Querido Lula

Querido Lula: Cartas a um presidente na prisão – Maud Chirio (org.)

Ano de Lançamento: 2022 – Minha edição: 2022 – 232 páginas


Há momentos que olhos treinados conseguem perceber que verdadeiramente se tornarão históricos instantaneamente; um dos mais recentes foi a vigília montada por manifestantes no entorno do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em São Bernardo do Campo, em 2018, para impedir a prisão do ex-presidente Lula – a qual eu tomei parte durante a tarde e noite de 6 de abril. Em conjunto com familiares, amigos e conselheiros, ele decidiu se entregar no dia seguinte.

As imagens daquele dia se tornaram icônicas e percorreram o mundo; e ele ficou na prisão por mais de um ano. O tempo passou, o que já se imaginava foi revelado através da Vaza Jato, a operação para prendê-lo era, no mínimo, frágil, e motivada por interesses políticos e pessoais de juízes e promotores.

Durante os 580 dias na prisão, o ex-presidente perdeu um de seus netos e um irmão, cujo direito de ir ao velório, assegurado a todos os presos no país, foi negado e a jornada se tornou cada vez mas comovente. Uma face nova dessa comoção foi revelada em maio deste ano, 2022, com a edição deste livro, composto por uma seleção das 25 mil cartas enviadas a Lula durante o período no cárcere.

São 46 correspondências de diversos emissores, alguns identificados outros não, e a imensa maioria de “anônimos”, brasileiros comuns – só há uma correspondência de “celebridade”: uma do antigo deputado Jean Willys, que não fez muito sentido e destoa das demais envolvidas, fiquei com a impressão de ser sido algum pedido ou favor pessoal ou político – selecionadas por um conjunto de historiadoras ligadas ao Instituto Lula, em São Paulo.

O foco da seleção é demonstrar a diversidade de coisas e trajetórias que as pessoas associam ao ex-presidente e a forma como os remetentes se identificam com ele. Alguns tratam Lula com uma extrema reverência, outros com a intensa gratidão; uns consideram ele um antigo amigo e outros um membro da família; utilizam-se pronomes diversos e convidam o líder político para um café ou uma visita.

É um grupo muito diverso; temos professores universitários, operários, lavradores, desempregados, até mesmo analfabetos que ditaram a correspondência a terceiros. O grosso das cartas faz uma rápida trajetória pessoal do autor, indicando onde ele nasceu, por exemplo, no que trabalhou, e, em especial, como os governos de Lula e Dilma interferiram, ou transformaram radicalmente, suas vidas. Todas em um tom de agradecimento, mas temos, em menor número, uma gratidão permeada por algumas análise refinadas, tentando entender o cavalo de pau dado pelo país de 2016 para cá; explicações sobre a gênese do Bolsonarismo ou conexões com a morte de Marielle Franco.

Não há, por outro lado, nenhuma real discordância com o presidente ou alguma crítica, ou mesmo cobrança. Acredito que dada a situação fragilizada na qual Lula se encontrava, o objetivo geral, e é o que percebe-se nas cartas, das pessoas era de confortá-lo durante o cárcere, o que é perfeitamente compreensível. Entretanto, isso acaba tornando a obra menos interessante e bastante repetitiva, e o tom geral é de uma obra apenas para aclamação de Luís Inácio como o melhor presidente do país. E isso cansa, mesmo para quem concorda com essa afirmação.

Após algumas primeiras epístolas bastante emocionantes, rapidamente o leitor acaba já passando a uma leitura dinâmica involuntariamente por ver mesmas expressões e narrativas. Pode ter sido a seleção, ou de fato, o ex-presidente tem a gratidão de parcela esmagadora da população; uma combinação das duas premissas, provavelmente. Entretanto, para análise ou mesmo para eventualmente servir como fontes históricas, a compilação não tem tanto valor político ou social, mas quase que sociológico ou psicológico, no sentido das variadas e intensas formas com que as pessoas se identificaram com Lula nestes textos.

Temos uma coleção de documentos e testemunhos extremamente autênticos e autorais, ainda que não tão interessantes e intrigantes do ponto de vista investigativo, que atestam a importância central que a figura de Lula e do PT teve na história nacional.

Bom (3/5)

Uma comovente coletÂnea de cartas mas que não oferece muita diversidade nem grande valor como eventuais fontes históricas. Entretanto, compõe um retrato intenso dos sentimentos dispertados por lula, e do impacto e da popularidade dos governos do pt através das palavras da própria população.

Objetos: algumas cartas continham presentes para Lula, na maioria desenhos, livros e postais; mas também houve alguns objetos, como um terço enviado por uma senhora de 81 anos; e um edredom costurado com retalhos carregando o nome de funcionários e professores da Universidade Federal de Minas Gerais.

Esperança ou Pessimismo: os sentimentos são variados nas correspondências, alguns remetentes acreditam que a comoção gerada pela prisão de Lula pode resultar numa virada para o ex-presidente e para o Brasil. Entretanto no geral é possível sentir um pessimismo generalizado das pessoas, que relatam muito como o país entrava numa triste espiral de escuridão. Há palavras de conforto, mas no geral senti um grande desalento nos textos.

Elementos pré e pós-textuais: a edição é relativamente luxuosa, com uma impressão diferenciada para as cartas e até mesmo páginas coloridas, e elas ocupam mais de 90% do livro. De texto dos organizadores temos apenas uma introdução que recapitula o contexto do tempo em que Lula esteve na prisão e o processo do recebimento das correspondências, além de uma panorâmica do que você encontrará no conteúdo delas.

Trabalhadores do Brasil: a comparação com Getúlio Vargas é inevitável. Desde o início do seu governo na Revolução de 1930, ele criou uma política de recebimentos de cartas escritas pela população através da Secretaria da Presidência da República. Foram dezenas de milhares de correspondências ao longo de 15 anos, estudadas a fundo na célebre obra do historiador Jorge Ferreira, Trabalhadores do Brasil. Entretanto, em contexto muito diferente das recebidas por Lula, elas eram endereçadas ao presidente em exercício e normalmente continham agradecimentos acompanhados de “cobranças”, por empregos, políticas, obras, dentre outras coisas importantes para o cotidiano do remetente.


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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