Imperialismo

Imperialismo: uma introdução econômica – Juliane Furno

Ano de Lançamento: 2023 – Minha Edição: 2023 – 207 páginas


No afã do final da Guerra Fria, os pensadores do início da década de 1990 se acharam no direito de reavaliar toda a História da humanidade; desde a CNN declarando a paz mundial em 1991, devido sua capacidade de conectar o planeta pela TV, até Francis Fukuyama alegando o fim do desenvolvimento da humanidade; o que não faltou foram delírios de que a hegemonia dos Estados Unidos e as novidades nas telecomunicações inaugurariam uma era totalmente inédita e diferente da nossa espécie.

Conforme analisamos detidamente na obra de Fukuyama, esse frisson todo não se tratou de nada mais que ideologia; uma propaganda patrocinada pelo lado vencedor daquele conflito, em especial a burguesia dos Estados Unidos – e esta afirmação abre perfeitamente o tema deste livro. Uma das ideias divulgadas naqueles tempos – e que ainda permanece em alta – é que o conceito do Imperialismo teria se tornado ultrapassado. O fato disso emanar dos EUA não é coincidência.

Nesta obra magistral, a economista Juliane Furno, que nos últimos anos se destaca na produção de conteúdo sobre o tema no YouTube, parte do pressuposto que o Imperialismo não só não está ultrapassado como continua tão cruel como sempre, e decide demonstrar essa posição ao fazer uma grande retrospectiva deste conceito; desde sua introdução em Marx até as interpretações mais atuais.

A mais clássica charge sobre o tema: a China sendo repartida por Inglaterra, Alemanha, Rússia, França e Japão ao final do século XIX.

Nesse sentido, já pontuando que trabalhamos com conceito de Imperialismo a partir do elaborado no pensamento marxiano: como uma característica exclusivamente capitalista – já tive discussões acaloradas com um amigo que dizia sobre imperialismo nos Impérios da Antigüidade – que, sendo assim, nasce junto com esse modo de produção. E que começa a entrar no centro da discussão na época da Revolução Russa; a partir dos densos debates entre Lenin, Rosa Luxemburgo, Bukharin e Kautsky.

A autora relembra discussões mais antigas, como a de John Hobson e Rudolf Hilferding, mas é no seio desse grupo revolucionário russo e alemão que o imperialismo “cai na boca do povo”, em especial destaque a obra de Lenin. Mas aqui, Juliane Furno consegue ir – como acontecerá em todo o curso do livro – demonstrando como cada autor contribui com a construção desse conceito. Neste momento inicial, ela classifica essa discussão como “teoria clássica do imperialismo“.

Em seguida, a próxima parte do livro é referente ao “imperialismo no pós-guerra”. Momento no qual o grande destaque é a Teoria da Dependência, que, em linhas gerais, aponta como o desenvolvimento econômico capitalista precede, isto é, precisa invariavelmente, de dois polos econômicos, um central, explorador, e um periférico, explorado, que depende do anterior. Nesse sentido, não há saída para os países dependentes: estariam fadados ao subdesenvolvimento, transitando em graus menores ou maiores dessa condição subalterna. Os grandes nomes que a autora apresenta neste ponto são o brasileiro Ruy Mauro Marini e o egípcio Samir Amim.

Em 1966, Cuba organizou a conferência que ficou conhecida como a Tricontinental anti-imperialista, um encontro para os países e movimentos da Ásia, África e América Latina discutirem alternativas e ações contra o Imperalismo Europeu e Norte-Americano.

Na década de 1990, o fenômeno da globalização reclamava para si – ou melhor, pensadores dos países centrais, ou patrocinados por eles, atribuíram à globalização – o final do Imperialismo. Com a mundialização dos mercados, a capacidade do capital de se locomover, os avanços da logística, as telecomunicações permitindo o compartilhamento de tecnologias e saberes quase que instantaneamente; argumentava-se que já não existiria terceiro mundo e países subdesenvolvidos, mas sim “países em desenvolvimento”: seria possível todos caminharem para um grande final comum de riqueza e prosperidade.

Como já nos alertava Milton Santos, a Globalização é perversa e o horizonte não era positivo. Apesar de uma possível democratização da economia e da produtividade, com tecnologias tão avançadas nas fábricas europeias ou asiáticas, a exploração dos trabalhadores e da classe média mantem-se diferente. Com o Conceito das Cadeias de Valor Trabalho (ou Cadeias Globais de Valor), entende-se que a capacidade produtiva é descentralizada, mas no quando de valor é extraído do trabalho há uma grande disparidade entre os países centrais e periféricos: mesmo com produtividades equivalentes, o trabalhador na América Latina recebe menos pelo mesmo valor produzido que o trabalhador nos EUA.

E isso só é possível porque, talvez a característica fundamental deste conceito, o Imperialismo nasce da relação entre a burguesia nacional e o estado nacional. Contrariando a propaganda neoliberal, que alega o fim ou a diminuição do Estado, e isso acarretaria num mundo governado por empresas, o Estado, como bom e velho balcão de negócios da burguesia, realiza o que se chama de “arbitragem global de salários“. Desde de intervenções militares e financiamentos de golpes de estado, em um caráter mais radical, ao patrocínio de “estudos” e de produção audiovisual que recomendam austeridade fiscal, nas ações mais brandas, os Estados dos países centrais garantem que os Estados periféricos permitam (e as respectivas burguesias nacionais aproveitem) a superexploração de sua classe operária e obtém disso seus superlucros.

