O Tempo em Marte – Philip K Dick
Tradução: Daniel Lühmann – Editora: Aleph
Ano de Lançamento: 1964 – Minha Edição: 2020 – 315 páginas
Uma das coisas mais fascinantes de ler ficção científica do miolo do século XX, especialmente anos 60 e 70, é o quanto imaginava-se que seria rápido o desenvolvimento tecnológico da humanidade – especialmente em direção ao espaço. Aqui, nesta obra de Philip Dick, o cenário é a colonização de Marte no distante ano de 1994.
Longe de ser uma empreitada glamourosa e tampouco caótica; habitar o planeta vermelho na imaginação do autor revelou-se uma um atividade extremamente medíocre. Sem encontrar grandes recursos e nenhum perigo, a colonização atraiu pessoas que queriam fugir de vidas também medíocres na Terra; uma vez no planeta estrangeiro, tentaram se tornar relevantes de maneiras ainda assim ordinárias.
Nosso protagonista é um mecânico geral de diversos tipos de máquinas, e devido às dificuldades de importações para Marte, ele é um profissional extremamente requisitado – ainda que ganhe mal – e um determinado acontecimento na vida de seu vizinho acaba desencadeando uma série de eventos que acabam por colocá-lo no caminho do presidente do sindicato dos encanadores (trabalhadores das águas, na terminologia deles) daquela região de Marte. Como a água é um recurso escasso no espaço, esse líder sindical tem alto poder na sociedade extraterrestre.
A crítica salienta como Dick aqui quis transportar um típico e medíocre subúrbio americano dos anos 50 e 60 ao espaço – pessoas com empregos comuns, habilidades comuns, inteligência comum e cultura comum mas acreditando estarem no topo do mundo e que é possível enriquecer facilmente. Era uma ironia pertinente, já que o período foram os anos dourados dos Estados Unidos em economia e desenvolvimento, mas ainda assim sem deixar de ser fundamentalmente medíocre.
Claro que o livro não é baseado em retratar o cotidiano dessa vida de subúrbio espacial; os personagens têm motivações específicas (ainda que também medíocres) e há um importante conceito pseudo-científico que movimentará a história. O problema é que ele demora a aparecer, como muitas obras dessa época do autor, ele vai contextualizando tudo para na segunda metade a trama andar.
De olho numa especulação imobiliária em um novo “loteamento” a ser realizado em Marte, esse sindicalista com ajuda do mecânico procurará manipular uma criança autista. Neste universo de Dick, as pessoas com deficiência intelectual ou doenças de ordem psiquiátrica talvez possuam uma incrível habilidade sensorial que, em contrapartida, a impedem de compreender o mundo da forma como as demais.
Este conceito, do “poder” que as pessoas neurodiversas possuem, é central, é extremamente interessante e é muito bem amarrado com o resto da trama, e ajuda a movimentar a leitura. Entretanto, é baseada em concepções completamente datadas e erradas da natureza dessas doenças – por exemplo, ele trata esquizofrenia como um grau de autismo. É necessário ter em mente a idade da obra e pouca compreensão nos anos 50 e 60 que havia sobre elas – especialmente se você for portador delas, pode te ofender, embora a escrita é extremamente sensível e empática ao tratar desses personagens. O texto é datado em “diagnóstico”, não em valores humanos com relação a este tema.
As outras críticas negativas a obra são da ordem da tecnologia, nunca há muita explicação de como foi possível colonizar o planeta nem como funcionariam as viagens espaciais. Faz falta, mas não prejudica o andamento da obra. Por outro lado, particularmente me incomodou como o conceito de uma civilização de marcianos recebeu tão pouco cuidado. O fato de existirem habitantes locais aparece já em um momento avançado do livro e de supetão, sem introdução, acompanhamos como se fôssemos personagens, que já soubessem da existência dos beeks – nome dado à raça marciana – apenas não tínhamos cruzado o caminho deles até então.
Outra obra de temática parecida do mesmo autor.
Espere agora pelo ano passado
A Terra está em uma guerra interplanetária, e ao mesmo tempo, surge no mercado uma droga capaz de fazer o usuário viajar no tempo. Demora para essas duas coisas fazerem sentido, mas ao final é mais uma obra fantástica do autor.
Não encontrei referências em outras resenhas se isso era proposital, para demonstrar o desprezo com o qual os colonos se relacionavam com os nativos, que seria uma alegoria extremamente pertinente à colonização da América, mas não quer dizer que nós não nos interessamos por eles.
O desfecho é simples, até anticlimático, mas é satisfatório – eu particularmente gosto de fechamentos simples. A obra demora para engatar, mas não há sensação de perda de tempo ou desperdício de informações (como em Espere Agora Pelo Ano Passado); no momento em que todas peças que colocou no tabuleiro começam a se juntar você se delicia muito com a leitura. O problema é que toda a história não é lá tão interessante, já que o foco do autor é expor a eterna mediocridade da classe média americana, que ultrapassaria até mesmo o planeta Terra.
Bom (3,5/5)
É uma história bastante razoável e a leitura é bem agradável por todo o texto. O conceito central é problemático por se basear em interpretações completamente erradas do autor sobre as doenças psiquiátricas, mas funciona bem dentro do que ele criou. Infelizmente, não é nada muito genial nem temos grande dilemas morais, com personagens repeletos de objetivos, propositalmente, medíocres.
Adaptações: está é uma das raras obras que jamais chegou perto de receber alguma versão em filme, série ou jogos. Houve tentativas mas que nunca passaram de intenções; entretanto, numa dessas conversas surgiu a ideia de Sonhos Elétricos. Minissérie produzida pela Amazon que contém 10 episódios baseados em 10 contos de Philip Dick.
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