O espetáculo da corrupção

O espetáculo da corrupção: como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país – Walfrido Warde.

Ano de Lançamento: 2018 – Minha Edição: 2018 – 142 páginas


O filme Polícia Federal – a Lei é para todos, lançado em 2017, contando o início da Operação Lava Jato, realizou uma inteligente campanha de divulgação. Financiada por um próprio investigado da polícia Federal, a produção montou estantes com o montante de dinheiro (cenográfico) recuperação pela operação, cerca de 11 bilhões de reais. Vídeos com as imagens circularam o zap da época. O que não foi divulgado, todavia, é que a Lava Jato causou, no PIB nacional, um prejuízo de 184 bilhões até 2017.

A urgência, totalmente justificada, da população brasileira em ver a justiça sendo feita contra seus exploradores acabou por pavimentar caminho para o mais duro golpe sofrido pelo país desde 1964; não apenas politicamente, mas, em especial econômico e socialmente. O que ficou conhecido como “Lavajatismo” foi responsável por demolir boa parte do Brasil em todos os seus termos, do regime político às estatais, das relações familiares ao uso da mídia.

Uma espécie de “Justiça em Movimento”, tal como praticada pelos regimes fascistas, em que leis, entedimentos, jurisprudências, posturas e protocolos eram transformados conforme necessidade dos promotores e juízes – Moro, Dallagnol, Bretas e companhia limitada – a Lava Jato serviu a propósitos totalmente opostos à Justiça.

O jurista Walfrido Warde denuncia, com veemência, desde as primeiras páginas, como, por exemplo, a “punição” aos envolvidos com a corrupção da Petrobrás nos Estados Unidos foi receber indenizações. Conforme dados levantados a partir da própria Lava Jato, o autor indica que o prejuízo com os pagamentos indevidos teria sido de R$ 6,1 bi; entretanto, as indenizações pagas a americanos foi de R$ 9,5 bi. Em outras ações coletivas, mais de 10 bilhões de reais foram usados para encerrar acordos com investidores – dinheiro que acabou sendo utilizado, adivinhem, para recomprar ações da Petrobrás, em baixa, devido, justamente ao prejuízo causado pela operação.

Ele, ainda, faz uma discussão jurídica sobre os meios utilizados pelo lavajatismo, em especial, sobre a delação premiada. Além dos usos nas campanhas eleitorais, que Warde acaba por não comentar, ele indica como isso é uma espécie de privatização da justiça; que terceiriza a fiscalização aos próprios contraventores. Estes que esperam a hora certa (para eles) de realizar a denúncia. O que, aqui complemento, pode muito bem ser antes de um prejuízo que alguma empresa sofrerá, ou após vender um montante de ações – ou se preparar para comprar – coisa que vimos acabar de acontecer com as Lojas Americanas.

O livro também, além de denúncias, contém inúmeras propostas jurídicas e políticas para, de fato, realização de combate à corrupção no Brasil. Vou me limitar a comentar pouco sobre essas questões pois meu conhecimento é quase nulo em direito; entretanto um ponto é importante destacar. Warde gosta de usar os EUA como um modelo nesse campo, no sentido em que eles têm mecanismos de delação premiada, entretanto, a partir da legalização do lobby (doações de campanha), eles funcionariam de forma ideal já que tudo é feitos às claras e documentado – o que impediria a seletividade de denúncias apresentada aqui.

Uma visão muito ingênua – e contraditória. O autor não esconde que está defendendo o bom funcionamento do capitalismo nacional, perfeito. Mas o EUA está longe de ser um país livre de corrupção e com um bom funcionamento político (permeado por parlamentares comprados expressamente por grupos de investidores em determinadas causas). Da mesma forma, a denúncia de como os estadunidenses lucraram com a farsa da Lava Jato, só é possível, justamente, porque eles são corruptos quanto. Parece, ao final, que faltou chegar na raiz da crítica; o autor provavelmente evitou certo termos, tal como Imperialismo, para tentar ser mais abrangente e escapar de rótulos esquerdistas.

Ainda assim, é uma denúncia muito importante feita por Warde. A forma como a Lava Jato foi utilizada pelos participantes para autopromoção é já bastante consolidada – em especial após a Vaza Jato. Apenas lunáticos ainda vêem Moro com herói de alguma coisa. Entretanto, se a farsa midiática já foi desvendada, ainda falta apresentar os interesses econômicos por trás dos duros golpes sofridos, não apenas, pela Petrobrás, mas todas as estatais e parque industrial brasileiros – aventado pela mídia e mercado como algo coisas que deveriam ser demolidas por estar corrompidas por dentro, sem salvação alguma e danosas por natureza.

Bom (3/5)

Uma importante denúncia feita em um livro breve e atrativo pelo tamanho, em um nobre esforço do autor. Mas não se aprofunda e nem é leve ou direto o suficiente.

Público Alvo – Ao mesmo tempo que o autor se esforça em frases e estilo relativamente populares, com parágrafos curtos, períodos simples, pontos de exclamação, dentre outros recursos, o texto tenta ficar rebuscado demais. Não é nada demais: referências à famosos mitos gregos ou músicas de MPB, mas acho que o livro acabou se perdendo. Fiquei com a impressão que era direcionado justamente a uma classe média-média, como autônomos, profissionais liberais, uma turma a qual já era muito entregue ao fascismo bolsonarista (impressão incluindo a escolha da editora Leya, bastante direitista).

Mesmo contando com dados, pareceres e propostas jurídicas, o texto não chega “lá”. Não ataca diretamente ninguém, ficando uma crítica perdida por ser abstrata demais se destinada ao grupo que está sedento por sangue.

Mãos Limpas – Warde compara Estados Unidos e Itália no combate à corrupção. De acordo com ele, na Europa, a máfia ficou encrustada demais no Estado, e ao atacar os mafiosos sem mecanismos que protegessem as empresas e o Estado, o combate acabou demolindo parte importante do sistema político italiano junto com os bandidos. O que, por sua vez, implodiu os partidos tradicionais e levou ao poder um bandido tão, ou mais, perigoso: Berlusconi. Até hoje as principais agremiações da Itália não se recuperaram.

Já nos EUA, o fato de parte da corrupção ser “legalizada”, através das doações de campanha abertas, faz com que as pessoas envolvidas sejam punidas e não a estrutura política (ou econômica), que permaneceria neutra – já que, exatamente, ela prevê a corrupção – aqui já são palavras minhas. Permitindo que os Partidos Democratas e Republicanos permaneçam estáveis mesmo após incontáveis escândalos, guerras e manipulações das últimas décadas.

O Brasil caminha muito perto do modelo italiano; a ascensão do bolsonarismo sem partido fixo é um reflexo disso. Mas, no caso, os partidos e políticos “tradicionais” continuaram por aí, tocando o cotidiano do país, incluindo a familícia, oriunda do baixo clero parlamentar: o efeito do combate à corrupção na Lava Jato foi quase como filtrar e deixar apenas os piores e mais profundos corruptos e bandidos da política.

Por sua vez, o modelo americano está cada vez mais longe de preservar a democracia e tão débil quanto apesar da estrutura permanecer de pé – apesar de tentarem nos vender que lá é o modelo perfeito de organização política.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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