Strange New Worlds – 2ª Temporada – o Classic Trek em perigo

Star Trek: Strange New Worlds

Com a produção iniciada no segundo semestre de 2020, Strange New Worlds detém uma marca não muito saudável: em mais de 4 anos de trabalho, apenas 20 episódios terão sido exibidos – com atual greve dos roteiristas, a terceira temporada pode ser entregue apenas em 2025. Dentre os atuais seriados dessa nova era da Jornada, é o seriado com menos episódios – excetuando-se Prodigy – e, ironicamente, é o melhor.

A boa e a má notícia é que Discovery foi cancelada neste ano; um sinal amarelo que Star Trek não está com fôlego para tanto material assim (ainda mais após o súbito cancelamento de Prodigy mesmo já estando renovada), mas também uma forma de saber que os esforços estarão mais bem direcionados, na produção de SNW.

O problema é que uma temporada tão mediana quanto esta pode deixar em xeque estes esforços.

Ao final de todo episódio de SNW tenho uma sensação reconfortante; no meio de séries que terminam capítulos tão somente para iniciar outros em seqüência, em histórias pela metade, e ganchos previsíveis, aqui temos uma real conclusão daquela aventura. É um respeito na linguagem dominante das séries serializiadas – com o perdão do pleonasmo.

É muito positivo Strange New Worlds se manter nessa proposta – embora desconfio que isso possa mudar para a próxima temporada – e se mantenha ainda tão fiel à TOS, em forma e conteúdo. A Federação ainda é a mesma do século XXIII, ainda incompleta, Utópica mas também se construído: novamente Strange New Worlds me passa da certeza que se TOS fosse produzida hoje, seria do jeitinho que ela é.

Os méritos, nesse sentido, caminham mais uma vez em como a série se mostra capaz de explorar novas faces e temas de personagens e conceitos já tão batidos. Spock provavelmente é o personagem mais famosos e desgastado da Ficção científica na TV, e ainda somos capazes de ver novas versões e tramas envolvendo ele, ou Uhura ou até mesmo Kirk – embora isso me pareça não tão positivo, pois sacrifica o desenvolvimento dos personagens reais de SNW; como Pike ou Una, que ficam completamente ausentes em mais de um capítulo.

Nesse sentido, SNW se propôs agora a também funcionar como uma espécie de história de origem da Série Original, com alguns personagens clássicos sendo apresentados ou se conhecendo. Algo que é bem legal, mas ainda me divide um pouco, seja pelo detrimento dos personagens nativos de SNW ou mesmo por não ter sido bem feito, como a súbita aparição de um certo engenheiro ao final da temporada.

Mesmo no auge das séries, na segunda temporada de TOS, na terceira de TNG ou na quarta de ENT, por exemplo, o volume de episódios fracos era expressivo. Daqueles vinte e tantos capítulos, pelo menos uns 2 ou 3 eram ruins de verdade e outros tantos oscilavam muito, e tínhamos aqueles 7 ou 8 que se tornavam históricos, configurando assim uma boa temporada. Nesta edição de SNW, por sua vez, dos 10 episódios, apenas 3 podemos considerar incontestáveis em qualidade: Ad Astra per Aspera, Those old scientists e, um degrau abaixo, Hegemony.

Todos os demais ficaram na faixa de medianos. As vezes há algum destaque, como a inteligente farsa montada pelo General Klingon reformado, mas uma constância perigosamente medíocre, no verdadeiro sentido da palavra, dominou a segunda temporada. E assim fica difícil para a série sobreviver; Jornada nas Estrelas é algo bastante restrito com relação à público, normalmente atrelado a quem já conhecia seu nome.

Uma proposta mais episódica, como a de SNW, de histórias isoladas, é algo, por sua vez, também na contramão da moda atual, deixando ainda mais estreito o público do seriado – inclusive os trekers, pois também estamos agora condicionados a seriados com grandes tramas de fundo. Nesse sentido, essa temporada falhou em dois pontos cruciais.

