Jornada nas Estrelas: Enterprise
Dentro do universo da Ficção Científica, poucas coisas foram tão tristes quanto o cancelamento de Enterprise. Foi uma rara história de um seriado sendo cancelado exatamente quando atingia seu auge; e definitivamente é o caso da quarta temporada, um auge – e não só de Enterprise, mas comparável aos melhores anos de todas as séries.
O segredo do sucesso foi mais uma vez encontrar uma nova identidade própria. Desta vez, deixando um pouco de lado tramas genuinamente originais de ENT, mergulhamos em uma verdadeira prequel da Série Original. Cada uma das estórias contadas continha uma pequena homenagem à venerável TOS.
E eu digo “estórias” porque podemos falar pouco de “capítulos” aqui. Em uma inovadora narrativa, Enterprise apostou em uma série de aventuras contadas através de dois ou três episódios, seqüências diretas uns dos outros. E, em seguida, iniciar uma nova trilogia ou dualogia. Se tivemos 22 capítulos ao todo, na realidade, foram apenas 12 estórias diferentes.
Esse formato ajudou a remediar um crônico problema de Enterprise, o desenvolvimento de personagens secundários. Agora, com capítulos que duravam 80 ou 120 minutos, foi possível muito mais espaço de tela e roteiro para dar uma atenção legal a recorrentes – ainda que os tripulantes coadjuvantes continuaram com muita pouca atenção.
Agradou: Forma narrativa única, nova identidade própria, qualidade dos capítulos.
Ou seja, tudo. Foi um grande ano. Se nas duas primeiras temporadas o seriado estava perdido, sem saber exatamente que história ele queria contar, ironicamente, em sua edição final, a produção se decidiu e acertou em cheio: vamos ser, de fato, uma prequel de TOS.

A primeira vez que vi ENT definida como prequel da Série Clássica, essa avaliação me pareceu muito estranha. Da mesma forma, não encaro TNG ou DS9 como continuações da TOS – nem de uma com a outra, no caso das séries do século XXIV. Tratam-se de obras que se passam naquele universo ficcional mas não continuações. A série Robôs, ou Império, não são prequel de Fundação, por exemplo. E da mesma forma, Discovery, ainda que se passando antes, também não o é de TOS.
Entretanto, fui obrigado a rever essa avaliação. O encerramento de Enterprise mereceu esse adjetivo: tudo foi cuidadosamente trabalhado, em mínimos detalhes, para os episódios funcionarem desta forma, como prelúdios ou homenagem a eventos da Série Original. E tudo da mais alta qualidade, na técnica e enredo. Com exceção do final, não há um episódio genuinamente ruim aqui.
De certa forma, sei que estou cometendo uma heresia, mas ENT funcionou aqui como uma espécie de “atualização” de TOS. Tanto em visual como na abordagem e nas tramas. Vemos os Andorianos ou Tellaritas (espécies abandonadas na era TNG) com maquiagens decentes, por um lado, e personagens “primitivos” se comparados ao século XXIV mas não mais sexistas ou paternalistas, por outro. Os episódios são menos teatrais, com atuações mais sóbrias.

E, em especial, uma inteligente combinação de narrativa episódica com serializada. Alguns episódios constituindo continuações diretas um do outro, que então geram outros, com aventuras únicas mas também ou interconectadas ou ainda geradas pelo trio anterior. Isso foi único em Jornada nas Estrelas, até hoje.
E o melhor; tudo feito com um profundo respeito a todo material que veio antes.
Não agradou: Menor cuidado aos episódios avulsos, encerramento da Guerra Fria Temporal, um pouco menos de originalidade e o final.
Nem tudo são flores nesta temporada maravilhosa, ainda que seja quase um nitpicking, reclamar por reclamar. O formato escolhido de narrativas em dualogias e trilogias fatalmente levaria a um efeito colateral inevitável: um menor apreço pelos capítulos que ficassem sozinhos.
Ao começar a rever; eu já fui com a memória na cabeça de que todos os episódios avulsos eram ruins. Não é verdade, apesar de dois deles serem de fato fracos; Lar fornece um importante desenvolvimento de personagens, Efeito Observador contém um argumento fantástico e Amarrados é um belo aprofundamento de Lore. Entretanto, diante das “superproduções” dos demais, é inevitável olhar de lado para eles.
Isso significa também, que Enterprise foi um pouco menos original nesta quarta temporada (o que não necessariamente seria ruim). Ao término da Guerra Fria Temporal – em dois bons episódios – praticamente tudo que era nativo, original, da série acabou. E acabou de forma muito súbita, aliás. Ao começo do seriado ficava mais ou menos claro que o objetivo desse conflito seria impedir a Fundação da Federação. Isso tanto em Front Temporada, a virada da primeira para segunda temporada, e no objetivo por trás de toda a terceira temporada, argumento mais apresentado em Azati Prime.

Entretanto, quando chega a hora de Enterprise enfrentar de cara esse tema… a Guerra Temporal – o grande arco principal da série – terminou antes. Será que os agentes temporais das facções contrárias à Federação não deveriam tentar intervir nos eventos de Babel ano Um ou Unidos? O desfecho do conflito cronológico deveria coincidir com, justamente, o triunfo da aliança entre as espécies, para uma conclusão coerente e a altura.
E então tudo sobre a futura Federação é contada completamente de trás pra frente, pegando os episódios de TOS (que se passam depois destes eventos) e os homenageando. O que teve como resultado capítulos excelentes uns atrás dos outros. Mas, se pararmos para pensar, foi exatamente essa a lógica, de transformar ENT fundamentalmente numa homenagem às séries anteriores, que permitiu fecharem sua história através daquela bizarrice de final, dentro de uma aventura da TNG. Mais um efeito colateral.
Jornada nas Estrelas: Enterprise – Quarta Temporada
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