Tenentes: a Guerra Civil Brasileira – Pedro Doria
Ano de Lançamento: 2016 – Minha Edição: 2016 – 251 páginas
O 12º presidente do Brasil, o mineiro Artur Bernardes tem ao seu lado um infeliz recorde, ele passou seu mandato inteiro, entre 1922 e 1926, governando em Estado de Sítio – um estado de exceção no qual inúmeros direitos civis ficam suspensos por conta de uma ameaça que o Estado esteja sofrendo. Por exemplo, são suspensos recursos com relação à prisão, reuniões populares são proibidas, a polícia pode invadir propriedades sem mandado judicial… dentre outras.
Normalmente, ele é invocado em casos de guerras, revoluções e golpes de estado. Mas, qual foi a Guerra Civil que ocorreu naqueles 4 anos no Brasil? A resposta é simples mas inesperada: o tenentismo. O que me chamou a atenção para este livro foi exatamente classificá-lo desta forma.
Esse movimento liderado por oficiais de baixa patente do exército empreendeu uma série de conflitos armados no país por todo esse período, iniciado pela Revolta dos 18 do Forte, em Copacabana, passando pela Revolta de 1924 em São Paulo, e concluindo com a Coluna Prestes em 1927. Estes são os mais famosos, entretanto, algumas revoltas menores também ocorreram ao mesmo tempo que essas; o tenentismo foi algo extremamente complexo e difuso, polissêmico (capaz de ser enxergado com vários significados) e de grande popularidade.

Por favor, procure outra obra para compreender melhor algo tão fascinante quando este tema, porque aqui o que Pedro Doria faz é única e exclusivamente escrever um livro blockbuster em tom de narrativa, literalmente, contando uma sucessão de fatos. Apesar do título, são cobertos apenas os eventos de Copacabana e São Paulo, com um prólogo sobre Hermes da Fonseca e um epílogo sobre Luiz Carlos Prestes. Sendo o conflito carioca muito mais detalhado e organizado no texto que o paulista.
E quando eu digo cobrir, o que o autor faz, na verdade, é criar uma narrativa a partir da coletânea de anedotas: ocorridos curiosos e interessantes dos eventos; por exemplo, uma correspondência afiada, uma batalha mais brutal, uma localização engraçada, uma morte violenta ou algum bombardeio com várias vitimas. Isso em conjunto com notas biográficas de alguns personagens históricos escolhidos por ele; aparência, gostos pessoais, personalidades, amizades, conhecidos ou acontecimentos marcantes da vida deles.
No referente à Revolta dos 18 do Forte, como durou apenas 2 dias, essa abordagem dá lugar a um texto, na realidade, bem interessante. Acaba se transformando numa narrativa minuciosa e informativa dos eventos, razoavelmente coesa (especialmente toda a introdução sobre Hermes da Fonseca). Embora muito rasteira com relação à análise e crítica. Por outro lado, quando passamos aos acontecimentos paulistas, o livro se transforma num desastre.
Mesmo tendo um conhecimento prévio sobre a revolta, ou talvez justamente por isso, fiquei perdido em vários momentos. O autor narra minuciosamente os acontecimentos e conspirações iniciais, mas depois os dias passam sem muita lógica interna. De um capítulo para outro se separam horas ou semanas, aleatoriamente, e quase todo o texto é ocupado com relatos de bombardeios. Historiadores já pela contracapa conseguem pegar a “metodologia” do autor, mas aqui mesmo quem é de outra área consegue entender como a narrativa é completamente dependente de curiosidades pois não há o menor critério para o que ele escolhe falar de São Paulo.

