Battle Royale – Koushun Takami
Tradução: Jefferson José Teixeira – Editora Globo
Data de Lançamento: 1999 – Minha Edição: 2014 – 663 páginas
Quando os jovens ocidentais estavam apaixonados por Katniss Everdeen e os Jogos Vorazes, otakus deste hemisfério afora se prontificaram a lembrar que aquilo não era novo. Lançado em 1999 no Japão, Battle Royale também dava conta de um futuro distópico onde o governo enviava jovens para se matar em uma arena por motivos políticos.
Na realidade, isso também não é exatamente inédito. Em 1954, Senhor das Moscas contava a história de crianças e adolescentes perdidos em uma ilha deserta, que precisam se entender e se organizar para sobreviver e, spoiler, algumas acabam se matando. Não é exatamente o mesmo argumento, mas a moral é próxima: os jovens são o futuro de uma sociedade, e, assim, tencionando as relações da sociedade para com eles e dentre eles, uns com os outros, podemos ter agudas críticas sobre os caminhos que aquela sociedade está tomando para o futuro.
E aqui Battle Royale brilha muito mais que Jogos Vorazes, ou obras do estilo que passaram a pipocar em seguida. Aliás, o que até pode enfraquecer o ineditismo do livro é que os japoneses são craques em criar obras com protagonistas adolescentes, especialmente no universo do mangá e anime. Em vários momentos deste aqui me lembrei muito de Evangelion, obra que começou a ser escrita em 1994, quase contemporânea a Royale, concebida em 1996.
Pouco nos lembramos, mas o fantasma do Fascismo no Japão é muito mais assombrado que na maioria dos países ocidentais, devendo pouco à Itália e à Alemanha e aqui acaba sendo seu principal alvo. Não conheço suficientemente bem a história recente do Japão para entender, mas tudo indica que os anos 90 foi um período que combinou tanto disseminação quanto críticas ao fetiche militarista, prepoderância do indivíduo sobre o coletivo e autoritarismo no sistema de ensino.

Em uma década de 90 alternativa, de alguma forma parcialmente vitorioso na II Guerra Mundial, o Japão se tornou uma gigantesca república fascista por toda a Ásia. (Aqui há uma pitadinha de anticomunismo, muito disseminado no Japão, quando há aproximações entre as duas vertentes políticas). Este grande país criou um ambicioso programa de educação de jovens que consiste no seguinte exercício militar: largar uma sala inteira de 50 colegiais em uma ilha deserta e colocá-los para se matar e criar cidadãos exemplares capazes de liderar a nação dentre os sobreviventes.
Como em todas as obras japonesas com adolescentes, em alguns momentos pesa-se a mão na sabedoria e maturidade que eles têm, mas todos são personagens muito interessantes. Todavia, há alguma coisa que se perde com a nossa falta de familiaridade com os nomes em outra língua, não é raro de se confundir quem é quem, ou, então, não percebemos se é um nome masculino ou feminino – mas existe um anexo com a lista de chamada da sala para nos localizarmos. Obviamente há alguns estudantes que têm quase ou nenhuma relevância, mas todos têm seu momento – uma aluna em especial que aparece no finalzinho vivendo uma fantasia é um momento fantástico.
A tensão está presente desde as primeiras páginas e não te abandona até a conclusão; a escrita nesse sentido beira a perfeição. Todas as cenas de ação são muito bem descritas, seja em “geografia”, ações e personagens, ao mesmo tempo que a tensão é permanente – normalmente uma descrição muito longa e precisa pode quebrar o crescendo da leitura, o que raramente acontece aqui.
Desta forma, ao final o que temos em mão é um verdadeiro clássico da ficção, tanto em escrita, que é excelente, quanto em criatividade, apesar de um revestimento de literatura juvenil – e de fato, o público adolescente deverá adorar o livro apesar da censura 18+.
Excelente (5/5)
Um jovem clássico. Consegue transmitir tensão por todas as suas páginas ao mesmo tempo que a escrita se mantém clara e precisa. Enquanto também é capaz de criar um universo ficcional bem crível e interessante, severamente crítico à contemporaneidade japonesa.
Jogos Vorazes: apesar de uma premissa muito parecida, a autora Suzanne Collins jura de pé junto que nunca nem ouviu falar de Battle Royale até, justamente, ser questionada pela primeira vez, e garante que não se inspirou nele. Enquanto isso, Takami, muito humilde, diz que independente de ter sido ou não a fonte de inspiração dos livros americanos, o lançamento e sucesso dos filmes sobre eles foi muito positivo para a divulgação da sua obra e que, de toda forma, ambos têm algo a dizer.

Adaptações: logo após o lançamento, os direitos de filmagem foram comprados e já no ano seguinte, o longa metragem homônimo foi lançado no Japão. Apesar da alta censura etária fez muito sucesso e gradualmente na década de 2000 foi distribuído ao longo do mundo e se tornou extremamente influente. No mesmo ano, também iniciou-se a edição em mangá, que, por sua vez, é a versão mais forte da estória, com muitas cenas de violência, de gore a estupros, em traços grotescos.
Edição brasileira: esta edição nacional publicada pela Globo foi a primeira do livro por aqui (apesar do mangá ter sido editado no Brasil em 2007), e é bastante luxuosa e, especialmente, conta com uma tradução direta do japonês para o português, o que sempre é muito positivo – algo que raramente acontece quando não é uma obra em inglês, espanhol ou francês. Há excelentes elementos pré e pós textuais, entretanto, ela ficou gigante inclusive pela espessura do papel, difícil transportá-la por aí ou mesmo ler fora de casa.
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Ótima crítica! Li o mangá e vi o filme na adolescência, e fui um dos otakus que falava de Battle Royale durante a sensação que foi Jogos Vorazes. Agora estou com vontade de comprar o livro também.
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Vale a pena, eu só tinha visto o filme alguns anos antes e ou não lembrava de muita coisa, ou o livro é muito mais completo. O foda mesmo é que pra ler ele fora de casa é um terror devido ao tamanho.
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