Star Trek: Lower Decks – 3ª Temporada – Mais do mesmo

Genuinamente, ri de soluçar nos primeiros capítulos da animação Rick & Morty, como também de filmes clássicos do gênero Comédia-por-minuto, como Apertem os Cintos! ou os não-tão-clássicos mais recentes, como Todo mundo em pânico. Não é coincidência que as sequências raramente, para não dizer nunca, vivem à altura, e arranquem poucos ou nenhum riso. Muito do gênero é calcado nas reações inesperadas e na subversão dos personagens nas situações envolvidas.

O problema é que se isso torna-se o padrão, você passa a esperar o que deveria ser o inesperado. O desgaste se torna inevitável e a magia que àquela comédia despertava apaga-se de maneira decisiva. Lower Decks parece estar chegando nessa fronteira.

Agradou: Qualidade das referências e qualidade razoável constante.

Desde o começo da série, e ainda não nos desaponta, a profundidade e as refinadas ironias das referências permanecem. A melhor piada baseada no lore de Star Trek desta temporada, para mim, é o personagem falando sobre a Teoria da Conspiração envolvendo insetos parasitas nos cérebros dos almirantes da Frota. O episódio Conspiração, do primeiro ano de TNG, com certeza é tão bizarro e de resolução tão súbita que, certamente, teria seus eventos sendo considerados teorias extravagantes para os habitantes daquele universo ficcional.

E no geral, apesar de nenhum capítulo se destacar, não houve nada terrível. O que, por sua vez, pode significar, justamente, estagnação.

Não agradou: esperando o inesperado e correndo atrás do próprio rabo.

A temporada anterior foi fechada com um arco envolvendo a prisão da capitão Freeman. Ela foi responsabilizada pela explosão do planeta dos Pakleds, e o início desta edição acompanharia a busca dos nossos quatro lower deckers para provar a inocência dela. Entretanto – revelando pontos decisivos do enredo a seguir – ao final do episódio, a jornada deles não fez o menor sentido e ela acaba inocentada pois os investigadores da Frota conseguiram provar sua inocência.

Eu realmente achei uma ironia inteligente, uma bela subversão. Mas a resolução deste gancho de um ano foi anticlimática demais; especialmente como conclusão de uma aventura mediana dos nossos heróis. E, pior ainda, o resultado em si não mudou absolutamente nada o desenrolar da série. Apesar de genuinamente inteligente – e coerente com o caráter Utópico da Federação – esse desfecho broxante significa que a gente já esperava que nossos heróis não iriam resolver o problema e a série dá uma famosa volta em 360º.

Foi uma constante em toda a temporada; especialmente em conjunto com o formato formuláico que havíamos descrito para a segunda edição. Peguemos como exemplo o episódio que se passa em DS9. Seu cerne guarda duas ótimas piadas – o comportamento de Mariner na festa de Jen e Tendi relembrando ser uma Orion – mas o capítulo é tão calcado numa fórmula repetitiva que ele poderia se passar em qualquer outro contexto, Deep Space Nine não tem influência alguma nos eventos.

A partir do momento em que você já sabe que as aventuras dos personagens serão frustradas ou eles vão se dar mal, a alternativa então passa a, ou, fazer com que eles se deem bem, ou, mesmo em suas desventuras fazer o enredo caminhar – irem para outra nave, função, posto, por exemplo. Não ocorre nem um, nem outro. Lower Decks já tem uma quarta temporada contratada; mas entregando mais do mesmo desta forma pode ser a última.

  • Uma observação específica; nos últimos episódios houve um destaque maior dado aos oficiais superiores, dividindo quase meio a meio o tempo de tela com os subalternos. Um sinal preocupante do seriado já atingindo seu limite e está andando de lado.

Episódios

S03E01: Grounded – Com a capitão Freeman presa, e liderados por sua filha, nossos protagonistas empreendem uma investigação para colher alguma evidência que ajude a provar sua inocência. Entretanto, a Cerritos encontra-se interditada e, de alguma forma, essa jornada vai parar na Phoenix, a nave que Zefran Cochrane fez a primeira viagem em dobra da humanidade.

