Antes da compra pela Disney, tudo o que possuíamos eram exatamente os 6 filmes, o que constituía o chamado G-Canon (G de criado diretamente por George Lucas), tudo fora disso era considerado o Universo Expandido de Guerra nas Estrelas – a exceção do T-Canon, composto pelas séries animadas e algumas iniciativas multimídias como Shadows of the Empire ou Force Unleashed, mas isso é papo para outra hora. O C-Canon, o S-Canon e D-Canon compunham essa complexa teia de histórias de livros, jogos, cardgames e produtos licenciados. A LucasArts possuía um departamento chamado Holocron dedicado a manter um banco de dados e um cânon relativamente coeso das obras.
Havia uma ordem de importância, o G-Canon era o principal, a grande fonte, e tudo deveria ser feito de forma a não contrariá-lo, sob pena da LucasArts considerar seu produto N-Canon, ou, normalmente, sugerir alterações.
Isso fazia com que as obras (livros, quadrinhos, games), o grosso do C-Canon, o universo expandido mais importante, se organizassem a partir das duas trilogias. Não importa o quanto elas se desenvolvessem, realizassem as mais profundas digressões, tudo precisava voltar e se encaixar aos filmes (nem sempre isso era cumprido, claro). Nesse sentido, devido às limitações e objetivos poucas as obras acabavam tendo um valor ímpar, tendo valor por si só, melhor dizendo, constituindo meros trabalhos derivativos, alguns melhores, outros piores.
Após a compra da LucasArts pela Disney, absolutamente tudo o que foi lançado antes daquele triste momento, a exceção dos filmes e séries animadas, foi retirado do cânon e transformado em “Star Wars: Legends”. A partir de então, tudo seria parte de um único Cânon, tudo seria a verdade tal como aconteceu – exceto por obras com múltiplos finais ou explicitadas previamente como fora de cânon.
Obi Wan Kenobi, a primeira série a realmente tentar contar uma história de um dos protagonistas da saga na fase Disney, lembra demais os trabalhos derivativos do Universo Expandido. Não é uma história que tenta “andar para frente” ou mesmo criar traços importantes para os personagens, apenas quer contar uma breve side-story que vá e volte ao mesmo ponto.
Agradou: Ewan McGregor e Vivan Blair
Talvez o melhor ator que já passou por Guerra nas Estrelas ao lado de Nathalie Portman. Em todas as suas cenas é possível entender profundamente o personagem em seus trejeitos e olhares; uma pessoa desolada, triste, perdida, derrotada, que se vê como incapaz de mudar o destino de qualquer pessoa ou coisa. A conexão nossa com ele é intensa em todos os momentos. isso aqui foi um trabalho de gênio, o melhor da carreira do cara. Se não fosse ele, este seriado aqui teria muito pouco valor.

Felizmente, ele também foi capaz de criar uma dinâmica muito boa com a pequenina Vivian Blair, atriz que dá vida a jovenzinha Leia Organa. Apesar de prejudicada por uso extensivo de clichês de heróis-mirins (entrar em espaços apertados, falar verdades na cara dos outros), ela fez um grande trabalho.
Desgradou: preguiça de roteiro, clichês, trama derivativa
Sem revelar muito do enredo, apenas vou dizer que um personagem é morto em cena mas aparece vivo e completamente livre de sequelas depois dizendo que a vontade de se vingar o manteve vivo. E não apenas fica por isso: se achando extremamente inteligente, o roteiro faz um foreshadowing para justificar uma morte e ressurreição que vai acontecer em seguida.
É tudo muito preguiçoso, o começo e o final da série é apenas uma intercalação de clichês e fanservices (inserção despropositada de cenas e elementos com o propósito de agradar os fãs). Temos desde uma trama de “pobre menina rica” que agradece aos escravos (que é o que os droides são, precisamos falar sobre isso) pelo serviço prestados, como uma incrível amostra de nobreza, até a reconciliação geral dos mocinhos.
E não apenas o lado do bem sofre, os vilões também são muito maltratados: o único desenvolvimento um pouco melhor acontece já da metade para o final da minissérie e ainda permeado por várias decisões problemáticas. Eles se limitam a parecer com cara de mau e tomar decisões que permitem os protagonistas escaparem.
A tolerância poderia ser mais alta caso a estória tivesse um aspecto menos derivativo ou com menos ar de side-story. A trilogia prequel, por exemplo, está longe de ser genial, especialmente nos diálogos, mas ela vale tanto pela jornada quanto pelo destino, para entender como chegamos ao episódio IV. Mas se o objetivo é chegar ao mesmo ponto que a partimos (que vai ser o caso de todos os trabalhos de Star Wars que se utilizem dos protagonistas), a jornada precisa ser muito diferenciada. Coisa que não houve aqui.
Episódios
Parte I – Os Inquisidores vasculham a galáxia capturando sensitivos da força e Jedi sobreviventes da ordem 66 após o golpe que implantou o Império. Por capricho do destino, ou pelos caminhos da Força, eles estão vasculhando um potencial cavaleiro escondido em Tatooine – e não estamos falando de Kenobi. Enquanto isso, a princesa Leia vive sua infância entre a realeza de Alderaan, sofrendo discriminação por ser adotada.