Em todos os gêneros, a linguagem episódica normalmente rendia temporadas de, em média, 20 episódios. Desde Lei & Ordem a Arquivo X, de House a Babylon 5, essas dezenas de capítulos permitiam “gastar tempo” com estórias boas mas não tão empolgantes, ou episódios médios mas com grandes conceitos e assim constituíam experiências marcantes, por exemplo; Quando isso acontece em SNW e seus mirrados 10 capítulos, uma história como Among Lotus Eaters, que mobiliza conceitos interessantes como a sociedade que se esquece toda noite, ao não se traduzir em um episódio tão importante, parece um desperdício – tal como o polêmico musical.

Olhando para o conjunto da obra, temos um final de um primeiro episódio fraquíssimo que anuncia a principal ameaça do ano, mas que é esquecida e reaparece apenas ao final, e ainda com um cliffhanger. Se olharmos numa estrutura, não é diferente de ter um episódio sobre os borg no meio da temporada, e outro só final, como acontecia em TNG ou VOY, mas os tempos eram de outro tipo de linguagem e essa diluição era mais bem aceita em mais de vinte semanas.

Strange New Worlds está perigosamente caminhando numa trilha de ser uma série anacrônica, inclusive dentro de seu já muito restrito público alvo.

  • Uma questão problemática é a repetitividade de temas para uma série de tão poucos episódios. O 10º capítulo e o 13º tratavam sobre linhas do tempo alternativas, e situações constrangedoras no noivado de Spock foram o centro do 5º e 15º episódios – e com certeza haverá outros idênticos na terceira temporada.
  • O uso dos personagens continua confuso. Na temporada anterior, a número Um, que deveria ser protagonista do seriado no típico tripé das tripulações de Star Trek, apareceu muito pouco – coisa que se repete aqui novamente, há problemas de agenda com a atriz? La’an é protagonista solo de um episódio e é esquecida em outro… e os principais personagens do seriado até agora são Chapel, Spock e o Dr. M’benga.

S02E01: Broken Circle – Alguns meses após os eventos da temporada anterior, a Enterprise está passando por inspeções nas docas da base estelar 1. O Capitão Pike sairá em busca de ajuda para o processo que sua primeira oficial está enfrentando, deixando, assim, Spock no comando da nave durante essa estadia, aparentemente, tranquila no quartel general da Frota. Tudo muda quando uma comunicação de La’An é recebida, avisando de uma grande ameaça à Federação.

Um início de temporada anticlimático: o protagonista desaparece para ajudar a outra protagonista que já é bastante sumida, e o terceiro personagem principal viaja em uma espécie de side-story para incluir a tenente Noonien Singh de volta ao elenco. É se estranhar a dificuldade de reunir os atores na abertura de uma temporada, será que está tudo bem nos bastidores?

A aventura em si tem alguns aspectos interessantes, especialmente em visuais, mas não deixa de ser tudo muito simplório e pobre. Vilões de um “sindicato” misterioso que mal têm nomes, com um plano mirabolante demais – lembrei de A Marca de Gideon, da terceira temporada da TOS, construíram escondidos uma nave inteira da Federação? – , personagens que tomam poções mágicas para descer o cacete em todo mundo… e em sequências que não são lá muito interessantes (as de luta particularmente têm coreografias bem fracas) e até mesmo confusas: o objetivo é criar interesse amoroso entre a enfermeira e o médico e, então, um novo triângulo de Spock?

Sabendo que o capítulo não empolga, desde o primeiro diálogo somos introduzidos de uma forma torpe, com frases óbvias “estão escondendo algo que ainda não sei“, a um perigo que ainda vai chegar mas é revelado já no final deste episódio.

Avaliação: 2 de 5.

Ruim (2/5)


S02E02: Ad Astra per Aspera – Chegou a hora da Comandante Una ser julgada por suas modificações genéticas e sua omissão disso durante a inscrição na Frota. Para ajudá-la, o Capitão Pike foi até os confins da Federação, no planeta onde ela foi criada, para buscar uma velha amiga da número um que atuará como sua defensora.

