A Deflagração

A Deflagração: História da Primeira Guerra Mundial Parte 1 – David Stevenson

Tradução: Valter Lellis Siqueira – Editora Novo Século

Ano de Lançamento: 2012 – Minha Edição: 2016 – 163 páginas


A Europa era um barril de pólvora prestes as explodir, e o assassinato de Francisco Ferdinando, o herdeiro do moribundo Império Austro-Húngaro foi estopim de uma prolongada e contínua crise política que desencadeou a Primeira Guerra Mundial. Se você foi um aluno minimamente eficaz durante o ensino básico, sabe de cor este resumo para explicar como o mais sangrento, até então, conflito da humanidade eclodiu.

E ele é verdadeiro. Com a reforma do ensino médio e a educação “empreedendora” isso pode mudar, mas até o momento, nas disciplinas de verdade, raramente existem “mentiras” nos currículos e não vamos colocar água nesse moinho da extrema direita, mas existe, sim, diferentes discursos. O problema é que por detrás dessa frase, provavelmente a Grande Guerra é o combate armado de raízes e antecedentes mais complexos da História.

Neste primeiro volume da grandiosa obra do historiador inglês, David Stevenson se foca, justamente, no prelúdio e nos primeiros meses da guerra. Os impérios coloniais haviam chegado em um limite de expansão, Alemanha, França e Inglaterra – ficando nos principais – haviam se estabilizado relativamente no resto do globo, fazendo assim com que a atenção se voltasse para as regiões mais próximas na Europa, notadamente a península balcânica. Lá, os dois antiquíssimos reinos Habsburgo e Otomano, que remontavam à Idade Média, gradualmente perdiam espaço às novas nações, estas, impulsionadas pelo ascendente Império Russo e pelo poderoso Império Britânico.

O xadrez era muito complexo, e não é possível dentro da resenha explicar os motivos do conflito, e, assim, recomendo, aliás, que leiam este livro. Ele explora bem as sucessivas crises políticas dos Balcãs, região que travou duas guerras em sequência apenas 3 anos antes; as tentativas do Império Alemão de desestabilizar os concorrentes franceses e ingleses, em especial no Marrocos; e também apresenta algumas da características internas políticas de cada nação que se envolveria na guerra.

Ainda assim, apesar de já sabermos o final, Stevenson apresenta importantes conclusões de que a guerra não era inevitável. O discurso do barril de pólvora, como abri o texto, não é falso, mas leva uma interpretação que é importante confrontar: a tese do conflito inevitável carrega de armadilha a noção de que os líderes militares e políticos dos países não teriam, então responsabilidade sobre a carnificina que se sucedeu, afinal, ela ocorreria de qualquer forma. Nada mais falso.

Todos sabiam o que estavam fazendo, e se mostraram muito inábeis em contornar as próprias crises criadas por eles mesmos: o ultimato à Sérvia feito pela Áustria, que não poderia ser cumprido integralmente; as movimentações russas às fronteiras; a criação e atualização dos planos anuais franceses sobre defesa e invasão da Alemanha; o cheque em branco dos alemães aos austríacos sobre os Balcãs. Uma grande guerra poder ocorrer a qualquer momento é diferente de uma guerra inevitável.

Uma vez iniciada, e este livro também contempla os primeiros vezes, o verdadeiro genocídio foi quase que instantâneo. Mais uma vez mostrando completa inabilidade, os militares não compreendiam exatamente o cenário que haviam se enfiado, da mesma forma que não assimilavam exatamente a matança que eram capazes de fazer. Uma sucessão de planos furados de todos os beligerantes causaram centenas de milhares de mortes quase que instantaneamente; ainda que menores e menos constantes, as batalhas dos primeiros meses se mostraram as mais fatais de acordo com Stevenson.

Mais dinâmicos que os que se seguiram nos vários anos seguintes, os confrontos nos primeiros meses eram tão desordenados quanto sangrentos, a ponto de esgotar as reservas de munições de França e Alemanha nesse breve período. Em novembro, por exemplo, já havia racionamento de artilharia, e se tornou necessário repensar todas as estratégias dado o seu uso indiscriminado.

O intenso e massivo avanço alemão através da Bélgica e França nos primeiros meses de conflito, através do Plano Schlieffen.

Informações como essas fazem parte do grosso do viés militar do livro; neste primeiro volume não é algo tão latente devido ao foco nos antecedentes, então há mais espaço para política. Mas começando o conflito, já temos os “vícios” do clássico da história militar, foco e nomes de comandantes, embarcações, armas, munições e etc. Não é o pior dos livros neste sentido. Com um conhecimento prévio dos principais nomes do conflito, não é tão confuso, mas eu pessoalmente, apesar de gostar muito do tema militar, detesto como história militar é escrita.

Ainda assim, é tudo bem esclarecido e organizado, apesar do autor, inglês, acabar dando a impressão “positiva” da Inglaterra como pega de surpresa pela Guerra e não uma artífice como todos os outros. Com um foco maior nos protagonistas desde primeiro ano de guerra, França, Alemanha e Rússia, mas também deixando espaço para Grã Bretanha e Áustria Hungria (Império Otomano acaba sendo menos abordado), o resumo é honesto, detalhado e de fácil leitura.

Bom (3,5/5)

Uma boa e detalhada panorâmica dos atencedentes do conflito e de seus primeiros meses, com algumas desvatagens de “vícios” de história militar, mas é um texto organizado e fácil compreensão.

