Dossiê 50

Dossiê 50 – Geneton Moraes Neto

Ano de Lançamento: 2013 – Minha Edição: 2013 – 158 páginas


A história é conhecida nos meios futebolísticos; o uniforme da seleção brasileira em seus primeiros 40 anos de vida era composto por camisas e calções brancos adornados com azul nas mangas e golas (calções azuis também eram utilizados esparsamente). A partir da Copa de 1954, foi adotada a camisa canarinho que se tornou a mais importante do planeta. E o motivo era claro: enterrar o passado, enterrar o dia de 16 de julho de 1950.

Essa é apenas a “superfície” da repercussão daquela derrota; há relatos de 56 mortes por parada cardíaca e 34 suicídios (sendo 2 dentro do próprio estádio) – o que provavelmente é lenda urbana; aposentadoria de jornalistas (como Ary Barroso) e jogadores; e uma crença geral de que o futebol jamais teria a popularidade de antes no Brasil – a Copa Rio de 1951, reclamada por Palmeiras como Campeonato Mundial, foi bancada e realizada justamente para revitalizar o Maracanã.

Foram os 12 criminosos que tentaram assassinar o futebol brasileiro na triste tarde de 16/07/1950 às 15:00: Barbosa no gol, Augusto, Juvenal e Bigode recuados, Bauer, Danilo, Zizinho e Jair no meio; além de Friaça, Ademir e Chico adiantados; no banco, o crime foi orquestrado por Flávio Costa. Foram condenados à prisão perpétua, ficaram acorrentados até o final de suas vidas ao vice campeonato.

Não é exagero, nas entrevistas realizadas entre 1986 e 1987 pelo jornalista Geneton Moraes Neto com os 11 jogadores e o treinador, alguns dos depoentes utilizam exatamente essa analogia. Jamais foram perdoados pela pior derrota do futebol nacional em sua história. Na única Copa do Mundo decidida em quadrangular final, bastava apenas conquistar um empate em casa, diante de 200 mil torcedores no Maracanã para o Brasil levantar seu primeiro título, na partida de maior público em toda a história do esporte até hoje.

Não temos acesso às perguntas feitas pelo jornalista; mas o caráter de penitência se percebe em todos os momentos, pois todas as falas de cada jogador têm como objetivo explicar a derrota.

Em linhas gerais, as justificativas apresentadas pelos jogadores se concentram em duas: a primeira referente à “administração do time”, para o jogo final, a Concentração mudou do campo do Joá, então afastado do centro da cidade, na Barra da Tijuca, para o Estádio de São Januário, a pouco mais de 5km da avenida Rio Branco. Uma vez lá, passaram a ser visitados por toda sorte de gente, em especial políticos e militares do Rio de Janeiro. De sessão de fotos a autógrafos, os relatos indicam que não foi possível aos jogadores fazer nenhuma refeição adequadamente naquele sábado.

Uma das grandes lendas de 1950 teria sido a de que um jornal havia dado na própria edição do sábado de manhã da partida o Brasil como campeão; e o esse jornal fora levado para o vestiário uruguaio onde teria sido usado como motivação para os jogadores. Provavelmente tratava-se dessa edição de 14 de julho de O Mundo Desportivo. Muito embora, os jogadores brasileiros confirmem que haviam autografado, antes do jogo, pôsteres, fotos e cartões postais com a inscrição de Campeões Mundiais.

Já a segunda, mais relacionada à postura do time em campo, tem mais a ver com o excesso de confiança do time. Vindo de goleadas absurdas contra Espanha e Suécia, o Uruguai parecia que daria pouco trabalho (e justamente era o adversário mais conhecido). E aí temos também interessantes divergências: alguns apontam que o Brasil entrou para golear e se espantou a ver o Uruguai organizado – a seleção “jogou sem medo” (que estava presente contra os europeus, desconhecidos); outros, pelo contrário alegam que tiveram medo demais, inclusive porque o técnico havia falado para os jogadores não serem desleais com os uruguaios. O que alguns dos atletas entenderam como um fator de desmotivação.