Um dos episódios mais ousados e agudos de toda Jornada nas Estrelas; desta vez fomos fundo em dos principais “pontos cegos” daquele universo ficcional: o tabu das modificações genéticas. Para além do nosso ponto de visa, foi estabelecido desde a TOS que isso é (e sempre foi) inaceitável na Federação; algo referendado em todos os trabalhos posteriores. No exemplo mais infame, a descoberta das modificações do Dr. Bashir em DS9, por exemplo.

No entanto, naqueles eventos, somos levados a entender que Bashir – no caso, seus pais – estava errado em ter essa modificações. Pela primeira vez, vimos um modificado como “vitima” dos eventos. Novamente, não necessariamente está correto ou não, afinal, Una tem vantagens sobre os demais habitantes/cidadãos da Federação e que poderiam ser usadas “para o mal”.

Desta vez, de forma ímpar, vimos o outro lado da situação e acertam na veia. Analogias a perseguições religiosas e culturais foram ótimas pedidas; elas eram impensáveis na Federação, mas SNW conseguiu fazer com que, sim, pudessem existir, mas dentro de um lore que é respeitado profundamente (diferentemente de Discovery ou Picard).

E sem ser muito piegas, pois não apelam para alguma tragédia pessoal – por exemplo, motivação de curar uma doença rara – para justificar as mudanças, mas sim a um traço cultural. Por outro lado, uma pequena decepção é que o episódio se “acovarda” em não estabelecer formalmente a relação entre a imediata a advogada, apenas dando a entenderem que foram namoradas no passado.

Para compensar a falta de ação – o capítulo é composto tão somente de diálogos – é incluído um mistério sobre quem teria a denunciado para o comando da Frota, e o resultado foi muito melhor do que poderíamos esperar, se encaixando totalmente na reviravolta da resolução final do capítulo.

Avaliação: 5 de 5.

Excelente (5/5)


S02E03: Tomorrow and Tomorrow and Tomorrow – Vivendo sua vida de chefe de segurança na Enterprise, a La’an é subitamente abordada por um viajante do tempo que está ferido; ele entrega um dispositivo e a incumbe de salvar uma alteração de eventos históricos, sem saber, entretanto, o que mudou exatamente. Mas ela não estará sozinha, por outras razões aleatórias, ela será acompanhada pelo Capitão Kirk.

Particularmente, eu gostei da agilidade do roteiro em não dar longas explicações para cada uma das viagens. E gostei, finalmente, do sobrenome da tenente ter algum uso maior que em diálogos comuns. Também achei que houve uma boa química entre ela e Kirk. Isoladamente, é um episódio muito divertido.

Entretanto, o grande elefante da sala é o causado por diversas confusões de canon e lore. O capítulo embute uma explicação, referente à Guerra Fria Temporal – que me lembra os filmes do Exterminador do Futuro – referente aos eventos que se repetem sempre, que também gostei. As Guerras Eugênicas sempre foram muito maltratadas, esquecidas e confundidas em todos os capítulos de viagem no tempo. Este não é o primeiro capítulo ao tratá-las de forma confusa, pelo contrário, é o primeiro de viagem no tempo a contemporaneidade (anos 90 e 2000) a lembrar delas, o que é um mérito.

Mas, nesse sentido, também o episódio é um pouco oco, não revela muita coisa sobre as guerras ou sobre os personagens envolvidos, e o que apresenta decepciona: o grande vilão foi criado no Canadá? Que bola fora, ele seria um líder do Oriente (ao menos lembraram da sua etnia). E ainda introduz uma trama do envolvimento dos romulanos, que é verossímil, eles sempre buscam impedir a formação da Federação, mas é outra cutucada desnecessária no canon.

Por fim, como em episódios da temporada passada, há um salto entre uma coisa e outra no clímax do capítulo que fica mal explicada: o tal do reator, que orientou toda aventura, é descartado em um único diálogo. Da mesma forma, o roteiro também se escora em muitos clichês de viagem no tempo (dirigir mal, não saber usar dinheiro…) embora com saídas satisfatórias. O resultado compensa pela agilidade e diversão, muito resultado da química entre os dois personagens (e o arco do romance trágico é bom e comovente), mas não deixa de ser um capítulo sem propósito.

