Povos e Impérios

Povos e Impérios: uma história de migrações e conquistas da Grécia até a atualidade – Anthony Pagden

Tradução: Marta Miranda O’Shea – Editora: Objetiva

Ano de Lançamento: 2001 – Minha Edição: 2002 – 262 páginas


Pensar em história, de forma genérica, nos trás imediatamente imagens de pirâmides egípcias, colunas gregas, elmos romanos; lembramos de personalidades como Júlio César, Napoleão, Victória… mais que representarem civilizações antigas ou períodos cronológicos, essas lembranças remente a grandes Impérios, que conquistaram grandes extensões territoriais e um grande número de súditos.

Nesta obra, o historiador americano Anthony Pagden busca explorar as continuidades e diferenças de variados Impérios ao longo da história da humanidade. Com um objetivo tão pouco delimitado quanto este, inevitavelmente, seria necessário restringir a algumas dessas instituições. Seus principais objetos de estudo aqui são o Império Macedônico (alexandrino), o Romano, os Impérios Ibéricos (Portugal e Espanha), o Império Francês (napoleônico) e o Império Britânico (vitoriano), e as comparações entre eles.

O que o autor quer fazer aqui não é uma história dessas “nações”, contar como nasceram, se firmaram e caíram, ainda que sejam temas recorrentes, mas sim observar como cada uma delas se entendia como “império”. Para ele, o apesar de existem importantes conquistadores egípcios, mesopotâmicos ou persas, por exemplo, o primeiro Império surge com Alexandre da Macedônia. Sua noção do Império helenístico teria sido a primeira tentativa do Império Universal: ao invés de cidades ou povos tributários, o helenismo buscava a construção uma “identidade”, na falta de melhor expressão, comum entre os habitantes e subordinados daquele determinado império. O intercâmbio cultural ocorrido entre os diferentes povos conquistados pelos macedônicos, sua principal inovação, era uma característica de suas aspirações universalistas.

Importante ressaltar que a expressão tem origem posterior, latina, na qual o imperium significava um poder supremo dado a um magistrado em determinadas ocasiões, englobando as esferas cívicas e militares, isto é, um poder universal. Todos os súditos àquele detentor do imperium estariam sujeitos as mesmas políticas. Não por acaso, na sequência Padgen explora as características romanas, que se distinguiam das helênicas através da expansão do direito romano; nesse sentido, o Império também ganhava poderes legais em sua expansão e controle.

Após sua queda e, segundo o autor, isolamento dos bizantinos, as aspirações imperiais na Europa, entraram em um interregno, com breves exceções como os imperadores dos francos e o incompreensível poder sacro-romano-germânico. Isso dura até o florescimento dos Impérios marítimos, Portugal e Espanha, que alargaram a noção de Império Universal a limites inimagináveis à época, como autor cita o Tratado de Tordesilhas, tão caro para a nossa história nacional. O poder imperial, literalmente, decidiu dividir o mundo conhecido e não conhecido. Validado pelo papado, a modificação dos portugueses e espanhóis foi atribuir à universalidade a religião católica – que, por sua vez, também nasce de um ideal universal.

A conquista e a conversão dos povos subjugados se tornou indissociável do estabelecimento dos impérios – ainda que já fosse uma prática presente desde à antiguidade até os contemporâneos califados árabes. Tradição “rompida” apenas após a Revolução Francesa, e sua separação entre Estado e Religião, com os Impérios do Século XIX, mais focados na exploração comercial e industrial das colônias africanas e asiáticas. As aspirações do Império Universal deixam de existir com a entrada dos Impérios baseados no Nacionalismo, que delimitam muito mais a relação entre seus súditos e cidadãos.

O impacto destes impérios nacionais é o que determinou a organização social até os dias de hoje; pois eles foram derrotados por outras lutas nacionais – elas que nasceram da formatação imposta pelas potências imperiais. Desde então, teria sido o fim dos impérios – formalmente encerrados em 1999, quando Reino Unido e Portugal devolvem Hong Kong e Macau para a China. Aqui podemos perceber o problema do livro.