As contradições são constantes por toda a obra; quem errou no lance do gol, Barbosa ou Bigode? O capitão uruguaio, Obdulio Varela, teria dado um tapa na cara de Bigode após o gol? Flávio Costa mandou ou não pegar leve com os adversários? Ônibus quebrou ou não? Havia problemas de premiação ou não? Cada uma dessas perguntas têm respostas diferentes.

A questão da premiação é provavelmente o tema mais triste das entrevistas; tudo o que foi prometido a eles desapareceu ao final do jogo. De dinheiro e imóveis a promessas de cargos públicos, nada foi cumprido. Um jogador precisou viajar de favor no chão de um trem madrugada a dentro por não encontrar uma carona sequer ao final da partida. E, se compararmos com os valores movimentados hoje, ou mesmo nas décadas de 1990, 80 ou 70; é muito impactante e comovente a briga que gerou no elenco de 1950 o recebimento de um lustre como prêmio de um jogo da primeira fase por um deles.

A simplicidade e humildade de cada um ao contar o que houve naquela “tarde estúpida” toca profundamente o coração de cada leitor. A relação deles com o futebol, ainda que já profissional, é muito mais próxima de um romance, um amor trágico, um coração partido, que nós torcedores temos com o esporte e nossos times; muito distante da forma como os jogadores atuais encaram o esporte bretão.

É possível sentir a dor de cada um deles ao lembrar daquele dia, numa leitura extremamente comovente que pode arrancar lágrimas de muito marmanjo por aí; centrada em 12 homens que passaram a vida tendo que se explicar por perderem uma partida de futebol.

Excelente (5/5)

Um dos documentos mais valiosos da história do futebol, os tristes depoimentos das 12 pessoas que participaram do dia mais trágico do esporte nacional e que se tornaram prisioneiras do passado.

Ônibus quebrado: um dos pontos de discórdia entre os jogadores é a história de que o ônibus que os levou até o Maracanã quebrara no meio do curto trajeto de 2 km. Nas versões mais dramáticas, os próprios vice campeões desceram e empurraram o veículo; nas mais simples não ocorreu nada entre São Januário e o Maracanã.

Mineiraço: O 7×1 de 2014 superou o vice campeonato de 1950 como maior tragédia do futebol brasileiro? Nenhum jogador daquela seleção viveu para assistir à Copa de 2014, mas os filhos deles alegam que finalmente seus pais foram absolvidos.

Missa: Mais uma polêmica que contribuiu para desestabilizar a seleção naquele dia foi a realização de uma missa em homenagem aos jogadores no dia do jogo. As 7h da manhã.

Bônus: Além do depoimento dos 11 jogadores e do técnico, essa edição de 2013 (produzida em conjunto com um documentário homônimo), possuí a entrevista com Alcides Ghiggia, o autor do segundo gol uruguaio em 16 de julho. Àquela altura, por capricho dos deuses do futebol, o único jogador que disputou a partida ainda vivo. Ele faleceu em 2015, naquele momento era o campeão mundial mais idoso; honraria que passou a Zagallo.

Viagem à década sem Copa

Com a tragédia da Copa de 1950, os anos 40 acabaram se tornando uma década sombria e esquecida do futebol nacional. Este belo livro de Roberto Sander tenta resgatar um pouco daqueles tempos.

Propaganda de refrigerante: Um dos casos mais revoltantes do completo desalento que se abateu com os jogadores foi o caso de Bigode; ele havia sido eleito o jogador mais popular de uma campanha de uma empresa de refrigerantes (e estampando seu rosto nas peças publicitárias dela), e receberia um apartamento como premiação e pagamento.

Tomou um calote; a empresa alegou que devido à derrota sofrida, sua imagem atuou negativamente sobre a marca, gerando prejuízo e portanto o calote foi justo. Literalmente. Na justiça a empresa ganhou o processo movido por Bigode – que também alega ter sofrido golpe de seu advogado com relação aos custos do processo.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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