Quando digo que é um livro blockbuster, é porque realmente essa á impressão, especialmente quando chegamos ao trecho referente à (Coluna) Prestes. O que é abordada aqui é uma espécie de “história de origem”, em rápidas 20 páginas do encontro entre as tropas do levante gaúcho (sumariamente ignorado na obra) e da revolta paulista, deixando mistérios em aberto, especulações e deixas para “futuras” histórias…
A impressão é que estamos “lendo” a um filme da marvel da história da República; inclusive os capítulos são estruturados por personagens (Siqueira Campos, Juarez Távora e Luiz Carlos Prestes), como uma espécie de vingadores do Tenentismo que vão se unindo ao longo dos eventos. O conteúdo (no caso, a historiografia) fica completamente em segundo plano com relação à forma.
Em mais um epílogo (são 4, apesar de apenas um receber o título) o autor tenta fazer um “balanço” do que foi o tenentismo, na parte que é realmente a única mais crítica (e não informativa) da obra. Mas é feito de forma bizarra: usando golpe de 1964 como referência, a ditadura é apresentada consequência natural do tenentismo. Inclusive, em vários pontos do texto, ele gosta de enfiar algum figurão do regime militar na narrativa, Costa e Silva na época cadete, estava alocado numa base próxima ao Forte de Copacabana, por exemplo, para dar essa sensação. Mas tudo baseado em curiosidades: o tenente Eurico Gaspar Dutra recebeu uma ordem, o pai de Figueiredo observou de binóculos uma batalha, Getúlio Vargas estacionou o carro no Leblon.
Ainda que importantes revolucionários dos anos 20 tenham se transformado nos reacionários dos anos 60, a análise é completamente desmedida porque cai de pára-quedas ao final da obra, não era o objetivo do estudo tentar encontrar essas continuidades – e muito menos as rupturas; o Tenente Eduardo Gomes de 1922 não era o mesmo homem, nem tinha as mesmas ideias sobre o Brasil, que o Brigadeiro Eduardo Gomes de 1964. O importante seria identificar o que ficou e o que mudou dos dois personagens, ainda que a mesma pessoa.
No final o balanço (e toda a obra), serve para Doria destilar a mui inteligente teoria da ferradura; já que tivemos tanto o Eduardo Gomes (UDN) como Luiz Carlos Prestes (PCB) nas fileiras tenentistas, todo esse sentimento de revolta só poderia gerar autoritarismo. A moral é: não desejem mudanças, isso é anti-democrático.
Muito Ruim (1,5/5)
Sacrificando o conteúdo pela forma, é uma seleção de curiosidades ocorridas durante as revoltas de 1922 e 1924, com algumas notas biográficas dos envolvidos criando uma narrativa agradável mas despropositada. Sobre 22 o texto é razoável, mas de resto é um desastre, informando mal e analisando (quando o faz) pior ainda.
Penha, capital de São Paulo – Durante a Revolta de 1924, o governador paulista Carlos de Campos inicialmente fugiu do Palácio dos Campos Elísios, então sede da administração, e e se exilou no litoral, em Santos. As tropas chegadas do Rio de Janeiro, através da Estrada de Ferro Central do Brasil (atual Linha 11 da CPTM, em São Paulo), foram concentradas na Zona Leste, e desembarcavam na antiga Estação Guaiaúna, na Penha. Um local próximo mas relativamente seguro com relação ao centro e alguns bairros operários, como o Brás e a Mooca, onde se localizavam alguns rebeldes.
Depois de alguns dias, o governador retornou à capital e se reuniu com a repressão à revolta, organizada naquele bairro e fez alguns despachos ali. Assim, o Estado de São Paulo passou a ser “administrado” provisoriamente naquela estação de trem até a rebelião ser sufocada no final do mês de julho. Ou seja, por alguns dias de 1924, a Penha foi a capital do Estado.
Por conta desse tão “honorável” evento, a estação Guaiaúna foi renomeada estação Carlos de Campos, e algumas ruas da região receberam nomes homenageando os líderes da repressão, como o General Eduardo Sócrates. A estação, todavia, perdeu sentido após a construção do Metrô Penha ao lado, em 1986, gradualmente sendo abandonada e finalmente desativada em 2000; o que restou foi demolido em 2016.

Jovens Turcos: o autor insiste em classificar os participantes do tenentismo como “jovens turcos”. Essa expressão vem do Império Otomano, na virada do século XX, e se tratava de um grupo político reformista que desejava modernizar o Império e transformá-lo em um moderno Estado Nacional Turco. Eles chegaram ao poder em 1908 e frequentemente a Revolução Turca de Kemal Atatürk é tida como uma conseqüência desse processo, entretanto, ele é um desdobramento posterior, fruto da decadência desse movimento, radicalizando alguns de seus ideais nacionalistas.
O Movimento original dos Jovens Turcos, diferente do que Pedro Doria fala por todo o livro, não está necessariamente ligado ao papel das forças armadas no destino ou no governo da nação. Inclusive Atatürk, que sequer era um dos Jovens Turcos, diferente também do informado por Doria, sempre se esforçou para se aparecer como civil em propagandas e debates políticos, não militar.
Entre 1906 e 1912, o exército brasileiro teve um convênio com o Império Alemão e enviava oficiais para estagiarem lá; atividade que fizeram junto com oficiais otomanos, já que a Alemanha desejava fortalecer aquele país e também treinava seus militares. Quando os brasileiros retornaram para cá, desejavam implementar mudanças e modernizações nas Forças Armadas brasileiras, usando como referência o exército alemão, e ironicamente eram chamados de “Jovens Turcos” pelos demais oficiais.
Esses “jovens turcos brasileiros” não eram os oficiais tenentistas. Alguns foram incorporados ao varguismo nos anos 1930, enquanto outros, inclusive, tomaram parte em movimentos contrários ao tenentismo, por exemplo. Bertoldo Klinger e Euclides Figueiredo, foram importantes comandantes militares da Revolução de 1932. Enquanto muitos outros que ficaram anônimos, provavelmente participaram da repressão às revoltas de 1922, 24 e à Coluna.
No máximo, alguns dos tenentes tiveram aulas com eles. Mas, de acordo com “Profissionais ou Rebeldes?“, livro de Marcus Marcusso, seu mestrado que estuda justamente a formação de militares na República Velha, os Jovens Turcos empreenderam algumas reformas curriculares na formação do oficialato no sentido de uniformizar a formação com relação ao preparo físico e técnico, diminuindo as matérias teóricas ou ensino de línguas estrangeiras por exemplo. Outros grupos de instrutores, como a Missão Indígena e a Missão Francesa, rapidamente suplantaram os jovens turcos com novas reformas e regulamentos, caminhando no mesmo sentido, todavia. Ao final o saldo foi a formação de militares menos rebeldes, e Marcusso afirma categoricamente que as reestruturações não contribuíram com o tenentismo.
Muita atenção com isso porque Pedro Doria aqui está completamente equivocado nessa análise. No Brasil, este grupo dos jovens turcos teria mais uma relação com uma “modernização conservadora”, ou seja, reformista, bem distante do confronto direto e revolucionário dos tenentes.
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