Vaza Jato: Os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil – Letícia Duarte e The Intercept Brasil
Data de Lançamento: 2020 – Minha Edição: 2020 – 320 páginas
“Ando muito preocupada com uma possível volta do PT, mas tenho rezado muito para Deus iluminar nossa população para que um milagre nos salve” – Valeu! Reza sim. Precisamos como país“. Esta é uma troca de mensagens entre procuradores da Operação Lava Jato, às vésperas da eleição presidencial de 2018, não com familiares ou amigos, mas entre eles em um grupo de conversas dedicado a tarefas do trabalho.
Não a toa, esta foi a primeira conversa publicada pelo The Intercept Brasil em sua série de reportagens sobre a Vaza Jato – a análise e o vazamento das mensagens dos celulares dos promotores da operação Lava Jato, em especial de Deltan Dallagnol, quem agradece as orações contra o Partido dos Trabalhadores na conversa acima.
Esta conversa dá o tom de como o trabalho dos procuradores foi realizado; totalmente direcionado contra o partido em específico, e, em especial uma tara com o ex-presidente Lula. Esta tara os fez, inclusive, passar meses planejando e executando uma operação tendo como base uma fakenews, para conseguir prender “o 9“, como eles apelidaram Lula. Esta última história é uma das duas reportagens inéditas que estão neste livro.

Entretanto, o grande atrativo é justamente o que já havia sido publicado no site, agora reunido, o que corresponde a metade do livro, aproximadamente. As duas matérias inéditas, uma sobre a Lava Jato trabalhando a partir de fakenews, e o outra do relacionamento pessoal de Dallangnol com a Globo, são excelentes. Mas a maior parte do material inédito são de bastidores das reportagens, como o título anuncia.
E nesta parte, não é tão interessante. Escolhida uma autora de fora da redação (e de fora do Brasil, inclusive; uma residente dos EUA) para dar mais isonomia à narrativa, isso não corresponde muito bem ao que lemos. Não há uma investigação por trás dos motivos do vazamento, por exemplo. E aceita-se como verdade tudo o que foi fornecido pra ela pelo Intercept, assim como aceita-se o inquérito da Polícia Federal – que levou a prisão dos “Ararahackers” – como justo.
A experiência anterior de Gleen Greenwald com vazamento de informações é contada neste livro; ele foi o primeiro a ter contato com as mensagens.
Sem lugar para se esconder
O livro que conta a reportagem e a investigação de Gleen Greenwald sobre a espionagem mundial promovida pela Agência de Segurança Nacional dos EUA e empresas de tecnologia americanas. Um dos principais alvos foi o governo brasileiro.
Além disso, tentou humanizar mais os jornalistas, descrevendo momentos íntimos de cada um. O que é interessante do ponto de vista da relação deles com o trabalho, mas bem chato quanto a algumas passagens pessoais; idas ao Starbucks, pegar ubers para tudo, hospedar-se em Airbnb para relaxar, usar meias de pares diferentes intencionalmente… tudo que deve fazer muito sentido pra quem é desse mundo, mas acredito que não atinja o objetivo para a maioria dos leitores.
De toda forma, juntando as reportagens já publicadas com as inéditas, temos duas conclusões muito importantes: a primeira, e mais óbvia, que as mensagens apenas corroboram uma desconfiança prévia; foi uma grande farsa, direcionada a alvos específicos por pessoas que desejavam a queda dos grupos políticos de esquerda e retorno dos conservadores ao poder.
Novidade, nesse sentido, foi desmascarar todo o teatro por trás de Sérgio Moro. Como juiz, deveria ser minimamente isento, mas era o verdadeiro chefe da acusação, coordenando e organizando o trabalho dos procuradores de várias formas.
A segunda conclusão que é possível tirar foi a megalomania dos procuradores da operação. É patético e odioso ao mesmo tempo. Muito religiosos, frequentadores das mesmas igrejas evangélicas, onde pregavam sobre seus feitos, se entendiam como verdadeiros cruzados do bem contra o mal. Se imaginavam, literalmente, como purificadores da política e da história nacional.
A megalomania era tão grande que em certo ponto eles discutem como um vazamento efetuado por eles poderiam eclodir uma guerra civil num país vizinho. Jamais cogitavam estar errados. No episódio da fakenews do Cristo, eles nunca sequer fizeram uma pesquisa básica no google sobre o assunto, que levaria a uma matéria da Época, de 2011, desmentindo esse boato. Nas conversas, depois da apreensão do objeto e veiculação na imprensa alguém avisou os procuradores e um deles jogou a notícia do grupo.