Há algumas ironias divertidas, como a trama com o oficial responsável pelo transporte, e as várias referências à vida na Terra, mas o episódio nunca decola e o final – ainda que, novamente, seja uma inteligente subversão – anticlimático acaba trabalhando contra uma aventura que acaba se revelando totalmente despropositada. Não apenas pela situação se resolver sem ela, mas também por não passar muito de uma coletânea de esquetes baseadas em boas referências – grande mal de Lower Decks.

Avaliação: 3 de 5.

Bom (3/5)


S03E02: The Least Dangerous Game – Boimler decide tomar uma importante decisão na sua carreira; acreditando que perdeu muitas oportunidades devido sua insegurança, agora ele irá aceitar qualquer convite feito a ele – incluindo participar de uma caçada humana. Enquanto isso, Mariner ainda sob a asa de Ramson acaba ficando em uma situação complicada e invertida: o imediato quer que ela conserte um equipamento de um planeta, enquanto os engenheiros da nave façam os contatos diplomáticos.

A trama de Boimler, que deveria ser a principal do episódio, é bastante previsível e o personagem começa a ficar muito desgastado. Já a de Mariner, não exatamente por ela – que, também como o outro protagonista, é cada vez mais previsível – acaba sendo mais engraçada a partir da escalada non-sense da missão da equipe dos engenheiros envolvidos na exploração planetária; como trama B (C, na realidade) as desventuras deles funcionam bem como entradas rápidas, engraçadas e recheadas de referências.

Avaliação: 2.5 de 5.

Mediano (2,5/5)


S03E03: Mining the Mind’s Mines – A Cerritos está em missão conjunta com a Carlsbald, outra nave da classe Califórnia e uma rivalidade entre equipes das duas naves aparece quando, na superfície, eles precisam limpar o local de perigosas “minas mentais”, armadilhas que se utilizam dos desejos das pessoas para capturá-las. Enquanto isso, na nave, Tendi tem seu primeiro dia como oficial de ciências fora da enfermaria.

É o primeiro capítulo desta temporada, e um dos poucos de Lower Decks com uma fórmula mais clássica de Star Trek, com um mistério em torno de uma missão planetária e os personagens precisando desvendá-lo e superar os perigos. E eu acredito que funcionou muito bem; consegue equilibrar as referências e ironias ao mesmo tempo que conta uma aventura dos protagonistas; e, contar uma história de ficção científica, ainda que “corrompida”, em um bom sentido, pelo humor, ao fundo.

Avaliação: 3.5 de 5.

Bom (3,5/5)


S03E04: Room for Growth – Os níveis de estresse estão altos na Cerritos, a equipe de engenharia trabalhou dias ininterruptos a fio e a capitão decide presenteá-los com uma estadia em um spa. Durante esse período de descanso, um alojamento dos oficiais superiores da nave será sorteado para os deques inferiores, e nossos heróis precisam ganhar essa loteria.

Este episódio é bom exemplo de como a série – quase que literalmente, não tivesse um antropomorfismo envolvido – anda atrás do próprio rabo. Não é porque estamos lidando com uma animação, que é necessário seguir as convenções da animação infanto juvenil (ou mesmo de sitcoms) em toda a produção. Os protagonistas poderiam muito bem mudar de alojamento e gerar uma outra série de esquetes, ainda que temporárias, através desse novo cenário – mas, infelizmente, opta-se mais uma vez por chegar no mesmo lugar de onde partimos.

E, infelizmente, é tudo sem graça, e muito previsível, as piadinhas sobre a equipe de engenheiros ainda é a melhor parte, mas ainda assim todas as piadas são antecipáveis, em especial, porque é uma temática repetitiva, pano de fundo de dois capítulos atrás. E, ainda, temos até um ensaio de fanservice com as personagens femininas tirando a roupa; -e não é o primeiro: anteriormente já havia uma cena de Tendi saindo do banho.

Avaliação: 2 de 5.

Ruim (2/5)


S03E05: Reflections – Enquanto Mariner e Boimler são escalados para fazer parte de um estande de recrutamento da Frota Estelar, vamos saber mais sobre o passado misterioso de Rutherford, quando ele parece ganhar uma outra personalidade fruto do mal funcionamento de seus implantes cibernéticos.

