Contra Amazon e outros ensaios sobre a humanidade dos livros – Jorge Carrión
Tradução: Reginal Pujol Filho e Tadeu Breda – Editora Elefante
Ano de Lançamento: 2019 – Minha Edição: 2021 – 301 páginas
Uma cena muito comum que cada vez mais parte corações é ver livrarias fechadas, desde as extintas livrarias de rua até as lojas de shopping. E nem estou indo muito longe, da livraria de uma rua florida em charmoso bairro com construções do XIX ou da Dom Quixote do Miguel de Laços de Família, falo mesmo das megastores como a FNAC da Paulista ou as redes Saraiva e Nobel nos shoppings da Zona Leste de São Paulo. Livraria se tornou um negócio inviável.
Eu iria mais longe: o varejo como um todo está se tornando inviável, exceto em artigos de roupas ou sapatos, por exemplo, que exigem provas; e os espetaculares templos do consumo, os Shoppings, caminham a passos largos para se tornarem cascas ocas – e, no momento, são apenas sustentados por franquias em todos os setores, se você reparar mais detidamente. Mas esse não é o escopo de Carrión.
Este escritor espanhol, além de sua carreira com ficção, se dedicou a estudar também hábitos de leitura e, especificamente, a história das livrarias e bibliotecas. Como não poderia ser diferente, ele se preocupa muito como, ao redor do mundo, o comércio de livros vem se tornando uma atividade em extinção. E, pelo título, sabemos que ele apontou uma importante responsável por isso, a Amazon – e seu modelo de negócio mais especificamente, baseado na venda expressa, com o menor contato possível com o cliente e a preços impraticáveis (o dupping).
Mas, na realidade, o tema é abordado apenas no curto primeiro dos 19 ensaios que compõe esta obra. A crítica do autor à gigante da logística tem menos a ver com o aspecto econômico e social e mais com a cultura, no caso, seu problema é desumanização do livro – tratado por ela como mercadoria tal qual uma caneca, uma camiseta ou um chaveiro, e, de fato é assim. A Amazon apenas focou sua atividade em livros por serem objetos fáceis de armazenar, organizar e transportar.
Então, nesse sentido, o resto da obra após o texto principal é dedicado a mostrar a humanidade dos livros. Eles não seriam objetos comuns. Todo exemplar carrega uma história, não apenas aquela escrita em suas páginas, mas a história de quem o lê, de quem o escreve, de quem o indica, de quem o vendeu, de quem o compra, do local onde ele foi vendido ou exposto e assim por diante.
Nesse sentido, são ensaios diversos demonstrando essas variadas facetas nas quais os livros são capazes de transcender seu status de objeto e adquirem significado humano: entrevistas com livreiros do extremo oriente, bibliotecários latinoamericanos ou com escritos; ainda ensaios, crônicas e crônicas de viagem.
Se trata, na realidade, de um compilado de vários textos muito diferentes uns dos outros, que buscam desenvolver seu argumento de que livros são mais que mercadorias. Essa variedade de estilo torna a leitura um pouco irregular, não do ponto de vista de qualidade, óbvio, mas de aproveitamento. Alguns ensaios são muito sensíveis, outros são entrevistas quase burocráticas, outros você nem entende exatamente o porquê estão ali, e alguns parecem caprichos do autor. Também há uma confusão grave, de ordem metodológica poderíamos dizer assim, ao misturar bibliotecas e livrarias da forma como é feito na compilação.
Apesar de majoritariamente poético, acredito o resultado da obra acaba sendo uma crítica enfraquecida, já que Carrión parte de uma ótica “moral”, muito subjetiva, para contrapor o que Bezzos faz. (veja abaixo com mais detalhes). Todas as mercadorias que ele vendem poderiam ser vendidas como ele quer, mas os livros não, pois eles são mais que isso conforme os ensaios anexados demonstraram.
Desta forma, não temos um Contra Amazon, no sentido de uma crítica detalhada ou um manifesto contrário ao modelo de negócio, observando seus métodos e impactos, por exemplo. Um título que talvez seria mais adequado à edição brasileira seria um “Anti-Amazon“, pois o que o espanhol deseja mostrar é uma visão diametralmente oposta a que a Amazon tem sobre os livros, uma contraposição quase que filosófica ao tratamento dado a eles.
