Cem Anos de Solidão – Gabriel García Marques
Tradução: Eric Nepomuceno – Editora Record
Ano de Lançamento: 1967 – Minha Edição 2022 – 446 páginas
A pequenina vila de Maconco foi capaz de contar um dos maiores épicos da história da literatura mundial. Este singelo povoado fictício foi fundado por um aventureiro, José Arcádio, que casou com sua prima, Úrsula, fugindo de sua cidade natal ao lado de uma grande caravana; uma vez estabelecidos no local, a população cresce e aquela comunidade passa por uma parcela considerável de eventos da história colombiana, enquanto é “liderada” pela família Buendía durante um século.
Capaz de fazer uma concisão formidável de polêmicas e temas referentes à sociedade, política, cultura, comportamentos e tradições da sociedade colombiana (e latino americana no geral), não por caso, esta é uma das maiores obras-primas literárias da humanidade.
Predominantemente orientada por um realismo mágico – gênero muito popular na América Latina; e aqui no Brasil normalmente adotado por novelas de sucesso – a trajetória dos Buendia e de Macondo é intrigante desde a primeira à última página. Visões, alucinações, poderes mágicos, seres míticos e pessoas que vivem centenas de anos aparecem a todo o momento na jornada do povoado e da família.
Uma das principais características do gênero é como os fenômenos míticos são encarados com naturalidade pelos personagens. Esta é uma alegoria à resistência ou incompreensão, causada pelo nosso “atraso” econômico, com os avanços tecnológicos do século XX, e isso as vezes até torna a leitura um pouco desorientada. Tão súbitos, as vezes, se mostram os eventos sobrenaturais, que é preciso retomar o fôlego do ocorrido – o que é uma sensação muito prazerosa – porque, ao contrário dos personagens, você não acredita no que se passa.
Desorientação que também parte da repetição de nomes. Como normalmente se faz em famílias de origem hispânica – incluindo a minha – os nomes dos parentes se repetem constantemente. Um sobrinho-neto leva o nome do tio-avô em sua homenagem; a filha de um primo recebe como segundo nome o nome de avó de sua prima. São vários os Aurelianos, José Acádios, Amarantas, Úrsulas e Remédios; como se chamavam as primeiras gerações dos Buendías. Felizmente, as edições costumam contar com um anexo com a árvore genealógica da família para que você consiga compreender melhor os eventos.
A caracterização protagonistas é centro de vários dos temas levantados por García Marques. Os Buendía são completamente egocêntricos – apesar da nobreza de alguns de seus integrantes. Perdidos em si mesmos num eterno ciclo de repetição de comportamentos e erros; o incesto constante e geracional entre eles (ainda que não em graus diretos) serve para reafirmar este traço.
A vontade de ler Cem Anos de Solidão foi despertada após ler este volume da coleção Revoluções do Século XX.
A Revolução Colombiana
Nos últimos 30 ou 40 anos o conflito armado na Colômbia é uma constante em noticiários e análises, em aulas de geografia e atualidades. Neste livro, o autor tenta explicar as raízes da violência política no país.
Os cem anos de Solidão se referiria ao isolamento de Macondo e dos Buendía; novamente criando alegorias sobre o “atraso” latino, a vila está sempre isolada do resto do mundo. Não em sofrer impactos e desdobramentos do que acontece ao seu redor – pelo contrário, a História da Colômbia é frequentemente citada durante a obra e sentida pelos personagens – mas isolamento no sentido psicológico.
Normalmente traduzido para outras línguas como Solitude, e não Solidão, esta talvez fosse uma opção melhor para o português – ainda que, por outro lado, talvez carregasse um sentido positivo à característica dos personagens, o que, definitivamente não é o caso. Os Buendía e seu povoado são extremamente ensimesmados em seus caminhos, frequentemente andam em círculos e buscam pouca coisa além de satisfação individual – um retrato fiel das elites latino americanas.
Excelente (5/5)
Uma obra prima da literatura latino-americana. dispensa comentários.
Massacre Bananeiro – Um dos momentos mais impactantes deste livro, infelizmente, não faz parte do realismo mágico. Alerto para quem deseja evitar revelações sobre o texto pular esta parte. Após uma longa greve, os trabalhadores da Companhia Bananeira, que se instala em Macondo em algum ponto da estória, são ludibriados pela empresa para participar de uma grande negociação. Uma vez no local, são cercados e massacrados por tropas do exército, enviado para “pacificar” a região.
Baseado no Massacre Bananeiro, ocorrido em dezembro de 1928 em Ciénaga, os eventos do livro não são distantes dos eventos reais. A United Fruit Company, empresa americana que criou monopólios de comércio na região do caribe, dona de dezenas de navios mercantes e de ferrovias na américa central, era capaz de manipular governos, articular golpes de estado e assassinatos políticos – é do poder dela sobre os governos de Honduras e Guatemala que nasceu a expressão República das Bananas.
No caso colombiano, um país maior e mais forte que os demais da região caribenha, a relação entra mais tensa tanto com os poderes locais quanto os trabalhadores. Em outubro de 1928, os trabalhadores da empresa entraram em greve com uma série de reinvindicações, dentre elas a formalização dos contratos de trabalho em empregos fixos, folgas aos domingos e o fim do pagamento por “vales” a serem usados para comprar produtos importados pela própria United Fruit Co.

Após dois meses de greve, o governo americano passou a pressionar o colombiano para “pacificar” o movimento, pois sua longevidade e força passou a atrair a atenção de toda a política nacional. O exército foi enviado para o local e, alegando que a cidade havia sido tomada por “um soviete de irresponsáveis“, assassinou os trabalhadores que estavam concentrados em assembleia, na praça da estação ferroviária da cidade, durante a madrugada. O relatório oficial indica 47 mortes, mas o número real, incluindo avaliações da inteligência americana, indicam mais de 2 mil mortos.
Os dados nunca foram possíveis de serem confirmados devido à lei marcial no departamento, que durou por um ano, impedindo investigações e a informalidade geral do regime trabalho sequer era capaz de indicar quem eram os trabalhadores. Também houve denúncia de ocultação dos corpos para impedir o número final.
O Fluxo do Tempo: um dos temas centrais da obra, como não poderia ser diferente, também é a implacabilidade e as transformações do Tempo. Apesar de personagens que passem dos cem anos, todos em algum momento morrem e a vida da família e de Macondo continua – ainda que forma cíclica muitas vezes.
O momento em que essa discussão mais me impactou é já ao final da obra, avisando novamente para revelações sobre o livro, quando os habitantes da pequena cidade já não sabem quem eram os personagens iniciais do texto. Acreditam que o Coronel Aureliano Buendía e suas 32 revoluções fracassadas sequer existiram, que ele seria uma figura mitológica, ou mesmo que era apenas o nome de uma rua e não que haveria vivido tal homem.
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