Escrito na virada do milênio, bebe das mesmas fontes e têm as mesmas noções do Choque de Civilizações e do Fim da História, nas quais prega que as “diferenças” entre os países explorados e os exploradores – criada, justamente, pelos Impérios Coloniais, estaria diminuindo e as fronteiras entre primeiro e terceiro mundos sumindo. Ignorando, assim, completamente o conceito de Imperialismo, tal como pensado pelo marxismo; ele até cita que existem as empresas trans e multinacionais, mas que classificá-las de imperialistas é uma “intepretação errônea” – na discussão teórica mais profunda, de fato, seria um erro, mas imagino que não é com isso que Padgen está preocupado.

Começando pelo subtítulo, também presente na obra original, o texto tem a moral que a criação de Impérios é algo “natural” da humanidade, inclusive como consequência ou causa, igualmente “natural”, das migrações. A naturalidade com a qual ele encara essas instituições, de forma completamente acrítica, acaba chegando ao ponto de realmente comprar a ideia das próprias justificativas imperiais, como no caso do Império Romano, na antiguidade, e do Britânico, na contemporaneidade, dizendo que os romanos não eram vistos como conquistadores ou opressores e que os ingleses, em oposição os ibéricos, genuinamente desejavam criar um império da benevolência e liberdade no século XIX apesar dessas aspirações não se concretizassem. Em certo ponto chega a afirmar que os Impérios Coloniais foram estabelecidos pela “asquiescência”, isto é, pelo consentimento dos povos dominados, e não pela força, bizarro.

Convenientemente, também esquece do papel dos Estados Unidos nessa brincadeira toda – o país é citado uma única vez como detentor de colônias; nesse sentido, a impressão é do texto se tratar de uma peça de propaganda do período pós-guerra fria. Ao mesmo tempo que diz que impérios são coisas do passado, também os coloca como algo inevitável, sempre presente na humanidade; isto é, uma quase-tautologia. Se alguém classificar uma intervenção americana, por exemplo, de Imperial, estará errado pois isso já não existe mais. Entretanto, mesmo se fosse o caso de ser imperialismo, o estabelecimento de Impérios sempre existiu, e faz parte da História, então não é algo condenável. Apesar de algumas refinadas reflexões sobre os conceitos de império e uma elegante e rápida retrospectiva histórica, é um livro que busca legitimar a dominação de alguns países sobre os outros.

Mediano (2,5/5)

Apesar do interessante fio condutor da noção de império universal, que não é original daqui, o livro é raso em muitos aspectos ao aprofundar a crítica aos impérios; pelo contrário, os relativa como algo “natural”, possivelmente benéfico e conquistado pela anuência dos dominados.

Edição brasileira: embora a tradução seja impecável, o trabalho editorial para o lançamento no Brasil foi enganoso; o resumo e a orelha dão a entender que haverá uma conexão com os Impérios Contemporâneos, que simplesmente não ocorre, nas últimas páginas há uma correria para explicar a queda dos Impérios Coloniais europeus e alguns desdobramentos. Mas o autor ignora justamente as transformações que as formas de dominação

Império Americano: curiosamente, o autor cita o Império Colonial dos Estados Unidos em uma única página, referindo-se ao ano de 1914 e a situação das disputas internacionais antes do estouro da Primeira Guerra Mundial – e depois esquece completamente. Fala até da queda da União Soviética, como final de um Império, mas os domínios norte-americanos e seu monopólio da influência sobre o planeta após 1991 são sumariamente ignorados.

Conforme pontuamos na resenha, com as obras de Huntington e Fukuyama, é um eco da época: a noção de um “mundo multipolar” em oposição aos dois polos durante a guerra fria – como também alega um Ocidente enfraquecido. Nada mais falso. Apesar de parecer valorizar demais “países emergentes”, como fontes de influência mundial, na realidade isso busca esconder o monopólio que o bloco da OTAN exerce, cada vez mais, na política planetária. Ao mesmo tempo que funciona como propaganda, avisando que caso não haja um fortalecimento do Atlântico Norte, a tendência é a Terra cair no caos – inclusive, esses dois autores falam exatamente isso com palavras muito parecidas.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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