Bom (3,5/5)
O título deve ser interpretado corretamente: o teor contrário a Amazon da obra não é uma “crítica” a gigante do varejo, mas uma profunda (mas detida a aspectos “morais”) demonstração de como os livros são muito mais do que ela, e seu modelo de negócio, os fazem se tornar. Ainda assim, a coletÂnea é composta de textos muito diferentes uns dos outros criando uma leitura irregular.
Adições à Edição Brasileira – No prefácio exclusivo, o autor demostra um carinho ao lançamento em nosso país e confessa uma surpresa pelo interesse de editores nacionais pela obra. E ainda temos dois PS do próprio Carrión referentes ao impacto da pandemia de Covid 19 no mercado livreiro, mas, especialmente, temos alguns outros curtos artigos/ensaios/desabafos de livreiros e editores independentes brasileiros.
Essa foi a parte que acabou atendendo mais aos meus anseios da obra. Apesar de todos bem curtinhos (e contar com algumas passagens com forte teor bicho-grilhístico) eles são mais diretos na crítica à Amazon e relacionam muito com o contexto nacional, no qual a empresa americana foi paulatinamente quebrando as redes Saraiva e Cultura, e destruindo o mercado editorial brasileiro.
Um excelente trabalho da Elefante; deve ser a melhor edição da obra já feita.
Isolamento Brasileiro – Durante todo o livro, em todos os textos, inevitavelmente estão presentes referências literárias que o autor se utiliza. As origens são variadas, de obras e personagens espanhóis, ingleses, americanos, latinoamericanos, franceses… e nenhum brasileiro (não me recordo de nenhum português também). No geral, é triste como a literatura brasileira é bastante fora de circuito, especialmente se observamos como a produção do resto da América Latina tem penetração europeia.
O “ensimesmamento” do Brasil é objeto de rápida reflexão de Perry Anderson nesta obra:
Brasil à parte
Composto por textos escritos por Perry Anderson a cada mudança de governo no Brasil – 1994, 2011, 16 e 19 – é uma obra genial de análise distanciada da nossa história recente.
Endeusamento dos livros: fico com sentimentos divididos sobre a proposta da obra. Se por um lado concordo que o livro é um objeto muito diferenciado dos demais e carrega realmente todo esses significados humanos explicados pelos ensaios, isso também é verdadeiro, em menor escala, a outras produções humanas, como filmes, jogos, músicas, como ainda a artesanato ou peças produzidas a mão, de certa forma.
Há aí uma avaliação moral de que o livro é algo mais nobre que as demais mercadorias que a Amazon comercializa. O que eu até acho verdadeiro, mas o aspecto moral é sempre subjetivo – e as vezes carrega várias concepções falaciosas que distorcem, justamente, boa parte do que ele diz. O livro é tido como um receptáculo de conhecimento, de inteligência, algo que confere status variados ao seu portador, que nem sempre são verdadeiros.
E não apenas que nem todo livro é bom e te confere conhecimento, mas como também nem todo mundo que escreve ou lê é moralmente superior aos demais profissionais de qualquer área que produzem outros produtos. No melhor texto do apêndice, da célebre autora Ursula Le Guin, ela aponta como a Amazon simboliza uma transformação do livro em fast-food – as obras com esse caráter também são mais humanas que um bom vídeo game ou um móvel com design autoral vendido no site de Bezzos?
Nesse sentido, a ordem moral que acaba norteando os textos de Carrión é uma crítica enfraquecida. Se a Amazon parar de vender livros, e as livrarias de rua forem dominantes, por uma súbita tomada de consciência da sociedade humana de que o livro é mais que um objeto e, assim, a humanidade parará de compra da rede, acabou o problema da transformação geral da cultura de massa em fast food?
As condições de trabalho, reconhecidamente das piores do mundo, se tornarão mais aceitáveis ao venderem apenas roupas ou eletrônicos? Da mesma forma a crise geral do varejo, que gera perda de empregos ou gravíssimos problemas urbanos, causada pelo modelo de negócio da Amazon, é menos problemática se os sebos continuarem funcionando?
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