Avaliação: 3 de 5.

Bom (3/5)


S02E04: Among Lotus Eaters – A Enterprise é ordenada a voltar para Rigel VII, planeta no qual, anos antes – numa interessante conexão com A Jaula, piloto de TOS – houve uma emboscada e boa parte da equipe de desembarque foi morta. Por lá, há indícios que houve contaminação cultural devido ao desastroso primeiro contato, e é necessário investigar qual o tamanho do problema.

Gosto demais de episódios com essa temática de violação acidental da primeira diretriz, e, de certa forma, fiquei decepcionado com a abordagem escolhida por este aqui. Praticamente ignorando todos os aspectos envolvendo essa contaminação, o episódio foca tão somente numa abordagem emocional da estória – com relação a um trauma sofrido pela tripulação.

Pessoalmente, acho que é uma questão menor e menos interessante, mas o roteiro compensa falta do drama “científico” com uma característica especial daquele planeta, com um desenvolvimento de um pequeno lore daquela pobre civilização. É interessante, e dialoga bem com o núcleo emocional que move o capítulo, mas também frágil, porque pouco importou, no fundo, a contaminação gerada com o primeiro contato feito errado. Há ainda alguns furos nesse pequeno background: quantos rifles a Enterprise levou para lá na missão original? Foi uma invasão? E as pessoas imunes ao efeito do planeta, dentro do Castelo, não eram suficientemente diferentes dos demais, não eram exatamente uma “classe dominante”, pareciam tão afetadas quanto quem estava fora.

O que puxa para baixo, definitivamente, o episódio é a ação dentro da nave; que poderia muito bem não existir. Era o caso de uma trama B preenchendo o tempo que a equipe de campo demoraria para entrar em contato, normal. Diferentemente, entretanto, das questões dramáticas que ocorrem no planeta, na Enterprise a opção é por comédia, que é muito pouco ousada – as possibilidades eram infinitas para os personagens desmemoriados, fica longe de funcionar e as coisas se resolvem de uma das piores formas possíveis: quando alguém não faz absolutamente nada diferente, apenas tenta mais que os demais a vencer o problema.

Avaliação: 2.5 de 5.

Mediano (2,5/5)


S02E05: Charades – A Enterprise está em missão científica próxima a Vulcano; Spock aproveitará para participar de um jantar ritualístico entre os alienígenas – uma das etapas do noivado de sua cultura – com os pais de T’Pring. Apesar dos pesares, tudo iria bem até um acidente com uma nave auxiliar que acaba por transformar o oficial de ciências de meio vulcano para totalmente humano.

Como todo episódio focado em comédia em Jornada nas Estrelas, temos muitas limitações sobre até onde chegar no humor. Para compensar em falta de ousadia inerente à proposta, o capítulo pega firme no desenvolvimento de personagem de Spock. Sua versão 100% humana é interessante e engraçada – e o ator, Ethan Peck, mostra cada vez mais seu valor interpretado o personagem mais importante de Star Trek em uma nova faceta. Achei equivocado apenas uma questão injetada sobre ele estar então experienciando a puberdade ou a adolescência… coisa estranha e que não volta mais, aliás.

Importante também o desenvolvimento da relação de Spock com a mãe – em TOS, um dos traços mais profundos do personagem era como ele não correspondia o amor dela por ele a altura – apesar da atriz, Mia Kirshner, estar praticamente irreconhecível, opções ruins de figurinos e maquiagem (e provavelmente procedimentos estéticos feitos desde sua última aparição em Discovery há 4 anos) que a fizeram parecer mais uma sósia contratada para substituição sem notarmos. O capítulo, ainda, trabalha muito bem na relação do triângulo amoroso dele com Chapel e T’Pring, ficando muito orgânico o distanciamento com uma e a aproximação com outra.