Batalhas nos mares – Uma notável exceção da ação deste primeiro ano da guerra, é a pouca ação entre as marinhas dos países beligerantes. Não foi falha do autor, mas sim opção dos almirantes do conflito. Diante da desorganização das batalhas terrestres, os comandos militares não sabiam exatamente como poderiam empregar suas frotas, que, ao contrário dos exércitos, demorariam anos para serem respostas.

Por parte dos Impérios Centrais, suas marinhas focaram na defesa das diminutas costas da Alemanha e Áustria-Hungria; e dos estreitos turcos no Bósforo. Enquanto as belonaves da Entente também se limitaram apenas à cercar e impedir a saída dos inimigos destes pontos de gargalo. Muita da ação nos mares acabou sendo, justamente, contra barcos civis e mercantes que foram apreendidos tanto em alto-mar quanto nos portos estrangeiros.

Esquadra Alemã passando por Valparaíso, no Chile, em 1914. Voltando após a importante vitória na Batalha de Coronel, na costa chilena, na qual 3 cruzadores ingleses foram abatidos.

A única exceção foi uma frota colonial alemã que estava “perdida” nas colônias do Império na Oceania, a Nova Guiné Alemã, que compreendiam justamente a Nova Guiné, as Ilhas Marshall, Ilhas Carolinas, Ilhas Salomão e outros arquipélagos, durante o início da Guerra. Essa frota empreendeu uma solitária campanha contra várias embarcações dos Impérios franceses e britânicos por meses até ser abatida, curiosamente, aqui na América do Sul, continente que ficaria totalmente isolado da guerra, numa batalha nas Ilhas Malvinas.

Tentativas de paz – ao notar os custos do conflito e os impasses que já se mostravam prováveis, a Alemanha tentou realizar acordos de paz, em separado, com França e Rússia (até aquele momento a Grã Bretanha era secundária no conflito, enviado apenas forças expedicionárias ao continente). Apesar de tentadoras, as propostas foram recusadas por ambos os países; os tratados da Entente proibiam acordos de paz em separado – para evitar que a Alemanha se focasse no que sobrasse, ou que uma das duas potências tirasse vantagem em um acordo sozinha.

Resumo dos dois Fronts – até o final da 1914 a guerra se estabilizou no front ocidental com a criação da rede de trincheiras entre o Canal da Mancha até a Suíça, após no que ficou chamado como a “Corrida ao Mar”, após uma série de combates do interior até a costa francesa, já em outubro. Os embates foram protagonizados entre os exércitos alemães e franceses, e, em menor, medida do pequeno contingente belga.

Apesar de permanecer neutra, a Bélgica (e Luxemburgo) foi invadida pelo Império Alemão para ampliar sua frente ataque contra a França para além da bem guardada fronteira entre as duas potências, estratégia conhecida como o Plano Schlieffen. A invasão do pequenino país se mostrou um revés, os belgas resistiram mais do que o esperado, e a ocupação se tornou o pretexto para Inglaterra e outros vários países declararem guerra à Alemanha.

Já no Front Oriental, o Império Russo tomou a iniciativa e invadiu grandes extensões de territórios Alemães e Austríacos, algumas batalhas desse momento, como Tannenberg e Varsóvia, permaneceram como das principais de toda a guerra. Acabou que a ofensiva russa inicial foi justamente a que mais avançou sobre as potências centrais; desde então os Alemães e os Austríacos, em menor medida, sempre tiveram vantagem territorial.

Surpreendentemente, de acordo com os dados de Stevenson, o poderio russo não era baixo; havia muita mobilização e poder de fogo. Por outro lado, a Áustria-Hungria, segundo o autor, fez jus a fama do elo fraco das potências centrais, um exército disperso e desconectado, composto por uma maioria de oficiais alemães comandando praças de várias nacionalidades.

Respectivamente, no Reino Unido e no Império Alemão, a população festeja o início da Guerra.

Front Interno – No front doméstico, ou seja, as campanhas internas dos governos em se manterem e se esforçarem na guerra, reinou a total calmaria. Stevenson demonstra que a oposição interna ao conflito simplesmente derreteu em dias; a euforia e a propaganda nacionalista foi avassaladora – ainda que ele alerte que o apoio popular não era tão grande assim. O único grupo organizado que poderia impedir os esforços de guerra eram os Socialistas.

Conforme as orientações da II Internacional Socialista, as organizações operárias deveriam se opor às guerras burguesas. O clima político favorável ao conflito e a incompreensão do tamanho que ela tomaria, fez que gradualmente cada um dos partidos passassem, não a apoiar, mas não se opor diretamente à guerra. O Partido Social Democrata Alemão (SPD), partido deixado por Marx e Engels, e o líder da Internacional, foi o primeiro a ceder, votando a favor do orçamento de guerra no parlamento alemão.

Ao final da guerra, o racha entre os grupos socialistas que apoiaram e os que se opuseram ao conflito marcou a história para sempre, em especial com a Revolução Russa no horizonte. As alas opositoras aos combates deixaram os partidos socialistas e fundaram os Partidos Comunistas; estes que passaram a ter um caráter mais radical, enquanto os primeiros mais adaptados aos regimes burgueses, através da Social Democracia. Essas diferenças de nomenclatura são presentes até hoje.


O Lulismo em Crise

Tentando se distanciar de Lula, Dilma teria realizado dois ensaios, um político e econômico, que implodiram a base do governo. E, após um zigue-zague para se salvar de diversos ataques também deu adeus à base popular; e essa convergência levou ao golpe de 2016.

Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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