Um mesmo produto atualmente pode ser produzido com a mesma tecnologia na Dinamarca, no Brasil ou em Taiwan, mas o salários não são equivalentes. O que explica isso é o Imperialismo.

Apesar de se “reinventar” em mecanismos, e transcender diferentes períodos históricos da contemporaneidade, o Imperialismo ainda é, em essência o mesmo mecanismo há séculos, que garante o enriquecimento das classes dominantes em países centrais e o empobrecimento das classes dominadas nos países periféricos – e continua tão, ou mais, forte como sempre. A melhor forma de compreender essas transformações e continuidades de maneira rápida e didática que conheci até hoje é nesta obra de Juliane Furno.

Excelente (5/5)

Ao que se propõe, resumir o debate sobre o conceito de imperalismo e demonstrar como ele ainda opera e dita os rumos políticos e econômicos da atualidade, consegue fazer de forma excepcional.

Estados Unidos: no século XXI, o Imperialismo é predominantemente um fenômeno americano, é o que argumentam pensadores como Vijay Prashad, Atílio Boron e Domenico Losurdo. Diferentemente do século passado e as disputas interimperialistas, os EUA são o centro da exploração mundial. Com uma máquina militar sem paralelo na história, gastos bélicos astronômicos, e presença militar em 2/3 do planeta, os americanos “governam” com mão de ferro a Terra.

Não apenas diretamente, como também a partir uma indústria cultural que produz mais de 3/4 de todo o audiovisual mundial, a propaganda estadunidense divulgando suas virtudes e as do neoliberalismo é onipresente. Mesmo a União Européia e o Japão se tornam subordinados ao serem frequentemente pressionados em posições militares, por exemplo, quando participaram das invasões no Oriente Médio ou em embargos comerciais.

O enfraquecimento dos EUA nos últimos anos, especialmente se comparado à pujança do crescimento Chinês, é “apenas” uma crise intrínseca ao neoliberalismo. Algo que, por sua vez, apenas faz com que o avanço imperialista americano sobre a periferia seja ainda mais voraz; para compensar suas perdas.

Presença Militar dos Estados Unidos em 2009. Hoje é ainda maior.

Imperialismo Chinês: um dos debates mais ferrenhos da atualidade é a existência de outros imperialismos. Conforme a autora aponta, nos dias atuais, este é um fenômeno eminentemente americano, e em menor grau da Europa Ocidental e do Japão, mas mesmos nestes países suas burguesias são subordinadas aos Estados Unidos. Então, como ficaria incursões de outras potências menores com o objetivo de minar a influência de Washington, como a Rússia e a China?

Na questão da Rússia, Juliane Furno não entra, compreensivelmente, pois a economia russa faz parte do grupo dos dependentes, ainda que seu poderio militar esteja entre os maiores do planeta; mas com relação aos chineses o buraco em mais embaixo. Para a economista, apesar da capacidade econômica da China, ela ainda se trata de um país periférico, pois seus trabalhadores ainda são explorados em uma perspectiva internacional: recebem menos pela mesma quantidade de trabalho realizada no Norte Global.

Apesar da pujança da tecnologia chinesa e sua capacidade de interferência em outras nações; ela argumenta que a burguesia chinesa – se é que ela existe, dentro da lógica desse debate – não subordina o Estado aos seus interesses (não pressiona, por exemplo, para a China realizar intervenções militares na África para garantir suas obras de infraestrutura, como a OTAN pratica). Além disso, os lucros provenientes da exploração do trabalho no país são revertidos em investimentos públicos, internos e externos, numa taxa incomparável com o padrão de Europa e EUA, assim como os ativos chineses são de natureza distinta dos rivais; os investimentos estão, na maioria em títulos da dívida pública, de menor rentabilidade, enquanto os americanos e europeus são de ações diretas de empresas e fundos privados.

Presença de investimentos chineses em infraestrutura até 2013.

Particularmente não vejo muita firmeza nesse ponto; apela-se a muitas “tecnicalidades” do conceito para explicar que a exploração que a burguesia e o Estado chinês fazem em escala global não é tão selvagem quanto suas contrapartes do Atlântico Norte. Não que sejam avaliações falsas, mas quanto isso muda a prática? Quando uma estatal brasileira é privatizada no Brasil e os trabalhadores novos recebem menos que os públicos, por exemplo, faz diferença para nós que seja para uma empresa privada americana ou uma estatal ou mista chinesa?

Dominação empresarial: outra característica muito interessante do Imperialismo contemporâneo é o poder que os oligopólios multinacionais, sediados nos países centrais, detém sobre seus fornecedores espalhados pelo planeta. Através dos mecanismos de IED (Investimento Estrangeiro Direto), subcontratações (arm’s length contracts) e offshoring, as gigantes estrangeiras decidem quem vive em quem morre nos países subdesenvolvidos, em termos de empresas locais.

No Brasil, o setor de autopeças foi muito significativo no século passado, enquanto, no atual, minguou. Com as montadoras descentralizando a produção ao redor do planeta e, paradoxalmente, a “democratização” das tecnologias, o campo de ação dessa indústria se reduziu muito e cada vez mais dependente de parâmetros de operação e fabricação decididos pelas matrizes no Norte Global – inviabilizando, assim, surgimento de marcas locais.

Também me lembrei da obra de Rob Wallace, Pandemia e Agronegócio, no qual as matrizes e os Estados originais das gigantes do Agro, diante de surtos epidemiológicos, exigem cada vez mais normas técnicas e condições de segurança impraticáveis e insustentáveis de fornecedores menores a ponto de quebrá-los e manter apenas suas subsidiárias escolhidas no mercado.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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