Apesar de limitado por sua proposta cômica, é um episódio que sabe aproveitar esse contexto para desenvolvimento de Spock, e um exemplo de mérito de SNW em ser capaz de explorar mais coisas novas de personagens tão batidos.

Avaliação: 3.5 de 5.

Bom (3,5/5)


S02E06: Lost in Translation – Nossos heróis são convocados para uma missão em conjunto com a USS Farragut: ajudar a restabelecer o refino de deutério em uma estação da Federação que constantemente entra em falha. Durante esse conserto, alguns tripulantes passam a ouvir ruídos e agir de forma estranha e a Enterprise recebe uma visita pra lá de especial do jovem, recem-promovido a primeiro oficial, Tenente Kirk.

Um episódio com um tom de Classic Trek, lembra bem vários exemplares da TOS como O Demônio da Escuridão, da primeira temporada, e isso é sempre muito positivo. Aqui temos uma versão “atualizada”, incorporando alguns elementos de terror, mas tudo bem suave. No começo, achei despropositado, mas as cenas finais dão um sentido – que não esperava – muito poético a alucinação. Ainda assim, o final, como vários outros roteiros da série tem uma transição súbita demais para a solução: faz parte do personagem de Pike ser o capitão compreensivo, mas desta vez foi demais. Uma atitude extremamente drástica baseada em uma única palavra de uma jovem oficial, algo que até tira força do dilema enfrentado pelos personagens.

Entretanto, a atração deste episódio é a visita de Kirk a Enterprise; e ela é bem organizada. Além da coincidência da Farragut estar envolvida também na missão, as coisas não parecem forçadas – ele foi visitar o irmão, simples assim. O problema é que não apenas a retrospectiva deste capítulo, mas a temporada prepara o encontro ele e a tenente La’an, e isso, praticamente, não acontece. SNW tem um uso estranho de personagens: La’an some quando era esperada, Una e a nova engenheira são levadas para a missão mas compartilham talvez 5 minutos de tela; no fundo quem mais apareceu até agora além de Pike e Spock, foi a Chapel.

Assim, temos um efeito colateral de ficar com a impressão de que se avizinharia um triângulo amoroso entre eles dois e Uhura, a qual descobrimos (ainda bem!) que não é o caso – configurando um desperdício, por sua vez, do setup entre Kirk e La’an – e sim o episódio funcionar como uma espécie de história de origem.

Avaliação: 3.5 de 5.

S02E07: Those old scientists – A Cerritos está encarregada de uma missão para verificar o estado de um portal do tempo perdido em um remoto planeta, e, por acidente, Boimler volta um século no passado e é encontrado pela Enterprise de Pike. Este talvez foi um dos crossovers mais aguardados de Jornada nas Estrelas; os personagens animados de Lower Decks entram, em carne-e-osso, em Strange New Worlds, e a boa notícia é que corresponderam às expectativas.

O capítulo consegue atender ao que esperávamos tanto de uma história de SNW como de LD; seja na história envolvendo uma relação diplomática com os Orion, como também uma história de trapalhadas. Uma química muito boa entre os elencos e os seriados é capaz de manter o crossover muito orgânico; Strange New Worlds é uma série muito leve – talvez a mais leve de todas – e é capaz de comportar o humor nonsense de Lower Decks; Pike seria o único capitão a gostar do comportamento de fãs dos dois viajantes, por exemplo.

As coisas ficam muito interessantes porque os personagens se levam a sério, incluindo quebras muito muito sutis de quarta parede, como o pessoal da Enterprise notando como a tripulação da Cerritos é muito específica em suas lembranças; ou a turma de LD reclamando que os elenco de SNW fala devagar demais. Gostaria de pontuar todas as piadas que gostei, mas não seria o caso. Não há o que por nem o que tirar neste que provavelmente é o melhor capítulo cômico de Jornada nas Estrelas.

Avaliação: 5 de 5.

