Dentro da Noite Feroz

Dentro da noite feroz: o fascismo no Brasil – Luiz Eduardo Soares

Data de Lançamento: 2020 – Minha Edição: 2020 – 119 páginas


Por muitos anos a fio ainda os intelectuais brasileiros tentarão explicar como foi possível chegar onde chegamos na virada da década. Governos ruins, presidentes péssimos, regimes autoritários, já tivemos aos montes, mas as características reunidas neste exato momento em nosso país têm seu grau de ineditismo e choque. Especialmente ao sairmos do “milagrinho” da Era Lula.

Aliás, essa substituição de um período de prosperidade e felicidade supostamente vivido pelo Brasil por um de profundas trevas logo em seguida, de acordo com o autor, seria quase uma conseqüência lógica. O país do PT, baseado em compaixão e uma espécie de superestrutura (o autor não é marxista, estou colocando palavras na boca dele) católica, coletiva, de justificativa e apaziguamento da exploração, fatalmente criaria germes para uma reação individualista de base protestante em seus símbolos.

Aqui, em Dentro da Noite Feroz, embora pelo subtítulo e análise anterior dê a entender uma perspectiva mais histórica, não é essa bem a abordagem. Ele correlaciona os exemplos históricos de fascismo com nosso momento contemporâneo, mas são apenas pontos de apoio de uma análise majoritariamente de atualidades.

Da morte e posterior profanação de homenagens à Marielle Franco por milicianos até as questões de LGBT, suas principais bases são estes debates que vivemos neste exato momento e que rendem conclusões muito interessantes.

Para o autor, a profanação da memória de Marielle Franco foi um ponto sem volta do fascismo brasileiro.

Uma de destaque é a centralidade das questões de sexualidade e gênero em toda essa crise, como uma espécie de “efeito colateral” da insegurança causada pelo colapso generalizado da política e economia mundial. Em tempos sombrios, a população mergulha inevitavelmente nesse sentimento, e, assim, buscando alento em elementos de sua vida mais consolidados; como religiosidade e relações familiares – faces do cotidiano seriamente afetados pelas questões levantadas acima.

Da mesma forma, a insegurança é terreno fértil para esse grupo miliciano e autoritário que domina a atual forma de fascismo brasileiro. Travestidos de respeito à lei e a ordem, esses grupos, na realidade, praticamente renegam tudo que essas palavras – sensivelmente ligadas às instituições – representam. E se baseiam quase que exclusivamente em uma autoridade auto-investida, dos milicianos para eles mesmos; o que só pode ser feito, justamente, por fora da lei: assassinatos, tortura, extorsão dos moradores dos bairros controlados por eles, tráfico de drogas e armas, dentre outros exemplos.

São todas reflexões excelentes, entretanto, o livro tem um grave problema: a escrita, parece que você está lendo Os Lusíadas. É uma linguagem extremamente rebuscada, palavras e conceitos muito difíceis. As construções de frases são terríveis – do ponto de vista de leitura, claro, não da qualidade. Encontrei um único parágrafo se estendendo por três páginas. Há muita adjetivação, exemplos, analogias… quando o autor apresenta um exemplo, são dezenas de formas diferentes de falar a mesma coisa repetidas em seqüência.

Talvez tenha sido uma espécie de tapa com luva de pelica no bolsonarismo, conhecido pelas características mais “rústicas”, mas acaba prejudicando justamente quem está no campo oposto (que é quem vai ler). Se você for corajoso e tiver paciência de Jó, é uma leitura que ajuda muito a compreender a realidade contemporânea.

Muito Bom (4/5)

Análises geniais e extremamente importantes, entretanto, com linguagem e escrita rebuscadas demais, afastando muito qualquer leitor um pouco menos paciente. Seria o ideal até que se elaborasse uma espécie de versão traduzida .

Tortura: uma reflexão muita interessante feita pelo autor é a relação entre esta prática e o negacionismo característico do fascismo atual. Segundo ele, este é seu estado mais bruto e primitivo. O que de fato faz muito sentido, afinal a tortura além de negar a humanidade da vítima, faz com que a narrativa esperada ou criada pelo carrasco suplante a original do torturado – a ficção suplantando a não-ficção.

Mobilizador: apesar de indissociável clima para o florescimento do fascismo bolsonarista no país, o autor nega veementemente que o fenômeno miliciano seja apenas uma surfada nas ondas do momento. As ondas foram criadas também pelos próprios surfistas. Ele tem seu efeito mobilizador e foi se construindo, criando e enraizando através de ações e símbolos próprios.


Também pode se interessar por:

Como as democracias morrem

Contrabandeado como uma grande análise, é uma baboseira do início ao fim: as respostas que eles apresentam deveriam ser a partida da análise, para ir mais a fundo ou desconstruí-las. Ao contrário, o livro apenas endossa as explicações mais superficiais possíveis para a crise política mundial.

Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: