Justiça Ancilar – Ann Leckie
Tradução: Fábio Fernandes – Editora Aleph
Ano de Lançamento: 2013 – Minha Edição: 2018 – 381 páginas
Esta obra ganhou a tríplice coroa, o grand slam, o grand chelen, e todas as metáforas esportivas possíveis em seu ano de lançamento; prêmio Hugo, prêmio Nebula, BSFA, prêmio Arthur C. Clarke e prêmio Locus. O primeiro livro a ganhar todos esses prêmios ao mesmo tempo. O frisson foi grande por Justiça Ancilar. A história da Inteligência Artificial de uma nave buscando vingança, ou justiça, contra um poderoso Império Galáctico vive a altura?
Frequentemente classificado como um texto pós-moderno; em estrutura a opção de Ann Leckie é diferente, mas não é inovadora. Acompanhamos a mesma história em dois momentos no tempo, separados por vinte anos. Em parte lemos a jornada de Breq, a única sobrevivente da destruição da nave A Justiça de Torren, que busca vingança, e em conjunto, justamente, o enredo prévio que leva ao fim dessa grande embarcação.
As inovações que chamaram a atenção da crítica e publico têm mais pé na forma que no conteúdo. O que se destaca logo de cara, e acabou sendo a característica mais conhecida do texto, é que no idioma principal desse universo ficcional, as palavras não possuem gênero – ou melhor, possuem apenas um gênero, o feminino.
Essa brincadeira fica um pouco capenga em português; originalmente, no inglês, apenas havia o uso dos pronomes femininos por padrão dos personagens e as demais palavras no sem gênero. Já no nosso idioma, como todas as palavras possuindo gênero, não temos um universo sem gênero, mas sim um universo apenas habitado por mulheres. Há uma nota da edição, antes de iniciar a livro, em que os editores demonstram que consultaram a autora para aprovar essa adaptação.
Eu particularmente gostei, especialmente quando os personagens falam outros idiomas, dentro aquele contexto, e precisam explicar o sexo de outros e descobrimos que a tenente, a capitã, a sacerdotisa, eram homens, por exemplo. É uma grande e divertida confusão; entretanto, gradualmente essas confusões são esquecidas a partir da metade do texto e passamos apenas a ter certeza que são todas mulheres. O que faz o texto fluir bem, mas faz essa característica tão original e aclamada ser uma opção mais “cosmética” do que algo central no enredo.
Por outro lado, a leitura não é tão agradável, e aí talvez a característica mais pós-moderna da obra; ela não é nada didática. O universo de Justiça Anciliar é povoado por humanos, alienígenas, inteligências artificiais, avatares controlados por essas IA, clones e assim por diante; e em poucos momentos algo e quem é o quê é explicado para você. É necessário ficar deduzindo ao longo da obra as coisas; não há quase nenhum diálogo expositivo. Algo que pode ser uma decisão elegante e da moda, mas acaba fazendo mais mal que bem em um universo tão único.
O miolo do texto, que se passa durante a anexação de um planeta pelo Império Radch, é o ponto alto e clímax do livro; um interessante e complexo ritual num processo de assimilação, rodeado por uma também complexa trama política, e que toma forma em uma ação e tensão muito boa. Por outro lado, o lento arco onde Breq conhece Seivarden, apesar de criar o laço entre os protagonistas, é chato e despropositado, descobrimos ao final da obra: o que a arma possuía de especial não era ser eficaz contra a principal inimiga.
Temos bons e interessantes conceitos durante todo o livro, há realmente muita sustância na obra, seu sucesso não é, em momento algum, apenas superficial. Entretanto duas características me incomodaram: o esquecimento gradual, ao longo do texto, da questão do gênero indefinido na língua dos personagens; e, em especial, a questão da personagem ter sido uma IA de uma gigantesca nave, parte de milhares de partes e membros, se mostrar algo que contribui muito pouco para o desenvolvimento geral da estória – a não ser, ironicamente, em diálogos expositivos de como ela lembrava das coisas e sentia falta do seu “resto”. Esta jornada poderia ser muito bem vivida por uma tripulante comum da nave que testemunhou os eventos que despertaram a vingança. Esses “pontos cegos” causam uma impressão mais negativa, de um texto mais preocupado em impactar ou estar na moda.
Bom (3/5)
TEm sustância e interessantes conceitos, mas acaba se preocupando mais em impactar por algumas escolhas de narrativa e de forma que em seu desenvolvimento, prejudicando a compreensão e aproveitamento geral da obra.
Sequências – Lançadas em 2014 e 2015, este livro teve duas sequências de uma trilogia; Espada Anciliar e Misericórdia Ancilar – em tradução livre, pois os títulos não chegaram a ser publicados no Brasil. Em Espada, o universo ficcional é melhor explicado, e o texto tem um formato mais “normal”, ainda assim é uma obra mais premiada. Contando a aventura de Breq como comandante de uma nave e lidando com uma Ancilar da própria Senhora do Radch. O último livro, no qual a protagonista encontra uma outra Ancilar perdida por milênios, acabou não recebendo tanto confete, mas ainda foi indicado à premiações e é considerado um final satisfatório.
Não há planos para lançamentos das continuações para o Brasil, ao menos pela Editora Aleph.
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