O episódio é muito competente em estabelecer o triste contexto em que Kenobi está vivendo – que é, disparadamente, a melhor coisa do seriado – conseguimos ver nele o desolamento e tristeza completos que se abateram ao personagem. Menos interessante é a contextualização da “pobre menina rica” estabelecida para Leia, repleto de clichês.
Apesar do argumento em si, o sequestro, ser razoável, o roteiro não faz muito esforço deixar as coisas bem conectadas. São apenas uma porção de conveniências, o que enfraquece a obra: calhou de os inquisidores estarem em Tatooine, e na hora em que o protagonista estava por perto, e coincidiu dos inquisidores lembrarem de Kenobi naquela hora, e ainda sabe-se lá Deus o porquê, terem um insight e recordarem da amizade entre o protagonista e um senador. Organa é mencionado apenas para gente, para os inquisidores, lembrar dele foi completamente aleatório.
Tecnicamente, por sua vez, como todas as produções da LucasArts, há pouco o que ser dito. Som, figurino, efeitos especiais, todos irrepreensíveis; exceto pela trilha sonora, que achei genérica e não fez um bom uso da trilha dos filmes. Uma pena que em roteiro, não é dos mais caprichados.
Mediano (2,5/5)
Parte II – No encalço de Leia, Kenobi chega até Daiyu, um planeta dominado por bandidos, caçadores de recompensas e a escória da galáxia no geral – mas onde, aparentemente, temos um Jedi escondido que ajuda os moradores de tão triste lugar. Apesar de bons efeitos especiais, temos um planeta muito genérico (o que é defeito crônico de Guerra nas Estrelas, de certa forma, já que normalmente temos um planeta “X” inteiro com as mesmas características), lembrando até mesmo os pobres cenários urbanos CGI de Rebels.

O episódio faz uma interessante opção por reunir os protagonistas até sua metade, o que cria a melhor dinâmica de personagens da série – ainda que previsível em certos momentos. Há uma sacada divertida em relação ao outro Jedi no local. Ele não deixa de ser um alívio cômico bobinho, mas não faz mal para ninguém e ainda tem uma conexão orgânica com a trama no geral (e até mesmo uma reviravolta).
Sendo mais focado em ação, o capítulo flui melhor que o anterior, embora ainda há pouca inspiração no roteiro e diálogos; que inclusive criam contradições canônicas (como a aparente morte de um personagem) e de coerência interna, já que o uso da Força por Kenobi em determinados momentos não gera consequências.
Bom (3/5)
Parte III – Fugidos, Kenobi e Leia chegam a mais um planeta desolado, agora o devastado pela mineração Mapuzo. Não demora muito e os Inquisidores também descobrem o paradeiro do velho Jedi.
O seriado ganha muita força aqui ao estabelecer alguns elementos mais particulares de sua narrativa. Temos a apresentação de alguns elementos específicos de lore de Guerra nas Estrelas introduzidos aqui, como o “Caminho” – uma clara alegoria à Ferrovia Subterrânea dos Estados Unidos – o estado que se encontra Mapuzo, destruído pelo Império, e a caracterização de colaboracionistas.
A relação entre os dois protagonistas tem alguns momentos muito tocantes e é seu ponto alto, incluindo diálogos muito bem escritos, coisa que ainda não tinhámos visto. A apresentação de outra personagem importante, ligada ao Caminho, é também muito salutar e cria profundidade ao universo do seriado (que estava faltando). Tudo é bem conduzido, com algumas reviravoltas interessantes que mantém sempre um bom ritmo.

