Os gregos acreditavam em seus mitos? Ensaio sobre a imaginação constituinte – Paul Veyne
Tradução: Mariana Echalar – Editora UNESP
Ano de Lançamento: 1983 – Minha Edição: 2013 – 205 páginas
A mitologia antiga, e a grega, em especial, é talvez o tema de História Antiga mais popular e que mais desperta interesse dos curiosos – afinal, ela é constantemente reciclada em filmes, jogos, desenhos, quadrinhos e etc. Esse uso indiscriminado dessas figuras é possível tão somente porque não há mais quem acredite mais nessas divindades. Entretanto, tamanho é o absurdo e a hipérbole envolvida nesses mitos que a questão passou a ser, quando é que alguém acreditou neles?
Uma resposta afiada seria que, hoje, acredita-se que a humanidade surgiu de um par de indivíduos criado do barro e que todas as espécies de plantas e animais do mundo esteve concentrada em um único barco; então por que não seria possível crer em Atena saindo da testa de Zeus?
A questão é que para a cristandade atual, ao menos à lúcida, tais eventos ocorreram em uma era anterior à humanidade. Não a toa, classificado pelo catolicismo como o “velho” tempo, em oposição ao “novo”. Se no Velho Testamento há a descrição da origem do mundo, dos homens e da civilização, em eras imemoriais, na qual as leis que regiam o mundo natural e humano não eram iguais as atuais; no Novo Testamento temos homens comuns espalhando as histórias sobre uma única divindade com poderes bem menos extravagantes em um espaço-tempo que corresponde diretamente ao nosso, o Império Romano.
Se você compreender essa distinção, já está com meio caminho andado para a resposta de Paul Veyne a pergunta do título. Os gregos poderiam acreditar em seus mitos quando eles se referiam a um tempo anterior ao “atual”: quando contavam sobre a era dos heróis, em que os deuses viviam entre os homens.
E não apenas isso, o mito era uma história de “origem”, de algo que não foi possível testemunhar; diferente da história contemporânea aos antigos. Em especial, na Antigüidade, os mitos muitas vezes se concentravam na origem das cidades – o principal núcleo civilizacional da Antigüidade Mediterrânea – numa espécie de “proto-nacionalismo”, com perdão do anacronismo, já que Veyne alerta para sensíveis diferenças nesse sentimentos.
Essa questão permitia uma interessante convivência entre os diversos tempos míticos de origem de cada ente político ou social da Antiguidade. Alianças e acordos comerciais poderiam ser forjados ao encontrar uma amizade entre os deuses e heróis envolvidos na origem dos povos ou cidades. Isso era possível, com aponta o autor, porque não existia a noção de “verdade” tal como compreendemos hoje.
Em um mundo prévio ao método científico atual, conviviam diversas verdades entre os antigos. Várias eram as verdades entre os variados povos ou cidades, e mesmo entre autores e leitores. Havia a verdade dos que escreviam e a verdade dos que liam, que poderiam conviver “pacificamente”, no sentido de aceitar as diferentes interpretações. Até mesmo uma deliberada invenção de um autor em algum poema ou registro mítico poderia ser entendido como uma verdade, afinal, sua própria criação era uma verdade literária. O leitor deveria acreditar na verossimilhança naquela ficção a ponto de se identificar com os personagens, por exemplo. A própria noção de que um mito seria uma mentira do começo ao fim, de acordo com Veyne, seria pouco compreensível para os gregos antigos. Não havia razão para isso.
Nesse sentido, e imagino que para quem seja historiador de carreira era o desfecho mais esperado, a resposta do autor para a pergunta do título é “depende“.
Ou melhor, os gregos tenderiam sim a acreditar neles, “é óbvio!“, aponta ao final; contanto que esses determinados mitos fossem compreendidos em seus parâmetros de verdade. Haviam, ainda assim, constantes questionamentos sobre a validade dos mitos, e também filósofos e escritores que buscavam racionalizar aquelas estórias, como Estrabão ou Paléfato; partindo do princípio, relativamente ousado, que o mundo do passado era mais ou menos parecido com o atual, coletavam os mitos e tentavam compreender sobre possíveis alegorias.

Como, ainda, no exemplo de Galeno, renomado médico, dizia que poderia acreditar que existiam Centauros em algum momento, mas que essa pergunta não faria sentido na questão das propriedades curativas atribuídas, na época, à bile do ser meio homem meio cavalo. Se não for possível extrair e receitá-la a um enfermo, de pouco adianta eles terem andado pelo mundo em passado remoto.
O livro é um misto de ensaio e trabalho acadêmico de Veyne, dividido em capítulos que parecem uma coletânea de artigos, é uma leitura em ritmo bem agradável, mas ao mesmo tempo um pesadelo de referências. Pausânias, Peléfato, Homero, Heidegger, Deleuze são citados um atrás do outro (e as notas de Rodapé apenas aumentam a densidade dessa citação), sem explicações e sem distinções claras de fontes primárias e secundárias. É necessário consultar com frequência a Wikipédia para uma rápida informação de quem são os referenciados. Além disso, quem sou eu, mas acredito que o autor escorrega um pouco nas analogias contemporâneas às questões antigas – a passagem do médico que acredita em homeopatia não me encaixou legal.
Em alguns momentos, também temos uma profunda reflexão sobre Filosofia e Teoria da História – e mesmo uma discussão se a pergunta do título seria válida. É uma leitura fundamental, especialmente para quem trabalha com esses conteúdos em sala de aula, mas diria que é um texto impossível de ler para quem não seja razoavelmente integrado à historiografia.
Muito Bom (4,5/5)
Uma leitura excelente, muito esclarecedora ao mesmo tempo que possibilita abrir sobre inúmeras novas reflexões sobre história e historiografia. Entretanto, é um pesadelo de referências e citações; quase impossível de ser lida por quem não seja familiarizado com o tema.
Jornalistas do Passado: Uma das questões levantadas em relação à Teoria da História é que os historiadores da antiguidade, que com as vezes recorriam a mitos para explicar certos fenômenos, se assemelhavam mais a Jornalistas. Não se preocupando ao demonstrar citações ou fontes, ainda que as consultassem (normalmente em formas orais) e confrontassem umas com as outras, não faria sentido para eles ficar apontando no texto de onde vinha determinada informação.
Conforme Veyne explica, a noção de credibilidade do autor era muito importante (tal como o jornalismo naquele período dos anos 80), os historiadores acreditavam nas fontes consideradas críveis e esperava que eles também fossem encarados assim. Além disso, tal como apontamos acima, a própria noção de que uma história poderia ser totalmente falsa era algo estranho aos gregos.
Musas e Retórica: Ainda na questão sobre a dificuldade da ideia de haver uma única verdade ou uma mentira completa na Antiguidade, entra essas duas características do mundo grego que continuam sendo referenciadas na contemporaneidade. Veyne relembra que o papel das Musas Inspiradores poderia ser, de certa forma, uma validação do que o autor “inventou” em suas obras ou mesmo na reprodução de mitos – uma narrativa anônima por excelência. Não é que ele simplesmente tirou de sua cabeça, mas sim recebeu de uma musa.
Da mesma forma, em outro ponto a obra demonstra que a Retórica, como “arte” grega, consistia em convencer através da fala, ou escrita, outra pessoa. Não necessariamente dizendo “a” verdade; da mesma forma que também não necessariamente havia “licença” para mentir. Tudo isso contribui para essa conclusão complexa de Veyne, sim, eles acreditavam em seus mitos, mas o acreditar de III ou IV AC não exatamente seria o mesmo acreditar que o nosso do século XXI DC.
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