A Revolução Argelina


A Revolução Argelina – Mustafa Yazbek

Data de Lançamento: 2008 – Minha Edição: 2010 – 104 páginas


Quando a França se sagrou bicampeã mundial em 2018, na Rússia, houve uma comoção generalizada por aquele plantel ser um símbolo do sucesso de imigrantes e refugiados. 20 dos 23 selecionados se não nascidos fora do país, são filhos de imigrantes, a imensa maioria vindo de colônias e ex-colônias francesas. A trajetória dos jogadores foi bonita, eles jogaram o fino da bola, mas a História está longe de ser tão amigável.

Apenas atrás do britânico, o Império Colonial Francês governou boa parte do planeta durante os séculos XIX e XX – domínio que começou e terminou com a disputa pela Argélia. Na época dominada pelos Otomanos, Argel foi conquistada pelos francos em 1830 e desde então foi entendida, não como colônia, mas como parte integrante do território francês.

Após a II Guerra Mundial, o movimento de descolonização das potências européias se traduziu numa tentativa de combinar transferência de controle e neocolonialismo: elites escolhidas pelas metrópoles, permanência da presença de empresas originárias da França ou Inglaterra nos novos países… essa história todos nós sabemos. E desde então, muito do passado recente das antigas colônias é uma luta contra esses instrumentos neocoloniais.

Logo da FAF –
Frente Argélia Francesa

O problema é que essa historinha toda não vale para a Argélia; após ceder a Independência a todos os países vizinhos, a França decidiu reforçar a dominação por lá. O objetivo seria, supostamente, integrar a região à metrópole gradualmente, mas através de políticas que só poderiam ter o efeito contrário: incentivar a ocupação do país por franceses e seus capitais.

Para atrair investimentos, havia benefícios a empresários da metrópole que se estabelecessem lá. Entretanto, desde que exportassem determinados produtos desejados na França; essa política, em médio prazo, levou a um colapso alimentar da Argélia, pois a pequena faixa de terra fértil do país era dedicada quase que totalmente à exportação de vinhos. Havia também urbanização de lindos bairros nas principais cidades argelinas para receber exclusivamente os imigrantes da metrópole.

Enquanto isso, os argelinos eram cidadãos de segundo escalão que só tinham acesso a plenos direitos caso não fossem muçulmanos para evitar “radicalizações”. Isso era feito através de preenchimento de documentação e fiscalização dessa declaração.

Com o previsível fracasso dessa política de “integração”, a repressão aumentou para garantir os investimentos franceses na colônia e a escalada de violência se multiplicou. A guerra civil durou 7 anos, entre 1954 e 62, com um saldo de mortos difícil de se estabelecer, mas que seguramente passa de 1 milhão, além de outros 3 milhões de refugiados entre argelinos e franceses.

Os detalhes tanto da ocupação como da guerra de independência estão rapidamente cobertos neste livro, assim como as implicações posteriores tanto na colônia quanto a metrópole. A obra chama a atenção por uma excelente síntese: a natureza panorâmica desse pequeno livro é quase esquecida devido a habilidade do autor em selecionar e narrar os eventos escolhidos.

Excelente (5/5)

Uma panorâmica da Independência argelina, da ocupação francesa ao final do século xx. conseguindo ser bem concisa e focada nos momentos mais críticos daquele processo.

Sartre versus Camus: a Argélia foi berço de grandes nomes em todas as áreas das artes em francês, desde esses dois escritores a Zidane e Yves Saint Laurent. Mas seu processo de independência no campo cultural ficou monopolizado pela disputa entre os dois. Camus tinha um caráter mais cético em relação à luta armada e aos projetos socialistas das principais facções em guerra, desejando uma autonomia sem separação total com a metrópole; enquanto Sartre estava no campo oposto, buscando engajamento para ambas as bandeiras: independência e socialismo.

A Batalha de Argel: este é o nome de um dos melhores e mais polêmicos filmes do século passado, lançado em 1966. Ele conta a história do evento de mesmo nome, que longe de ter sido uma batalha campal ou um cerco, foi um ano de seguidos ataques terroristas na cidade, organizados especialmente pelas tropas de ocupação francesa entre 1956 e 57.

O filme retrata sem pudor as instruções do comando francês para agir com brutalidade, e, mostra as próprias sessões de tortura. Em 2003, o Pentágono organizou uma exibição e discussão do longa para inspirar os soldados americanos, como forma de “se preparar para os desafios” da Ocupação do Iraque com as lições aprendidas pelos franceses.

Os movimentos armados de libertação realizaram uma série de ataques a guarnições e prédios das autoridades metropolitanas na capital; sem conseguir isolar os responsáveis devido à popularidade da bandeira pela autonomia, as tropas de ocupação decidiram atacar toda a população para intimidar e drenar seu apoio (uma tática parecida com a usada pela ditadura na Guatemala alguns anos depois).

Originalmente a repressão foi empreendida por milícias locais de colonos, mas após alguns meses de escalada da violência, o exército francês foi chamado para “pacificar” a revolta. O que inaugurou a fase mais brutal da guerra civil. A tortura teve um uso desenfreado pelos franceses, com estimativas girando entre 30 e 40% da população masculina da cidade ter passado por alguma sessão durante os meses da batalha. Apenas em 2018 o governo francês reconheceu que essas práticas foram comuns na colônia.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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