A grande atração acaba sendo a aparição do maior vilão de Guerra nas Estrelas e um possível reencontro. Altos e baixos aqui. Gostei da versão cruel de Vader, como em Rogue One, o que é sempre muito importante pois acabamos por ter uma ótica muito simpática a Anakin – e, da mesma forma, é uma caracterização razoável, pois o vemos extremamente impulsivo, dando um toque diferente ao personagem, normalmente soturno. Flerta com uma presença fora de personagem, mas não vejo assim pois estamos assistindo um Vader intermediário entre as trilogias e que, nesta situação em especial, se vê diante de uma situação capaz de despertar todos os “gatilhos” possíveis de sua raiva.
Por outro lado, esperava mais drama, alguns diálogos mais inteligentes – a apatia de Kenobi, o ponto mais forte do seriado até agora, passa a incomodar – e a impressão que fica é a de que foi apenas um “aquecimento” para um eventual segundo encontro.
Muito Bom (4/5)
Parte IV – Com a princesa em poder dos inquisidores em sua fortaleza, Kenobi tenta montar algum plano de resgate em conjunto com os membros do “Caminho”. Neste momento, pesa a falta de desenvolvimento geral dos vilões. Em episódios anteriores, ficava claro que havia uma certa oposição ao fato de terem sequestrado a filha de um senador, o que é deixado de lado e a loucura coletiva dos antagonistas chega no auge neste capítulo, onde Leia é preparada para ser torturada.
Tudo isso poderia ser mais crível, ao mostrar de fato eles ensandecidos com a oportunidade de pegar Kenobi, mas o desenvolvimento deles é completamente nulo. O fato da Terceira Irmã ter assassinado o Grande Inquisidor (o que provavelmente sofrerá retcon) fez com todos os outros passassem a seguir “seu plano”, que é completamente improvisado, sem grandes questionamentos, apenas algumas ameaças vazias e caras de mau. Nem a aprovação de Vader ela tem objetivamente – outro grave defeito, o grande vilão também entra no embalo dela sem questionamentos – e mesmo assim a coisa segue adiante.

Por outro lado, o ritmo do episódio é bom – foi ótimo ele englobar tanto a decisão de invadir, a invasão quanto a resolução dela – e as sequências de ação são todas bem interessantes, ainda que inverossímeis: o “disfarce” do final é completamente ridículo ou uma caixa atingir uma nave causar sua explosão.
Mediano (2,5/5)
Parte V – As forças imperais, comandadas pelo Lorde Vader em pessoa, cercam os refugiados em Jabiim; Obi Wan percebendo a derrota iminente, tenta uma forma de protelar a invasão ao negociar com a implacável Terceira Irmã. O desenvolvimento dessa nova personagem confere um fôlego muito grande ao seriado, impressionante. Uma pena que para segurar uma reviravolta, ela precisou permanecer tão rasa por mais da metade do seriado.
E é basicamente ela que segura e consegue elevar o nível do episódio. Bastante formulaico, temos os heróis resistindo em espaços fechados, os vilões tomando decisões de inteligência questionável, personagem morto que aparece vivo, a criança prodígio salvando o dia… Há algumas sequências criativas, especialmente envolvendo uma nave levantando vôo, mas, no mais, o capítulo (como boa parte da série) é uma porção de clichês.