Um respiro de novidades numa temporada bastante desgastada. Finalmente vamos ter algum lore sobre um dos protagonistas: após três temporadas alguma explicação sobre o mistério de Sam. Mas, infelizmente, pouca coisa é revelada e a sua jornada interior não é lá tão interessante. Já a desventura na feira planetária é divertida – a ironia constante em LD sobre a vida na Frota Estelar não ser a melhor opção naquele universo é um dos pontos altos do programa – e com as duas tramas em conjunto temos um bom balanço entre esquetes de referências e desenvolvimento dos personagens.

Avaliação: 3 de 5.

Bom (3/5)


S03E06: Hear all. Trust nothing – O esperado Crossover entre Lower Decks e Deep Space Nine! Mas, de forma decepcionante, acaba não sendo centrado exatamente na estação DS9. Tendi e Sam acabam conhecendo um outro Orion, muito orgulhoso das tradições piratas; Boimler fica de escanteio nessa; e Mariner se envolve numa crise em seu namoro com Jen, tudo enquanto a Cerritos precisa mediar um acordo entre a Federação e uma espécie nativa do quadrante Gama.

Com exceção de algumas menções de referências em diálogos; este episódio poderia se passar em qualquer outro cenário. Há algumas ironias legais – como sempre – em especial, a cena da música de abertura; mas com os protagonistas totalmente divididos em ações separadas, o antecipado retorno a DS9 foi um episódio como qualquer outro.

As melhores partes, que verdadeiramente arrancaram risadas, os “ataques” de Mariner e Tendi, mesmo boas, têm problemas. Por exemplo: a primeira não guarda relação alguma com a trama central, e outra, apesar de crucial, não é específica do cenário da estação espacial ou usa de lore nativo de DS9.

Avaliação: 3 de 5.

Bom (3/5)


S03E07: A Mathematically Perfect Redemption – Um episódio surpreendente: ao invés de acompanharmos as aventuras dos nossos protagonistas, esta será a história da jornada solitária da alferes Peanut Hamper. Esta exocomp, “abandonada” após o final da primeira temporada, precisou batalhar muito para sair do campo de destroços e tentar recomeçar sua vida em um planeta habitado por seres aviários.

Eu, particularmente, já achei a presença da excomp uma das melhores referências de todo Lower Decks, e foi muito legal tê-la de volta; e com esse estilo de capítulo totalmente novo, inteiramente dedicado a ela, foi uma grande injeção de fôlego para uma série bastante repetitiva. É um humor um pouco mais “pesado”, especialmente devido a personalidade da personagem (que já foi também uma brilhante ironia originalmente), mas o resultado é bastante engraçado, a história de fundo daquela civilização é básica mas razoável, e a reviravolta realmente acaba sendo inesperada.

Avaliação: 4 de 5.

Muito Bom (4/5)


S03E08: Crisis Point II – Paradoxus – A equipe dos deques inferiores se reúne para uma aventura de grandes proporções no holodeck, roteirizado por Boimler, nossos heróis terão um desafio cinematográfico. Entretanto, um evento na vida do alferes faz com que as coisas não saiam como planejado e eles acabam embarcando separados em duas jornadas distintas; Tendi e Rutherford salvarão a Federação em uma louca viagem no tempo, enquanto Boimler e Mariner buscarão o sentido da vida.

O episódio buscar ser a sequência da aventura da primeira temporada, Crisis Point, a qual Mariner faz referências e ironias uma atrás da outra com os filmes da série. Na época, foi um episódio completamente nonsense, mas era uma ideia fresca e achei bastante divertido; este aqui já tentando ser mais original, busca criar uma aventura nova com pontuais referências ou ironias com os filmes.

Apesar do esforço, o resultado nunca decola, porque, novamente, fica-se preso à opção de manter a fórmula de separar os protagonistas em duplas; apesar de uma curiosa inversão, Tandi que se mostra como a grande heroína, e de uma boa piada final. Uma abordagem mais focada poderia colocar todos em um capítulo temático sobre viagem no tempo (o tema do “filme”), mas a série continua correndo atrás do próprio rabo.

Avaliação: 2 de 5.

