Guerra sem fim


Guerra sem fim. Joe Haldman – Tradução: Leonardo Castilhone

Data de Lançamento: 1974 – Minha edição: 2019 – 352 páginas


As grandes obras de ficção científica são aquelas que por um lado desenvolvem ou extrapolam um conceito tecnológico ou científico – muitas vezes pseudo-científico, tanto faz – e por outro, partem da ficção para levar problemas contemporâneos aos limites e, assim, colocá-los em discussão. Este livro faz essas duas coisas de forma exemplar.

A Terra se envolveu em uma longa guerra interplanetária, até aí nada de novo na Ficção Científica. Mas há um breve e importante detalhe: a humanidade não desenvolveu capacidade de viagens hiperespaciais, por buracos de minhoca ou dobra espacial. As viagens dos combatentes são pelo espaço comum, ou seja, se movendo em velocidade próxima a luz. Elas duram meses, anos, décadas entre uma batalha e outra.

Tempo este que eles não sentem passar por conta da velocidade do seu deslocamento. Ao terminarem uma campanha militar, eles retornam depois de trinta ou cinquenta anos, tendo envelhecido apenas alguns dias. Quando retornam à terra, ou a convivência de outros humanos que não “perderam tempo” na viagem, têm a mesma idade de pessoas de gerações completamente diferentes. Isto é, um adulto com 20 anos, nascido em 1977, como o protagonista, convive em 2024 com alguém também de 20 anos, nascido em 2004.

Neste ponto, na incompatibilidade do personagem com as gerações mais novas, o que o autor imaginou como comportamentos futuristas temos alguns pontos delicados da obra. Há muito foco no estranhamento dele à homossexualidade, que no futuro do livro, se tornou mais que aceita. Não necessariamente é de toda uma abordagem desrespeitosa, mas o incômodo do protagonista com o tema pode incomodar, com o perdão da redundância. Nesta edição da Editora Aleph, há um prefácio especialmente destinado ao lançamento brasileiro em que o autor faz uma crítica a própria obra.

E desta forma, extrapolando o conceito da relatividade do tempo, o livro tenta mostrar, no limite mais absurdo, como os soldados se sentem deslocados ao retornarem de conflitos prolongados em países distantes – a alegoria é clara: à Guerra do Vietnã, onde o autor combateu na vida real. E aí está a genialidade do trabalho; ele poderia usar suas memórias para chocar o público com os “horrores da guerra”, com passagens brutais, mas isso seria relativamente comum; ele decidiu mostrar os horrores do depois da guerra.

Muito Bom (4/5)

Uma ficção científica completa; usando de conceitos científicos realiza alegorias à problemas contemporâneos. E, Levando ao limite à relatividade do tempo, cria situações muito interessantes.

Um autor completo para uma obra completa: além de ter sido combatente da Guerra do Vietnã, experiência que ele usou para metade do argumento da obra, ele também é formado em Física com interesse em astronomia, de onde ele tirou a outra metade do argumento do livro.

O tempo perdido: Um número grande de americanos retorna do serviço militar sem perspectivas profissionais, o que só se agrava com eventuais (e comuns) traumas físicos e psicológicos.

Então além de se sentirem deslocados por uma mudança de personalidade e comportamentos, também são deslocados porque retornam para o cotidiano com “tempo perdido” como trabalhadores. Muitas vezes sem formação superior e sem experiências profissionais comuns, em escritórios ou fábricas, por exemplo, são passados para trás ou não conseguem se integrar aos demais colegas para progredir na profissão – isso, se conseguirem emprego em áreas não relacionadas à segurança.

Essa é parte da alegoria que Haldeman faz no livro com as sucessivas “perdas de tempo”, literalmente, dos personagens. Sem dar muitos spoilers, alguns personagens não conseguem parar de ir para guerra (por isso, “sem fim”).

Um problema americano: por conta da política externa americana, ou seja, seu status de Império em constante conflito, a situação dos veteranos de guerra é um problema frequente do país desde o começo do século passado, fazendo com que esse livro se mantenha atual. A dificuldade de reinserção social de militares continua a ser objeto de filmes, livros e séries, referentes especialmente às guerras do Iraque do Afeganistão.

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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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