Eles até funcionam bem, inclusive o flashback de um duelo entre os antigos Jedi, que é capaz de emocionar antigos fãs ao vermos os atores contracenando novamente; apenas que, como todo este seriado, não é nada demais.
Bom (3/5)
Parte VI – Para permitir que os refugiados consigam se livrar das forças imperiais, Obi-Wan decide dar uma última cartada e chama Darth Vader para um duelo final entre os dois. Enquanto isso, Reva decide descobrir o que há em Tatooine que o antigo Jedi deseja proteger.
Muita preguiça para escrever esta reta final da série: novamente uma personagem que parecia que morreu na verdade continua viva; os vilões continuam tomando decisões inexplicáveis (não havia caças para atacar a nave que fugiu?); e, especialmente, uma completa falta de noção de passagem do tempo entre os núcleos.

É inexplicável e incomoda demais o quanto os deslocamentos se tornaram instantâneos – eu sei, eu sei, O Império Contra-Ataca também é confuso e as viagens espaciais de Guerra nas Estrelas são um tema constante de controvérsia – e reflexe preguiça e falta de habilidade de edição. Uma escolha de introduzir o arco de Reva apenas após o término da luta principal seria simples e muito melhor, mas buscou-se o caminho mais pasteurizado de intercalar dois núcleos de ação para manter o “thrill” constante – o formato Marvel é um câncer.
Os núcleos em si são os dois bons, tanto o duelo quanto a surpreendente resistência de Owen e Beru à terceira irmã. A quebra do capacete já havia sido utilizada em Rebels, mas acabou tendo um efeito fantástico por vermos o ator “original” (jamais esquecermos vocês, David Prowse e Sebastian Shaw) por trás da voz de Darth Vader pela primeira vez, se tornou um marco instantâneo da saga.
As conclusões posteriores, infelizmente, são pontuadas por puros clichês. Vader e Palpatine têm uma conversa inócua, Obi Wan arrisca uma outra vez sua saída do exílio tão somente para possibilitar uma cena de reencontro, e o esperado encontro com um antigo cavaleiro ocorre sem motivo aparente apenas para lhe dar conforto – e funcionar como fanservice. O que norteou também a apresentação do velho mestre ao futuro aprendiz, algo que não fez o menor sentido; era para os tios de Luke terem mais raiva do Jedi, já que ele não estava lá quando um Sith atacou – mas, aparentemente, a sequência foi construída para haver o “hi, there” característico do personagem.
Justamente o mais original, o destino de Reva, permanece em aberto, após ela apenas sumir de cena, provavelmente para ela aparecer em algum outro produto da Disney – a Marvel é um câncer.²
Mediano (2,5/5)

Melhor Episódio
Parte III – Fui pego de surpresa com um confronto entre Obi Wan e Vader tão cedo, e foi uma bela a forte sequência, embora eu esperasse melhores diálogos. Mas, por outro lado, tivemos, sim, os melhores diálogos da série, entre Leia e o Jedi no pau-de-arara espacial, tudo muito tocante. Além disso, também houve a introdução do principal lore inédito (talvez o único) provido pelo seriado: o “Caminho”, a rede de proteção a Jedi e sensitivos da força durante o Império.
Pior Episódio
Parte VI – Difícil escolher o pior, pois a mediocridade foi de certa forma também mediana, não há nenhum que concentre um número maior de problemas e absurdos. Entretanto, eu fico com a conclusão da série devido a preguiça generalizada deste final e a péssima condução de lógica interna em sua passagem de tempo.
Outros seriados de Guerra nas Estrelas:
Mandalorian – 3ª Temporada – no piloto automático
Sem saber exatamente qual a história principal do seriado; temos uma temporada divertida, mas desorientada, irregular e sem sal.
Andor (1ª Temporada) – A produção mais adulta de Star Wars
Andor é uma obra tão tridimensional, e um passo muito grande na relevância de Star Wars como Ficção Científica, que custo a acreditar que saiu da fábrica de enlatados da Disney.
Uma série que não precisava existir: O Livro de Boba Fett (1ª Temporada)
Ressuscitar um personagem após 40 anos já era uma ideia arriscada. Fazer isso em um spin-off de um outro programa inspirado justamente em Boba Fett, então, rendeu um erro feio apenas na segunda tentativa de série baseada em Guerra nas Estrelas
Um comentário em “Kenobi – 1ª Temporada – Um Livro do Universo Expandido em forma de série”