S02E08: Under the Cloak of War – Nossos heróis têm a missão de transportar uns dos mais valiosos (e polêmicos) embaixadores da Federação: o antigo general Klingon Dah’Rak. Conhecido como o “açougueiro de J’Gal”, ele teria desertado para o nosso lado após assassinar seus próprios oficiais, que haviam ordenado um massacre de civis naquela lua. O problema é que o doutor M’Benga e enfermeira Chapel estavam também naquele mesmo campo de batalha e tem uma visão não tão positiva do velho inimigo.

Um episódio muito ambicioso que deseja pegar um lado mais sombrio e que raras vezes é abordado em Star Trek: as “batalhas campais” entre os soldados – de cabeça, me lembro apenas do Cerco de AR558 de DS9 – e para isso cria uma trama, que se mostra um pouco complexa demais para conectar os três personagens envolvidos. Organizados por sequências de flashbacks intercalados, aos poucos vamos conhecendo a rotina do médico e da enfermeira durante aquela batalha e tentamos conectar peças do quebra cabeças envolvendo as ações do antigo general.

É interessante o esforço de costurar a relação entre os dois colegas de enfermaria – e até dar sentido a história boba das poções mágicas do início da temporada – mas exige muita boa vontade do espectador em aceitar tudo aquilo (a mesma boa vontade de quando descobrimos que T’Pol também era uma agente secreta com licença pra matar, por exemplo, em O Sétimo da segunda temporada de Enterprise). Não há grandes pontas soltas, mas é extravagante demais para meu gosto todo o arco do médico, que é, por um acaso, um ex-assassino de elite, operações especiais e, ainda, o inventor de poções mágicas de que injetam hormônios capazes de dar a um homem força de quatro klingons.

O roteiro tem a opção de explicar através de flashbacks, o que é bom para expandir mais a experiência do capítulo, mas os diálogos ficaram mancos e a coisa se torna confusa por opção. O que enfraquece o inteligente conceito por trás dos eventos – o general covarde surfou numa fakenews pra se promover e tentar se redimir de uma derrota. Por exemplo, eu não havia entendido que os homens que ele “matou” eram seus comandantes, mas execuções de tropas aleatórias, algo que é deixado mal explicado de propósito para permitir melhor a última (e previsível) reviravolta. Por outro lado, apesar de uma inteligente moral, recebemos um final bobo e ingênuo com personagens saindo impunes (até o momento, esperemos que mude).

Obs: acabei asssitindo parte deste episódio dublado, e, infelizmente, a dublagem é péssima, especialmente na tradução e adaptação.

Avaliação: 3.5 de 5.

S02E09: Subspace Rhapsody – Estudando uma fenda espacial, a tripulação da Enterprise acaba despertando um efeito em cascata que se espalhou pelo subespaço, e um muito curioso: faz com que as pessoas, ao sentirem emoções muito fortes, comecem a cantar descontroladamente. Provavelmente um dos capítulos mais polêmicos de Jornada nas Estrelas, dividiu a fãbase ao adotar o formato de musical, não tão popular entre os espectadores da Ficção Científica.

Eu, pessoalmente, detesto musical e minha tendência, que se repetiu durante o episódio, é simplesmente parar de prestar atenção quando a música começa – mexer no celular, pegar algo na cozinha – como se fosse algum intervalo. Isso não é só “opção”, é um reflexo de determinadas decisões da indústria da cultura e do mercado, que nos treina para gostar de formatos específicos de arte ou entretenimento, mas não é uma questão para este momento.

Como episódio, mesmo não gostando, tenho que admitir que funciona. Apesar de um tecnoblábláblá que não convence ninguém para a razão de estarem cantando, foi uma boa inovação para o clichê do “episódio em-que-todo-mundo-age-estranho“, algo que nunca conseguiu sem bem feito depois da primeira vez, em a A Hora Nua, na primeira temporada de TOS e não foram poucas tentativas que renderam episódios péssimos: como Tempo de Nudez, em TNG, e Singularidade, em ENT.

