precisa entender mais do que se passa por lá. Não há um homicídio no planeta em séculos, e a principal suspeita é sua esposa – os cônjuges são os únicos humanos que convivem fisicamente uns com os outros (e ainda assim em situações e datas pré-estabelecidas) no planeta.

Continuar lendo “O Sol Desvelado”

Quando os fatos mudam

Quando os fatos mudam: ensaios (1995-2010) – Tony Judt

Tradução: Cláudio Figueiredo – Editora Objetiva

Ano de Lançamento: 2015 – Minha Edição: 2016 – 440 páginas


Nós, nascidos no apagar das luzes do século XX, também conhecidos como Millenials, somos a última geração que entende o século passado – uma última geração que tem um pé em uma época analógica e outra no digital – uma posição privilegiada de saber que existiram, por exemplo, duas Alemanhas ou que não necessariamente tudo pode, ou deve, ser resolvido através do celular. Entretanto, para os que vieram antes de nós, a virada para o XXI foi um choque, especialmente para, dentre estes, os intelectuais que dedicaram sua vida para entender o seu próprio tempo.

Eric Hobsbawm, com Democracia, Globalização e Terrorismo, ou Marc Ferró com A Reviravolta da História, são alguns do esforços de historiadores do século XX para entender o que começou a se passar no mundo a partir da década de 1990. Esta aqui é a contribuição do britânico Tony Judt, notório estudioso do período pós-guerra, em uma seleção de artigos sobre a contemporaneidade, feita postumamente por sua esposa, Jennifer Homans.

Continuar lendo “Quando os fatos mudam”