Ruim (2/5)


S03E09: Trusted Sources – A Capitão Freeman consegue colocar em marcha seu importante projeto em conjunto com o Almirante Buenamigo; a operação “Swing By“, derivada do Segundo Contato, que consiste em revisitar planetas e civilizações contatadas previamente pela Federação e oferecer qualquer ajuda necessária. A primeira parada é em Onara, planeta visitado na primeira temporada de A Nova Geração, e uma repórter é escalada para fazer a cobertura dessa missão, e, assim, divulgar a iniciativa de Freeman.

Gosto quando o capítulo já parte de uma ironia, no caso, as naves nunca retornarem aos planetas previamente visitados na maioria dos seriados. E a aventura escolhida, da dupla de planetas retratados em Simbiose, foi boa, irônica e absurda na medida certa, bem satisfatória. Entretanto, o episódio fica um pouco destoante ao deixar os Lower Decks em segundo plano, relegados a inserções bem pontuais na trama da reportagem, focando apenas na tripulação de comando.

Avaliação: 3 de 5.

Bom (3/5)


S03E10: The Stars at Night – Após o fracasso do projeto Swing By, todos os oficiais da Frota Estelar estão em risco, mas em especial os do baixo clero. O almirante Buenamigo convence o comando a implementar uma substituição das naves da classe Califórnia pela classe Texas – poderosas naves autônomas operadas totalmente por computador. A Cerritos, então, competirá em eficiência com uma dessas embarcações drones, como uma última tentativa de reverter essa decisão.

Apesar de ser uma trama muito genérica e explorada a exaustão – naves comandadas totalmente por inteligência artificial – as coisas até que se encaixam bem. O capítulo é conectado com o anterior e resolve algumas pontas soltas de enredo deixadas das temporadas anteriores. E tem a melhor piada da temporada, a única que me fez gargalhar no ano, sobre o sonho de Shaxs se realizando.

Mas, infelizmente, apesar de todas as voltas, incluído a deserção de Mariner, majoritariamente o seriado passa a voltar para o mesmo ponto de partida – com a exceção de uma promissora nova integrante da trupe dos Lower Decks.

Avaliação: 4 de 5.

Muito Bom (4/5)


Melhor Episódio

The Stars at Night – Este episódio deveria ser o padrão de qualidade da temporada, algumas boas piadas e esquetes, enredo apresentando conexões com outros capítulos, desenvolvimento dos personagens e boas referências. Padrão, também, porque, por outro lado, não foi nada excepcional, com um enredo principal muito surrado – que, por sua vez, não tinha por objetivo funcionar como ironia, e sim como desdobramento “sério”. Mas acabou sendo o melhor exibido nesta edição.

Por sua vez, A Mathematically Perfect Redemption foi o episódio mais inovador desta temporada e merece também um destaque. Assim como Mining the mind’s mines, que tem uma pegada mais clássica de Jornada nas Estrelas adaptada à comédia, com o foco em um mistério alienígena. Se o final da temporada deveria ser o padrão de qualidade, este aqui deveria ser o padrão de abordagem de Lower Decks.

Pior Episódio

Room for growth – Um capítulo alarmante, que demonstra todo o desgaste que o seriado está apresentando. Uma aventura dos personagens que vai do nada a lugar algum e retorna todos para o mesmo ponto de partida, desperdiçando novos caminhos para esquetes diferentes para Lower Decks. Além de um enredo central fraco, que abre espaço para fanservice, ainda temos uma trama B que é um pouquinho mais engraçadinha, mas repleta de piadinhas previsíveis.

Prometendo muito e cumprindo pouco, tivemos o início da temporada, em Grounded, que aposta uma ironia anticlimática sem uma jornada mais inovadora, e Crisis Point II; que não quer ser apenas um amontoado de referências, mas também quer que todo mundo vá e volte para o mesmo lugar, ficando num limbo entre os dois.


Jornada nas Estrelas: Lower Decks


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Publicado por Lucas Palma

Paulistano, desde que me lembro por gente fascinado pelas possibilidades do futuro, em games, filmes e seriados, herança paterna e materna. Para surpresa geral, ao final da juventude descobri fascínio também justamente pelo oposto, me graduando e mestrando em História, pela Universidade Federal de São Paulo. Sou autor de Palavras de Revolução e Guerra: Discursos da Imprensa Paulista em 1932.

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