Incluírem a questão de estar com as emoções a flor da pele para despertar a cantoria e assim revelarem segredos íntimos foi uma grande sacada para dar profundidade ao roteiro. Infelizmente houve algumas oportunidades perdidas; poderíamos ter algumas revelações realmente inesperadas, ao invés de saber que Pike estava em crise no namoro, mas gostava da moça de verdade, por exemplo. Assim como o uso dos Klingon na equação acabou sendo pontual demais. Mas houve outras ganhas, como a relação entre Kirk e Carol Marcus mais bem delimitada (ainda que isso jogue o arco de La’an pela janela), e sementes da relação de Chapel com o seu noivo – todavia, que poderiam ser posicionadas em outras estórias sem prejuízo.

Avaliação: 3 de 5.

S02E10: Hegemony – Durante uma missão de rotina de uma pacífica colônia humana às margens da Federação, a tripulação da Cayuga, nave comandada pela namorada do Capitão Pike, é atacada com muita voracidade pelos Gorn, que desejam anexar o planeta ao seu império – a Hegemonia. Assim, e Enterprise é enviada até lá para tentar resolver esta crise.

Assim como na primeira temporada, na reta final há uma opção de um abordagem de terror para caminhar na trama envolvendo os Gorn. Se a inspiração anterior era com Alien – O Oitavo Passageiro, aqui é algo mais relacionado a filmes de zumbi, algo que é bem menos interessante e criativo, refletindo em um desenvolvimento mais genérico. Ainda assim consegue nos prender bem, especialmente com a introdução de Scotty – muito embora sua presença ali é tão abrupta e mal explicada que seria perfeita para criar o contexto de algum infiltrado ou espião.

A divisão em dois núcleos de ação foi boa e rendeu uma aventura inteligente com relação ao uso da nave destruída. Infelizmente, por outro lado, acabou se tornando algo ensimesmado demais ao restringir tudo ao reencontro entre os dois apaixonados – poderiam haver mais sobreviventes, por exemplo, ou recuperar alguma informação ali que contribuísse de certa forma para o enredo e explicar as ações dos répteis.

A descrição de que viver numa Utopia é morar numa cidade do interior dos EUA nos anos 50 provavelmente entra em um dos momentos mais patéticos de Jornada nas Estrelas; mas para além disso, o principal problema está no ponto anterior, os Gorn são malignos tão somente porque sim. Essa trama foi anunciada no primeiro episódio da temporada, chega só agora e ainda termina em gancho, sem haver algum tipo de preparo ou construção antes ou por aqui mesmo para contextualizar melhor os eventos.

Avaliação: 4 de 5.

Those Old Scientists – Não apenas o melhor crossover dentro de Jornada nas Estrelas como também o melhor episódio cômico da franquia. Consegue funcionar bem tanto quando capítulo de SNW como de LD, ao mesmo tempo que foi capaz de escapar dos pontos fracos do humor de ambos: não se torna uma chuva de referências soltas como muitas vezes Lower Decks, e não para nos limites “chapa-branca” das piadas feitas no live-action de Jornada nas Estrelas. Entra para os melhores já exibidos desde 1966.

Dentre os capítulos sérios, Ad Astra Per Aspera consegue explorar talvez talvez o maior “ponto cego” da utopia de Jornada nas Estrelas: a tolerância zero com as pessoas com modificações genéticas.

Broken Circle – Até o momento, é o episódio mais esquecível de Strange New Worlds. Há muitas críticas ao capítulo musical, como desperdício de episódio em uma temporada com apenas 10 exemplares, conforme comentamos antes. Entretanto, este aqui sem dúvida foi mais mal gasto; uma season première sem os protagonistas, sem apresentar uma trama geral da temporada – os personagens falando, quase que literalmente, que “vem coisa boa por aí” não conta – foi horrível. Também não funciona como estória solta; uma trama muito fraca com vilões que sequer têm nomes.

No geral, uma temporada perigosamente mediana contém vários capítulos bons, mas entre mais fracos para figurar aqui, mas ficaria com Subspace Raphsody, que é uma bem vinda inovação, mas longe de genial, e Among Lotus Eaters, que não têm muita coisa além de um conceito interessante.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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