Quando em raros momentos algum jornalista os questionava de alguma forma, eles rebatiam devolvendo questões como: “por que estão batendo na gente? Não sabem que estamos do lado certo? Não entendem que estamos fazendo o bem?“
Felizmente vivemos para vermos em público o quão ridículos esses cruzados eram. Por outro lado, infelizmente, o nível de degradação da legitimidade e institucionalidade do regime político nacional, diferentemente do título do livro, impediu totalmente qualquer sacudida no Brasil.
Nesse sentido, um último ponto muito fraco da narrativa da autora dos bastidores; ao invés de denunciar como tudo acabou em pizza, e assim denunciar regime político brasileiro como um todo, ela tenta a todo custo nos convencer que sim, houve uma grande ressonância. Assim, caindo numa grave armadilha de divulgar que um perder popularidade ou outro deixar um cargo são mudanças significativas no regime político, ou que impediriam novas operações dessa natureza funcionarem desta mesma forma.
PS: ABRIL/2021 – Apesar de atualmente os processos contra o presidente Lula terem sido anulados e os juízes considerados suspeitos, muito ainda está em “pizza”; como a influência da operação no afastamento da presidenta Dilma e nos processos eleitorais subseqüentes. Mas, em especial, o grande problema é que apenas o acesso completo ao conteúdo foi capaz de reverter as condenações. Conteúdo que não foi divulgado pelo periódico online. Em nenhum momento este livro questiona os critérios envolvidos na seleção dos vazamentos, já passível de dúvidas na época. Hoje, ainda mais duvidoso, carecia de uma análise ou ponderação.
Muito Bom (4/5)
O conteúdo das reportagens é excepcional, desmascara eventos que transformaram a história nacional para sempre – embora em caminhos totalmente opostos aos que os procuradores-cruzados dizem fazer. as matérias inéditas também são muito boas. entretanto, os bastidores das reportagens não foi muito mais que uma corOação – merecida, todavia – do trabalho dos jornalistas.
– Transparência Internacional: curiosamente, estes órgãos internacionais de observação quase sempre acabam corroborando o discurso e a propaganda já existente sobre um país. “O Brasil é corrupto, a Síria usou gás químico, o Irã não é democrático, as eleições na Bolívia foram fraudulentas…” por que será?
Na Vaza Jato houve divulgação de uma conversa dos procuradores com a Transparência Internacional. Eles tinham contato rápido uns com os outros, e sugerem até um certo grau de intimidade, tratando-se com aparentes apelidos.

A conversa girava em torno de uma denúncia que a Lava Jato vazaria para a imprensa referente a um escândalo de corrupção na Venezuela – é a mesma em que eles acreditam que vão desencadear uma guerra civil. Os procuradores e os membros da organização internacional chegaram a montar um grupo de Telegran chamado “Venezuelan Dream“, e foram aconselhados nessas decisões pelo ex-presidente Fernando Henrique.
– Filhos do Januário: a maioria dos grupos que os procuradores faziam parte tinham esse nome. A referência era ao veterano procurador Januário Paludo, amigo de Sérgio Moro e tido como uma espécie de guru dos integrantes da Lava Jato. Recentemente ele foi acusado de receber propina de doleiros.
– Apartamentos diferentes: se já não fosse tragicômico que uma das principais evidências do processo do Triplex ser uma nota do jornal O Globo de 2011, relativa à falência da cooperativa que construiria o condomínio, a notícia falava que o apartamento de Lula ficava em outra torre. Mesmo assim foi aceito para abertura do inquérito do Triplex. Os procuradores da Lava Jato confessam nas conversas que tudo era muito fraco, e tentam combinar versões para evitar deixar claro a fragilidade das provas.
– Ato de ofício indeterminado: boa parte das acusações da Lava Jato, incluindo as contra o ex-presidente Lula, se baseiam nesta figura jurídica. O crime de corrupção consiste na troca de dinheiro ou bens por favores políticos, mas é preciso provar o que foi trocado e relação entre as duas coisas. No caso da Lava Jato, Moro utilizou dessa figura para dizer que as empresas pagavam ou presenteavam os políticos com agrados gratuitos para, no futuro, pedir favores e assim condenar sem especificar qual foi o ato de ofício comprado pela corrupção, sendo, assim, indeterminado.

Nas conversas da Vaza Jato, vemos Deltan Dallagnol negociando com uma empresa de segurança digital a compra de softwares e banco de dados de forma gratuita. Seria em troca apenas da exposição da empresa ao lado dos “mocinhos”: o procurador gravou vídeos de elogiando a empresa e seus programas. O detalhe é que essa mesma empresa era investigada na operação.
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